sexta-feira, 17 de julho de 2020

“E o que é que foi que ele disse?”


Não foi fácil mas finalmente acabei a leitura da Visão Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030 do consultor do Governo, António Costa Silva. Antes de qualquer outra consideração, devo dizer que se a elaboração do documento foi uma tarefa cívica desempenhada "pro bono", o esforço merece ser elogiado. Não é todos os dias que encontramos um cidadão disponível para dar o seu contributo desinteressado nesta área.

No entanto, como referência estratégica para um plano de recuperação económica e social do nosso país, o documento fica muito aquém do que esperava. Repete até à exaustão uma série de ideias e termos mais ou menos na moda (digitalização, descarbonização, transição energética, “reindustrialização”, “cluster”, “hub”, “smart” qualquer coisa, etc.) mas com muito pouco sumo para tantas páginas.

Para só referir dois sectores que conheci bem, o mar e as indústrias de defesa, não encontrei nada de novo no documento, antes pelo contrário. O autor parece não ter aprendido nada com o que se passou nos últimos vinte anos e repete um discurso político que vi ser tragicamente desmentido pela acção dos responsáveis. Provavelmente será uma coincidência, mas até o discurso dos “campeões globais” e das empresas tecnológicas maravilha veio à baila… Se há vinte anos ainda acreditei que fizesse algum sentido, hoje parece-me patético.

Mas o que menos gostei no documento foi a ligeireza com que aborda os dois problemas centrais de Portugal: a justiça e a educação. Sobre o primeiro não chega escrever que “Portugal precisa de uma justiça, em particular a justiça económica e fiscal, orientada para o século XXI,” e sobre o segundo não chega dizer que é preciso investir na “requalificação e modernização da rede de escolas” (onde é que já ouvi isto?) e no “rejuvenescimento do corpo docente”.

Para quem como eu acredita que as escolas públicas são as instituições que mais podem contribuir para a democratização da sociedade e para o combate às desigualdades económicas e sociais, o que o autor escreveu trouxe-me à memória os versos de Sérgio Godinho:

E o que é que foi que ele disse?
E o que é que foi que ele disse?
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco.


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