terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Raízes

 

Escola Primária de Palhais, Vilar, Cadaval. 1959/60

O miúdo nasceu em Lourenço Marques, Moçambique. Em Inhambane, fez as duas primeiras classes num ano e depois a terceira, com exame como então se usava. Quando o pai foi transferido para a Zambézia, fez a quarta classe em Quelimane, com aprovação no respectivo exame.
 
Uma doença grave obrigou pai a vir para Portugal, com a família, para ser tratado no hospital do Ultramar, em Lisboa. Como o miúdo só tinha nove anos, não pôde fazer o exame de admissão ao liceu na metrópole. 

Ficou um ano a marcar passo e o porto de abrigo foi a casa dos avós maternos em Palhais, uma aldeia no sopé da serra de Montejunto, e a escola da D. Fernanda. Uma escola onde partilhou a sala de aula e a professora com 28 crianças das quatro classes do ensino primário. Uma experiência extraordinária que o marcou para sempre, mesmo depois de vir para o liceu em Lisboa.

Palhais passou a ser a segunda terra do miúdo, o local onde tinha os amigos e para onde voltava nas férias escolares, em especial nas do Verão. Era o território das aventuras, das cumplicidades, dos bailaricos e das descobertas. Não perdia uma corrida de bicicletas das muitas que se realizavam nas localidades à volta, quase sempre com o ídolo João Roque. Percorreu de bicicleta todas as estradas e caminhos das redondezas. Era o lugar das amizades puras, onde sempre se sentiu e foi sentido como “filho da terra”.

Daquele ano lectivo de 1959/60 na escola de Palhais, guardou uma fotografia da professora e dos colegas. Não se lembra em que circunstâncias foi tirada mas é uma recordação com um valor incalculável.
 
Nesse ano só o miúdo foi para o liceu. Nos anos seguintes, alguns, poucos, continuaram os estudos liceais, mas a maioria teve de ir trabalhar depois da 4ª classe e muitos acabaram por emigrar para a América ou a Europa. O afastamento e a memória fizeram com que esquecesse o nome de alguns.

Hoje a filha Joana enviou-lhe a fotografia com a identificação da maioria dos colegas. A Maria Júlia deu-se ao trabalho de os identificar, o que foi uma excelente prenda para o miúdo. 


Para os mais atentos será certamente estranho que muitos dos miúdos da fotografia tenham o mesmo apelido: Tojeira. A explicação é que não é apelido, é a terra onde viviam.

Tojeira é uma aldeia a cerca de 2 quilómetros de Palhais e todas as crianças de lá tinham de fazer o trajecto a pé, por caminhos agrícolas, com muita chuva e frio no Inverno, todos os dias. Ao chegarem à escola descalçavam as botas molhadas e enlameadas e calçavam chinelos de pano, como todos os outros.

Quanto ao miúdo, lá está identificado como Jorge B., ao lado da D. Fernanda. Só B. para não se confundir com o outro Jorge, o Caetano, mas também porque não vale a pena lembrar as outras raízes do miúdo. 

Para os que com ele partilham as raízes no sopé da serra de Montejunto, o miúdo será sempre e só, o Jorge.