sábado, 16 de janeiro de 2016

A Promoção a Alferes de um Aspirante a Oficial Miliciano



Acabou o curso de engenheiro agrónomo do Instituto Superior de Agronomia em 1948 e foi estagiar na Junta de Hidráulica Agrícola, no Ladoeiro, no projecto de Idanha-a-Nova. Terminado o estágio e ao contrário da promessa inicial de integração nos quadros da instituição, foi informado pelo presidente que a Junta estava com problemas e que poderia até despedir pessoal. Teria portanto de esperar um ano e candidatar-se de novo, sem qualquer garantia de vir a ser admitido.

Desempregado, seria convocado para um ano de tropa para terminar o serviço militar obrigatório. Já tinha feito dois ciclos de instrução como aspirante a oficial miliciano durante as férias académicas, em Vendas Novas e Cascais, mas agora tratar-se-ia da promoção a alferes. E depois, muito provavelmente, continuaria desempregado.

Resolveu então concorrer aos Serviços de Agricultura e Florestas de Moçambique, sua terra natal, já que os pais aceitaram pagar a passagem de regresso. E como o ser casado era um factor de preferência do concurso, combinou com a noiva casar pelo civil e seguir logo para Moçambique. Assim que arranjasse emprego, ela iria ter com ele para então se casarem pela Igreja.

E assim foi. Depois de obter autorização do Estado-Maior do Exército para se ausentar do país, embarcou num navio numa viagem de vinte e oito dias até Moçambique. Durante a viagem conheceu e tornou-se amigo do oficial do exército alemão, Theodore Greef, que depois de ter combatido na Somália ou Eritreia, pelos nazis, terminada a guerra, estava a caminho da África do Sul, para ali se empregar. Mas isso são contas de outro rosário.

Chegado a Moçambique, soube que afinal o concurso para os Serviços de Agricultura estava atrasado, sem data prevista para a decisão final. Iniciou a procura de emprego mas não estava fácil. Aceitaria qualquer um, mas nada. E sentia-se inútil, a viver à custa dos pais e impossibilitado de mandar a noiva vir para junto de si.

Finalmente, ao fim de uns meses, o problema do emprego foi resolvido de forma simples e inesperada pelo barbeiro do pai. O barbeiro falou no caso ao Director dos Serviços de Agricultura, também seu cliente, que mandou o jovem agrónomo apresentar-se no dia seguinte pois havia uma vaga interina nos serviços.

Foi dessa forma que começou a trabalhar na Secção de Hidráulica Agrícola e pôde finalmente casar-se. Mas a burocracia de Lourenço Marques não permitia fazer qualquer coisa de válido. Quando ocorreu um problema no vale do rio Incomáti, encarregaram-no de ir à Manhiça saber o que se passava. Elaborou um projecto de enxugo e rega para uma parcela do vale mas não o pôde executar por falta de financiamento.

Decidiu então, por sugestão de um colega botânico, pedir a transferência para Inhambane a fim de poder estudar e trabalhar a cultura do café racemosa, espécie espontânea no litoral arenoso de Moçambique. Aí as coisas mudaram e foram evoluindo até que foi nomeado Delegado da Junta de Exportação do Café e encarregado de iniciar trabalhos sobre o café arábica na Alta Zambézia.

Mas em 1955, seis anos depois e já com dois filhos, recebeu uma convocatória para a tropa por seis meses, para a tal promoção a alferes. A esposa e os filhos viajaram para Portugal para junto dos sogros e ele voltou à vida de aspirante a oficial, a ensinar praças para serem promovidos a cabos.

Mas a agricultura cafeeira não podia esperar e resolveu convencer o comandante da importância do café para Moçambique e da necessidade de ir ao Gurué, na Alta Zambézia, escolher uma parcela de terreno e nela implantar uma estação experimental de arábica. É certo que a autorização superior acabou por depender mais do trabalho do agrónomo no melhoramento dos ajardinamentos do quartel, mas para a história colonial fica registado o contributo do Exército para o desenvolvimento da cultura do café em Moçambique. 

E assim o nosso aspirante arranjou uma forma inovadora de cumprir o serviço militar: no Gurué, a produzir e distribuir sementes de arábica aos fazendeiros, a mais de 1800 km do quartel em Lourenço Marques. O problema só se levantou quando, passados os seis meses, teve de prestar provas perante oficiais do Estado-Maior. Descontando a matemática do tiro de artilharia que tinha aprendido quase dez anos antes na instrução em Cascais, o nosso aspirante pouco mais sabia da faina militar do que dar ordens à companhia com voz forte e enérgica.

Os seus superiores decidiram então que tinha, pelo menos, de aprender a desmontar, e montar de novo, uma pistola de guerra de utilização comum. Para isso teria de receber, e recebeu, instrução intensiva de desmontar e montar a pistola.

E pronto. No dia marcado lá apareceram no quartel os oficiais do Estado-Maior que, por milagre, mandaram fazer o que tinha aprendido nos últimos dias! Foi um sucesso, logo a seguir confirmado com uma sessão de ordens gritadas a plenos pulmões!

Aprovado, foi promovido a alferes e concluiu a brilhante prestação de serviço militar no Quartel da Carreira de Tiro de Lourenço Marques, a capital da Colónia...

Voltou à cultura do racemosa e do arábica até 1959, quando em Quelimane foi proibido de continuar a trabalhar no café: superiormente declaravam que a Colónia de Moçambique não dava café, só chá!

Mas estas também são contas de outro conto…