quinta-feira, 6 de junho de 2019

Uma lição de vida

A ensinar a natureza ao Tomás.*

Foi de facto o meu melhor professor.

Ensinou-me botânica, biologia, filosofia, sociologia, política, relações humanas, eu sei lá quantas outras disciplinas, sempre pelo exemplo que, bem sabemos, é o método mais eficaz.

Ensinou-me que sem estudo, persistência e trabalho, a vida não oferece nada que a torne valiosa.

Ensinou-me que a preocupação com o bem-estar dos outros é muito mais compensadora que a preocupação com o nosso próprio bem-estar. Ensinou-me, por exemplo, que os frutos que renunciamos para dar aos filhos e aos netos são mais saborosos na boca deles.

Ensinou-me a gostar de estar com a família e os amigos à volta de uma mesa, com comida preparada em conjunto para ser compartilhada com histórias, pensamentos, esperanças e apreensões.

Ensinou-me que os melhores presentes requerem esforço e sacrifício de quem oferece e que, normalmente, o dinheiro não os pode comprar. Ensinou-me que mostrar disponibilidade para participar, para ajudar, é o bem mais valioso que se pode oferecer.

Ensinou-me a importância do carácter e do empenho persistente dos recursos interiores e a insignificância dos adornos e engenhocas que podemos comprar, por mais caros que sejam. Ensinou-me que a identidade não se adquire com a exposição pública de fatiotas, marcas ou logos cujo preço depende da “posição social” reconhecida por um certo tipo de “sociedade”.

Ensinou-me que cada um de nós é o resultado da acumulação de muitas e diversas experiências, agradáveis ou dolorosas, ao longo da vida. Ensinou-me que não devemos aceitar a anulação periódica do passado para fazer renascer um novo “eu” diferente e mais atraente, feito de encomenda de acordo com a moda, como se a vida fosse uma sucessão de novas oportunidades e novos inícios, uma sucessão de episódios independentes, cada um com enredo, personagens e final próprios.

Ensinou-me que muito do que é essencial para nos sentirmos felizes não tem preço de mercado nem pode ser adquirido com dinheiro ou a crédito numa qualquer plataforma ou superfície comercial. Ensinou-me por isso a importância dos laços familiares e da vida doméstica; do amor e da amizade; do orgulho pelo trabalho bem feito, pela superação individual e pelo reconhecimento dos pares e dos outros; da satisfação de ouvir e tentar ajudar os outros, de com eles cooperar; do estudo e da reflexão demorada, num ambiente agradável e relaxado.

Ensinou-me os benefícios de procurar fazer a diferença na sociedade, de deixar alguma marca, de viver para o outro, de recusar a solidão da preocupação com nós próprios. Ensinou-me que o sucesso e a duração dos relacionamentos pessoais estão intimamente ligados ao compromisso de serem mantidos apesar das adversidades e do que quer que aconteça.

Ensinou-me, acima de tudo, que a vida é uma obra em constante construção; que para a viver devemos estabelecer desafios difíceis de realizar, escolher objectivos muito para lá do nosso alcance, adoptar padrões de comportamento acima da nossa capacidade, tentar sempre o impossível.

Sei que não aprendi todas as lições, que não fui capaz de manter todos os padrões, atingir todos os objectivos e estar à altura de todos os desafios mas a responsabilidade não é do professor porque esse foi, sem sombra de dúvida, o melhor que podia ter tido.

O meu Pai foi o meu melhor professor e faria hoje 95 anos.

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* O Tomás teria uma idade próxima da actual do Miguel, o bisneto que mais desejou e não conheceu. Suspeito que se perguntar ao Miguel quem está na fotografia, ele dirá: "Eu e o avô Aníbal!"