segunda-feira, 22 de abril de 2019

A outra senha do 25 de Abril

      
Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar


Este é o refrão da canção “Venham mais cinco” do álbum com o mesmo nome com canções originais de José Afonso, escolhida inicialmente como senha a ser emitida através da Rádio Renascença para todo o país.

O álbum foi gravado em Paris para a etiqueta Orfeu e editado no Natal de 1973. Para além da lírica e dos temas musicais, o disco foi também marcante pela qualidade da gravação porque o estúdio de Paris tinha capacidades tecnológicas ainda não disponíveis em Portugal. Os arranjos foram de José Mário Branco, que já gravara em 1971, igualmente em Paris, o “Cantigas do Maio”, outro álbum de José Afonso com capa do pintor José Santa Bárbara e de que fazia parte a canção “Grândola Vila Morena”.

No lançamento do "Venham mais cinco" em Portugal, estava prevista a divulgação das suas canções no programa “Página 1” de José Manuel Nunes na Emissora Nacional mas quando a estação submeteu o álbum à Censura, foi proibido e apreendido pela PIDE/DGS. 

Foi por isso que quando na tarde do dia 22 de Abril de 1974 o Álvaro Guerra lhe disse que o “Venham mais cinco” estava proibido e a canção não podia ser transmitida no programa “Limite” na Rádio Renascença, o Almada Contreiras escolheu uma nova senha, a “Grândola Vila Morena”.

sábado, 20 de abril de 2019

Benjamim Inácio Garcia

Uma pena de dois anos depois de sete no Tarrafal


Benjamim Inácio Garcia

Os pais do Benjamim Inácio Garcia tinham uma sapataria na Rua de São Bento e ajudaram o meu avô José na aventura de menino transmontano feito marçano nas ruas da Lisboa de 1912. Já falei deles em O Tenente Martins

Ficha da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE)

O Benjamim, primo direito da minha avó materna, foi carpinteiro de moldes no Arsenal da Marinha e lutou contra o regime salazarista. Quando a Torre do Tombo colocou online as 29 510 fichas dos 148 livros de registo de presos da PVDE/PIDE/DGS de 1934 até 18 de Abril de 1974, recuperei a ficha prisional do Benjamim. Para além de confirmar o que escrevi há cinco anos, apercebi-me de um detalhe processual que ilustra bem o que era a repressão na ditadura salazarista.

Comprovado pela ficha, o Benjamim foi preso em 5/9/1935, tinha então 18 anos e meio de idade, passou por Peniche e Aljube, foi julgado e absolvido, foi preso novamente depois de quase um ano de liberdade e voltou ao Aljube, esteve mais de sete anos no Tarrafal e recolheu a Caxias para ser libertado em 7/11/1944. A ficha não diz mas eu sei, foi libertado porque estava a morrer de tuberculose.

Mas antes, diz ainda a ficha, foi julgado outra vez “em 1/11/1944, tendo sido condenado na pena de 23 meses de prisão correcional, dada por expiada com a prisão preventiva de 7 anos e 238 dias e na perda dos direitos políticos por 5 anos”!


sábado, 13 de abril de 2019

Programa do Movimento das Forças Armadas



Documento apresentado na exposição organizada pelo Arquivo Histórico da Presidência da República,
em 13 de dezembro de 2012.

O golpe militar foi uma surpresa para o regime de Marcello Caetano? 

Esta é uma das perguntas que me fazem com maior frequência nas conversas sobre o 25 de Abril. A resposta que dou normalmente é "Sim e não…", o que não me agrada porque prefiro dar respostas claras, do tipo sim ou não.

A resposta é sim quando falamos apenas da operação militar do dia 25 de Abril de 1974. A rapidez da decisão de avançar para o derrube do regime através de uma operação militar, a preparação dessa operação e a forma como foi executada, foram certamente uma surpresa, e dela há testemunhos claros do lado derrotado. Uma surpresa que se deve à competência e experiência de oficiais do Exército habituados a conduzir uma guerra com grande autonomia na tomada de decisões e na sua concretização. E que explica que no final do dia 24 de Abril de 1974, numa recepção na embaixada da RFA onde estavam, calmos e descontraídos, Silva Cunha, ministro da Defesa Nacional, Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros e Moreira Baptista, ministro do Interior, este último tenha dito que não estava preocupado com o mal-estar nas Forças Armadas e que o Silva Pais, director da PIDE/DGS, o teria informado que esperava apenas problemas no 1º de Maio, mas nada de especial; e que o mesmo Silva Pais tenha telefonado ao Silva Cunha às 3h30 de 25 dizendo – Pode dormir descansado, Sr. Ministro.

A resposta é não, não foi surpresa, quando falamos da percepção generalizada de que algo estava para acontecer em qualquer momento. Era voz corrente nos círculos mais ou menos próximos do poder, assim como nas tertúlias dos cafés da Grande Lisboa, que estava para ocorrer um golpe militar. Independentemente do grau de conhecimento de cada opinante, posso assegurar que esse era um dado adquirido nas mesas do São Jorge em Carcavelos, o café que então frequentava depois do jantar. Aliás a natureza semi-aberta do Movimento dos Capitães, os vários abaixo-assinados e os comunicados que difundiu nos meses que antecederam a operação militar, não permitem supor que o governo e a sua segurança interna desconhecessem o que se passava, por mais incompetentes que pudessem ser, o que também não é seguro que fossem.

Então porque é que o regime não se preparou para resistir e neutralizar o golpe militar? A questão terá várias respostas mas eu tendo a concordar com a explicação dada pelo meu camarada Almada Contreiras no livro “Operação Viragem Histórica”: o desconhecimento ou pouca importância dada ao documento que veio a ser o “Programa do Movimento das Forças Armadas” e a convicção dos responsáveis de que seriam apenas a liderança e as teses do general Spínola expressas no livro “Portugal e o Futuro”, teses aliás comungadas por sectores do regime próximos das cúpulas militares, que inspiravam os capitães.
Aparentemente, o desconhecimento ou desvalorização da existência de um programa político coerente, inspirado nas teses do Congresso da Oposição Democrática de 1973, assim como o menosprezo pela capacidade da cúpula do Movimento não-alinhada com o general Spínola resistir às tentativas de o desvirtuar ou ignorar, terão sido os factores que levaram o regime a olhar para as movimentações dos Capitães com menor cuidado.

O próprio general Spínola, a quem o programa foi apresentado com antecedência e nele fez cortes e introduziu alterações, terá provavelmente pensado que não passava de mais um papel e que depois do golpe prevaleceriam as suas teses, o seu poder pessoal e a sua rede de seguidores. Quando na noite de 25 foi obrigado a adoptar o Programa do MFA como programa da Junta de Salvação Nacional, ainda fez cortes e introduziu alterações de última hora que acabaram por se revelar negativas. As relativas à libertação dos presos políticos e à neutralização da PIDE/DGS serviram para a atrasar até 27 de Abril; a eliminação da alínea onde constava o “Claro reconhecimento dos Povos à autodeterminação e adopção acelerada de medidas tendentes à autonomia administrativa e política dos territórios ultramarinos, com efectiva e larga participação das populações autóctones”, causou dificuldades muito graves na resolução do problema colonial.





A versão do Programa do MFA que enquadrou politicamente as operações militares do dia 25 de Abril foi publicada pelo jornal "República" no dia 26. Os leitores mais atentos perceberão que não é o programa assinado pelo Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola, e reconhecerão o que foi alterado por ele na noite de 25 para 26 de Abril. É que a versão publicada pelo “República” foi a que o Martins Guerreiro entregou na manhã de 25, como testemunho das intenções do Movimento no caso do golpe militar falhar.