quinta-feira, 27 de julho de 2017

Parabéns, Mamã!



Um filósofo terá dito que tal como num conto, na vida não é a duração que importa mas a sua qualidade. Contudo a minha mãe conseguiu juntar a qualidade à duração e isso torna-a excepcional. Na realidade a vida da minha mãe é uma colectânea de múltiplos contos, todos eles excelentes, e um longo e belíssimo romance que durou sessenta e seis anos, sem contar com o extenso preâmbulo. 

Muitos, em circunstâncias diversas, participaram naqueles contos, partilharam a vida com a minha mãe. Ficaram sempre a ganhar porque, por herança genética e educação, a minha mãe tem uma qualidade que se sobrepõe a todas as outras, e são muitas: a permanente preocupação de ser útil aos outros, de ajudar os outros. A maior riqueza deixada pelos meus avós maternos foi terem ensinado, pelo exemplo, que o maior valor do ser humano é ser capaz de oferecer o que os outros necessitam, é sacrificar-se, estar presente e ajudar quando os outros precisam. E a minha mãe seguiu rigorosamente os seus ensinamentos em todas as circunstâncias. Preocupou-se em ser útil aos pais e ao irmão. Deu o melhor de si aos filhos. Inquieta-se com os problemas dos cinco netos e dos doze bisnetos. É a amiga com que todos sabem poder sempre contar. Essa é aliás a grande força e lição de vida da minha mãe: sentir-se feliz quando pode ser útil, seja a quem for!

Mas a grande obra, o mais belo romance que conheço, não foi protagonizada apenas pela minha mãe. Teve duas personagens centrais que foram, simultaneamente, os seus autores: a minha mãe e o meu pai. Foi uma narrativa longa, com muitos capítulos e personagens variados, em espaços geográficos tão diferentes como Moçambique, Portugal ou Brasil mas com um fio condutor bem marcado: o amor imenso entre as personagens centrais e a luta permanente pela dignidade e pelo bem-estar da sua família. Com situações dramáticas, sempre ultrapassadas pelo sacrifício, a cumplicidade e o esforço solidário dos dois. O meu pai dizia que a minha mãe era o seu anjo da guarda e nós sabemos que isso ficou provado em várias ocasiões. Mas a grande herança conjunta que nos deixaram foi o exemplo de uma união exemplar e feliz que sobreviveu, sempre mais forte, a todas as tempestades. Mesmo depois da partida do meu pai, a união dos dois mantém-se inalterável na mente e no coração dos filhos, dos netos e dos bisnetos.

Alguém disse que as nossas conquistas interiores modificam a realidade exterior. Não sei se é uma verdade universal mas, no caso da minha mãe, estou certo que a sua força interior, a sua vontade de melhorar o mundo, a sua presença, fazem com a vida de cada um de nós seja bastante melhor. É essa a sua maior riqueza e é esse o seu mais valioso legado.
É por isso que no dia em que celebra noventa anos lhe dizemos: ─ Parabéns, Mamã! Obrigado por tudo!