domingo, 22 de agosto de 2021

Lições da História

 


A velhice provoca frequentemente esta estranha sensação de que a História está a acontecer de novo, sempre como tragédia e farsa. É o caso da actual saída do poder norte-americano de Cabul, que me faz voltar a 1975, quando retirou de Saigão. Tenho consciência que a observação das duas situações foi e está a ser condicionada pelos mesmos filtros: em 1975, a circunstância de estar embarcado num navio da Marinha dos EUA e de passar a maior parte do tempo a navegar, fazia com que assistisse a filmes americanos quase diariamente e só visse e lesse a comunicação social produzida nos EUA; em 2021, a globalização faz com que continue a ver e ler notícias preparadas por agências dos EUA, embora assista a muito menos filmes, talvez por saturação.

Mas apesar dos filtros associados às circunstâncias, sejam eles os estereótipos instilados pelas notícias e pelos filmes e séries de guerra onde os bons são os heroicos marinheiros, soldados e aviadores americanos e os maus os guerrilheiros cruéis e os políticos locais, corruptos e incompetentes, que (des)governam populações dominadas por malandros, traficantes e prostitutas, e onde as cenas de guerra são quadros de êxtase; ou sejam eles os discursos dos responsáveis políticos dos EUA que com igual à vontade defendem o começo de uma guerra e, dezenas de anos, centenas de milhares de mortos e milhões de milhões de dólares depois, defendem o seu fim; é possível distinguir o que é diferente e o que é comum às duas intervenções americanas, no Vietname e no Afeganistão.

Como por agora só me interessa o que é semelhante, deixarei o que é diferente para outra altura. Comum às duas situações é a crença dos responsáveis políticos e de muitos cidadãos norte-americanos, instigada certamente pelo complexo militar-industrial dos EUA e de outras potências, de que as guerras que eles começam, terminam quando eles declaram o seu fim.

De facto, as guerras no Vietname e no Afeganistão resultaram da arrogância dos governantes dos EUA e da cumplicidade de dirigentes de todo o mundo e começaram quando foi do seu interesse político e económico. Mas quem pagou o maior custo em sofrimento humano foram as populações dos territórios onde foram feitas e nenhuma delas terminou com a declaração política do seu fim e com o espectáculo mediático da retirada das forças militares e do pânico dos que tentam fugir por qualquer meio.

Tal como a guerra do Vietname, a guerra do Afeganistão não terminará tão cedo para as centenas de milhares de refugiados que, tal como em 1975, os EUA e muitos outros países, não querem receber. Para esses refugiados a guerra, com todo o seu sofrimento, vai continuar por muitos anos porque os poderosos do mundo não querem aprender com as lições da História.

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