sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Sobre a Educação para a Cidadania


Ao contrário do que é muitas vezes propalado na comunicação social e nas redes sociais, a Educação para a Cidadania, assim como a componente curricular Cidadania e Desenvolvimento que a concretiza, não tem um programa. Simplificando, diria que que para os diferentes domínios, uns obrigatórios e outros facultativos, existem sim referenciais, lamentavelmente ainda não para todos, que foram elaborados com a colaboração de indivíduos e organizações com conhecimento e experiência de cada domínio e submetidos a consulta pública.

Cada escola, no exercício da sua autonomia e tendo em conta as formas de operacionalização definidas na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, escolhe os domínios e a abordagem - processo de ensino, aprendizagem e avaliação - que considera mais adequados face aos objectivos e metas definidos pela escola no seu contexto socioeconómico e geográfico. Assim, as acusações de doutrinação e unanimismo não fazem qualquer sentido e só a ignorância ou a má-fé as podem explicar.


O projecto da Educação para a Cidadania, que de facto do ponto de vista teórico é muito interessante e merece o apoio que quem defende uma educação de qualidade para todos, sofre no entanto de disfunções que contribuem para o seu descrédito. 

Desde logo por se tratar um edifício construído pela macroestrutura ministerial, de cima para baixo, com excelentes textos programáticos, mas assente em fundações muito frágeis. Nas escolas o esforço da Educação para a Cidadania é em regra e quase exclusivamente atribuído aos DT com o apoio de um número limitado de professores de outras disciplinas que, apesar de tudo, têm realizado verdadeiros milagres dadas as condições propiciadas pelo ministério da Educação.

Depois, o pequeno número de referenciais disponíveis e a escassez de materiais de apoio. Tendo participado em 2018 com outros representantes da Associação 25 de Abril nas reuniões e trabalhos iniciais de preparação do referencial para o domínio “Instituições e Participação Democrática”, constato que passados dois anos ainda não foi divulgada a versão final do referencial para um domínio tão importante. 

A proposta da A25A, elaborada pro bono por cidadãos com experiência profissional e pedagógica relevante para o objectivo estabelecido e com base na abordagem e nas recomendações do Conselho da Europa, define objectivos de trabalho para que os futuros cidadãos compreendam as regras do Estado de Direito e os mecanismos de representação democrática e se preparem para a participação informada na resolução dos problemas do seu país. 

É certo que também surgiram propostas que faziam lembrar a velha OPAN ensinada no Estado Novo, devidamente revista e ampliada para contemplar a nova constituição e a União Europeia, mas a realidade é que, independentemente do que vier a ser consagrado pela DGE, continua a não existir um referencial para o domínio das “Instituições e Participação Democrática”.

Sei o que se passa em diversas escolas dos concelhos de Oeiras e Cascais e conheço as potencialidades e as fragilidades do sistema. Dadas as carências próprias, a falta de apoio do ministério e a dificuldade de estabelecer parcerias com entidades externas, admito que excepcionalmente algumas escolas possam ter violado os princípios definidos para a unidade curricular mas esse não é certamente o padrão. O padrão será, quando muito, Educação para a Cidadania a menos, num momento em que ela é cada vez mais necessária.

Devo no entanto dizer que sempre que nos últimos cinco anos participei em iniciativas de escolas, e foram muitas, foi muito gratificante para mim e, a julgar pela pelas avaliações que recebi, também o foi para os alunos.

Sem comentários:

Enviar um comentário