segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Pompa e triste circunstância


Há quem diga que o meu pai tinha uma relação muito especial com o dinheiro mas eu tenho a certeza que ele não tinha qualquer relação com o dinheiro. Nos cinquenta anos de actividade profissional, nunca soube quanto ganhava. Quando o vencimento era pago em numerário, recebia e entregava o envelope à minha mãe, e não pensava mais no assunto. Quando passou a receber no banco, libertou-se totalmente da preocupação de levantar o ordenado.

Viveu noventa e um anos, sempre com muito pouco dinheiro na carteira, só o estritamente essencial para as suas necessidades, que eram exíguas. O orçamento familiar era administrado pela minha mãe, que se encarregava de adquirir todos os bens necessários, dos alimentos aos medicamentos, dos livros à roupa, dos computadores aos carros. Quando o meu pai, por qualquer razão, decidia premiar monetariamente os filhos, e mais tarde os netos ou os bisnetos, escrevia num pedaço de papel: VALE Cinco Escudos, ou outro valor qualquer. Depois lá íamos nós ter com a minha mãe para resgatar o vale e ouvir o discurso do costume: — O teu pai é muito esperto, não tem dinheiro mas inventa-o!

Lembrei-me disto a propósito da permanente ameaça de crise por falência de bancos e de como ela tem servido para nos pôr a pagar a vida faustosa dos banqueiros e dos seus associados. Claro que os tipos da finança sabem que a crise não será como a pintam mas dá muito jeito manter a ameaça. Aprenderam em 1970, na Irlanda, que era possível passar sem eles. Fizeram uma greve e fecharam os bancos para vergar os trabalhadores bancários e ao fim de seis meses recuaram porque nada de grave se tinha passado. A população criou um sistema de trocas, com instrumentos semelhantes aos vales do meu pai, e mostrou que os bancos eram menos necessários que a maioria dos serviços camarários.

É certo que os irlandeses precisaram de uma espécie de sistema financeiro, mas provaram que passavam bem sem os edifícios majestosos, os bónus e as remunerações obscenas, a especulação de risco e, em especial, os resgates pagos pelos bolsos dos contribuintes.

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