Quando os jovens discutem, planeiam
e concretizam soluções para os problemas que os afectam, num exercício de
cidadania e construção de uma sociedade mais justa, acontece Abril. Aconteceu em
1974, no “dia inicial inteiro e limpo” segundo Sophia, mas também está a acontecer hoje, na Escola
Básica e Secundária de Carcavelos, quando as turmas do secundário identificaram
as cinco preocupações ou problemas que afectam os jovens portugueses; quando uma assembleia de delegados de turma votou o
desemprego e o bullying para serem estudados
e, colectivamente, serem encontradas soluções para apresentar à Escola e a outras
entidades públicas; e quando o André Santos, a Beatriz Ferreira, a Carolina Conceição, a Íris
Ramos, o Lucas Gabriel e a Mafalda Silva, eleitos para dinamizar o projecto,
dirigiram uma reunião com quase centena e meia de colegas para apresentar os
resultados do inquérito de atitude aos alunos da escola e iniciar o debate sobre
as estratégias de prevenção e contenção do bullying a serem
implementadas na escola.
E como o raciocínio e a memória,
sendo duas faculdades distintas, só se desenvolvem completamente uma com a
outra, convidaram dois membros da Associação 25 de Abril, jovens militares
em Abril de 1974, para evocarem as suas memórias e reflexões. O Jorge Bettencourt
sobre o Portugal do Estado Novo e a primeira fase da conspiração do 25 de
Abril, e o Fernando Cavaco sobre a violência entre os jovens e nos grupos
sociais. É que a evocação de memórias individuais e
colectivas e a reflexão sobre impressões, fragmentos e imagens do
passado são instrumentos essenciais para uma sociedade consciente
construir soluções sólidas e de acordo com as necessidades do seu presente.
Preparação do 25 de Abril
Do Portugal de antes do 25 de Abril,
os alunos reunidos no auditório da
Escola Secundária de Carcavelos na manhã de 12 de Dezembro de 2016, lembraram a falta de liberdade e o regime autoritário e repressivo imposto pelo
Estado Novo, a restrição dos direitos das mulheres consagrada na Constituição
de 1933, os baixos índices de desenvolvimento económico e as condições
de vida difícil que levaram à emigração em larga escala de muitos portugueses.
Lembraram os treze anos de guerra em África que afectou profunda e negativamente oitocentos
mil jovens, tirando a vida a quase nove mil. Lembraram a contestação ao
congresso dos combatentes e a génese do Movimento dos Capitães.
Lembraram a primeira reunião plenária em Alcáçovas, em 9 de
Setembro de 1973, e o carácter de insubordinação da movimentação dos jovens oficiais
do Quadro Permanente do Exército, que nunca foram mais de 700 em 4 165. Lembraram
como à medida que se realizavam as reuniões, a questão corporativa perdeu
terreno perante outros objectivos, dos quais a dignificação das forças armadas
e a solução política da guerra se apresentavam como os mais significativos.
Lembraram a importância da reunião de 45 militares do Exército e alguns
observadores da Marinha na Casa da Cerca em S. Pedro do Estoril, em 24 de Novembro
de 1973, uma casa emprestada que desconheciam ter servido de esconderijo de propaganda e material explosivo da LUAR, de local de reuniões clandestinas de oficiais da Marinha com exibição
de filmes sobre a Guerra no Vietnam e O
Couraçado Potemkin e onde actuou José Afonso.
Na reunião de S. Pedro do Estoril, onde foi pela primeira
vez sugerido o derrube do regime, foi preparada a agenda da reunião de Óbidos
de 1 de Dezembro de 1973. Foi pedido às unidades que enviassem àquela reunião delegados
com respostas sobre a via a prosseguir: Hipótese A - «Conquista do poder para, com uma Junta Militar, criar no país as
condições que possibilitem uma verdadeira expressão nacional (democratização)»;
Hipótese B - «Legitimação do Governo,
através de eleições livres, devidamente fiscalizadas pelo Exército, seguindo-se
um referendo sobre o problema do Ultramar»; Hipótese C - «Utilização de reivindicações exclusivamente
militares, como forma de alcançar o prestígio das Forças Armadas, e de pressão
sobre o Governo, com vista à obtenção da hipótese B». Além da posição sobre
a via a prosseguir, os delegados deveriam também dar resposta às seguintes
questões: 1.ª - «Deve o assunto ser
circunscrito ao Exército ou alargar-se ao âmbito das Forças Armadas?»; 2ª -
«Como será constituída a próxima Comissão
Coordenadora? Quem a constituirá e que funções terá?»; 3ª - «Devem ou não escolher-se chefes militares de
prestígio, aos quais nos liguemos e que orientarão politicamente a nossa acção,
face a uma das três hipóteses? Em caso afirmativo, qual ou quais os chefes a
eleger?». Com a reunião de S. Pedro do Estoril, o Movimento entrou numa
fase marcadamente política.
Dias depois, na Casa do Povo de Óbidos, 86 delegados de
unidades em representação de 200, votaram a hipótese C, por estreita margem em
relação à A. Embora a hipótese de derrube do regime tenha sido preterida por
influência dos pára‑quedistas, que recusaram liminarmente qualquer acto de força,
a crescente consciencialização política do Movimento, que passou a ser dos
Oficiais das Forças Armadas com a decisão de alargamento à Marinha e à Força
Aérea, assim como a convicção de que a guerra só seria resolvida se o Governo
fosse derrubado, tinham tornado o processo irreversível. A estrutura
organizativa do Movimento que iria derrubar o regime também ficou definida em
Óbidos com a eleição da Comissão Coordenadora e Executiva, com três elementos
da cada Arma ou Serviço do Exército. Na escolha dos chefes prestigiados o mais votado foi o
general Costa Gomes, o segundo o general António de Spínola e o terceiro o
general Kaúlza de Arriaga.
Depois de S. Pedro do Estoril e Óbidos, o Movimento tornou-se
mais abrangente, quer em objectivos quer em participantes. É por isso que
embora o Movimento dos Capitães tenha estado na génese do MFA, não corresponde exactamente
à mesma realidade política e sociológica. Houve oficiais que pertenceram ao
primeiro e não estiveram no segundo, assim como uma parte dos oficiais que
integrou o MFA não pertenceu ao Movimento dos Capitães.
Em 5 de Dezembro, na reunião da Comissão Coordenadora na Costa
da Caparica, a estrutura organizativa do Movimento é completada com a eleição da
sua Direcção: Vítor Alves (orientação política), Otelo Saraiva de Carvalho (secretariado)
e Vasco Lourenço (organização interna e ligações).
Bullying
"Se eu pudesse
ir para a escola
quando me apetece
jogar à bola
sem me chatear com quem me aborrece!"
(Mafalda)
A violência, entendida como uma acção ou comportamento que causa dano a outra pessoa ou ser vivo, que nega ao outro a autonomia, a integridade física ou psicológica e até mesmo o direito à vida, tem no ambiente escolar diversas manifestações; algumas afectam os professores, outras os funcionários, mas na sua maioria afectam os alunos de diversas faixas etárias. A violência escolar mais frequente entre colegas é conhecida como bullying e manifesta-se através de comportamentos agressivos de intimidação do outro de que resultam práticas violentas exercidas por um indivíduo ou por pequenos grupos, com carácter regular e frequente. Os comportamentos incluídos na categoria bullying são muito diversos e estão ligados a acções físicas, verbais, psicológicas e sexuais.
Na análise metodológica considera-se que existem três tipos
de bullying: o físico ou directo, o
psicológico e o indirecto. O primeiro abrange comportamentos como bater,
pontapear, empurrar, roubar, ameaçar, brincar de uma forma rude intimidatória e
usar armas. O segundo consiste em chamar nomes, irritar ou gozar, ser
sarcástico, insultuoso ou injurioso, fazer caretas e ameaçar. Por fim, o
terceiro, que é o mais dissimulado porque não é tão visível, inclui excluir ou
rejeitar alguém de um grupo.
No teste de atitude relativamente
ao bullying realizado por 131 alunos
dos 7º, 8º e 9º anos (Básico) da escola, os resultados foram:
- 45% considera que o bullying não passa de uma brincadeira entre amigos e que nem sempre é intencional e maldoso;
- 77% considera que tem sempre consequências negativas
- 61% pensa que os agressores procuram os pontos fracos dos “amigos” e a maioria considera que o bullying é um ato prolongado no tempo;
- Aproximadamente 70% pensa que o bullying não é praticado apenas por jovens nem recai apenas sobre jovens.
No mesmo teste realizado por 115 alunos dos 10º, 11º e 12º
anos (Secundário) os resultados foram:
- 62% não considera que o bullying seja apenas uma brincadeira entre amigos , ao contrário da opinião dos alunos do ensino básico;
- Aproximadamente 70% acha que as consequências são sempre negativos e prejudicam sempre a vítima;
- 52% pensa que nem sempre é praticados sobre pessoas indefesas;
- 72% considera que os agressores procuram aproveitar os pontos fracos dos “amigos”;
- A maioria considera que o bullying é um ato prolongado no tempo;
- 86,1% considera que não se trata de maneira nenhuma de uma prática pacífica;
- A grande maioria pensa que nem os agressores, nem as vítimas são sempre jovens.
Para dar resposta às preocupações suscitadas pela ocorrência
do bullying, os alunos vão agora
estudar o fenómeno nos diferentes níveis - escola, turma, indivíduo e família -
para delinear um plano de prevenção e contenção a apresentar em Maio.
Para isso lembrarão as vivências pessoais relatadas pelo
Fernando Cavaco, o menino que cresceu em Alcochete, filho do funcionário das
Finanças. Era um dos poucos que usava sapatos. Os outros eram, por exemplo, o
filho do GNR local e o filho do médico da Vila que, por terem sapatos, sofriam
a violência dos meninos descalços. Claro que também havia o Pedrinhas, que
usava botas, filho dum salsicheiro, um homem rico da terra, mas esse não
agredia os meninos com sapatos, fazia bullying
sim…, mas aos meninos descalços. E lembrar-se-ão que o filho do funcionário das
Finanças deixou de ser agredido quando o pai apareceu e falou com os colegas do
filho.
Fernando Cavaco quis deixar uma recomendação de pesquisa e
aproveitou para mostrar que na AUSÊNCIA de PAI pode haver bullying, fenómeno de violência impensada, mas sentida. O bullying é filho da frustração e do
vazio, quer individual quer do grupo. A gestão dos afectos está na sua origem.
Podemos começar a sua análise, percebendo que … TUDO COMEÇA em CASA, disse.
Mostrou que, para além da análise quantitativa, que é muito importante, é fundamental,
portanto, que ela se faça acompanhar de uma análise qualitativa.
Lembrarão outros casos então citados: o da menina de um
bairro degradado de Lisboa, que era acordada pelo pai quando este chegava de
mota a meio da noite, alcoolizado, e via filmes pornográficos na presença de
toda a família. Na escola, a menina projectava o seu mal-estar interior fazendo
bullying sobre as suas colegas.
Lembrarão, igualmente, o menino do mesmo bairro degradado, superprotegido pela
mãe, que era gozado e agredido pelos colegas.
Lembrarão, portanto, a necessidade de explorar a ideia do
efeito que a família a mais ou a família a menos tem na ocorrência do
bullying. E a referência a dois
livros: “O Homem Sem Qualidades” de
Robert Musil (escrito ainda antes da 2ª Guerra Mundial); e a outro muito
recente da psicanalista Annie Anzieu, “La
femme sans qualité”. E certamente que recordarão ainda a pequena história do
final dos anos 60 na Escola Naval, no Alfeite, a revolta de cadetes contra a
praxe, uma forma violenta de forçar a integração num grupo.
Por falta de tempo, não ouviram falar da menina portuguesa
que foi com os pais para a Alemanha e sofreu bullying dos colegas do 5º ano no Gymnasium porque não sabia alemão. Não ouviram que em países com
desigualdades salariais elevadas há mais bullying
entre pré-adolescentes do que em países com desigualdades salariais baixas. Que
Portugal está no quartil superior da frequência de ocorrências de bullying enquanto a Suécia, que tem a
desigualdade de rendimentos mais baixa da Europa, está no quartil inferior.
E não ouviram, porque também não perguntaram, a história dos
dois bustos de negros em madeira que estiveram durante toda a sessão em cima da
mesa. Se tivessem perguntado, o Fernando teria mostrado que constituíam uma
oferta de um menino de Luanda que trabalhou na lavandaria de um navio português
e que, a bordo, foi vítima de bullying
… por ser negro.
Epílogo
Na manhã de 12 de Dezembro de 2016, os alunos e professores
Escola Secundária de Carcavelos e os convidados da Associação 25 de Abril
fizeram um exercício de cidadania e de construção de uma sociedade mais justa e
conforme com o espírito de Abril. Muito ficou por dizer, mas falaram de
violência e agressividade, de família a mais e de família a menos, de
frustrações, de desejo, de vontade, de valores éticos e sociais, de
amor-próprio, de comunicação, de participação, de cidadania, de democracia, do
25 de Abril.
E no final decidiram estudar mais e em Maio responder à
pergunta da Sara, que mostra já que há … no ar… um DESEJO: ― Como é que se
acaba com o bullying?
Será só um desejo da Sara?
Será só um desejo da Sara?
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