Quando os jovens discutem, planeiam
e concretizam soluções para os problemas que os afectam, num exercício de
cidadania e construção de uma sociedade mais justa, acontece Abril. Aconteceu em
1974, no “dia inicial inteiro e limpo” segundo Sophia, mas também está a acontecer hoje, na Escola
Básica e Secundária de Carcavelos, quando as turmas do secundário identificaram
as cinco preocupações ou problemas que afectam os jovens portugueses; quando uma assembleia de delegados de turma votou o
desemprego e o bullying para serem estudados
e, colectivamente, serem encontradas soluções para apresentar à Escola e a outras
entidades públicas; e quando o André Santos, a Beatriz Ferreira, a Carolina Conceição, a Íris
Ramos, o Lucas Gabriel e a Mafalda Silva, eleitos para dinamizar o projecto,
dirigiram uma reunião com quase centena e meia de colegas para apresentar os
resultados do inquérito de atitude aos alunos da escola e iniciar o debate sobre
bullying .
Lembraram a primeira reunião plenária em Alcáçovas, em 9 de
Setembro de 1973, e o carácter de insubordinação da movimentação dos jovens oficiais
do Quadro Permanente do Exército, que nunca foram mais de 700 em 4 165. Lembraram
como à medida que se realizavam as reuniões, a questão corporativa perdeu
terreno perante outros objectivos, dos quais a dignificação das forças armadas
e a solução política da guerra se apresentavam como os mais significativos.
Lembraram a importância da reunião de 45 militares do Exército e alguns
observadores da Marinha na Casa da Cerca em S. Pedro do Estoril, em 24 de Novembro
de 1973, uma casa emprestada que desconheciam ter servido de esconderijo de propaganda e material explosivo da LUAR, de local de reuniões clandestinas de oficiais da Marinha com exibição
de filmes sobre a Guerra no Vietnam e O
Couraçado Potemkin e onde actuou José Afonso.
Na reunião de S. Pedro do Estoril, onde foi pela primeira
vez sugerido o derrube do regime, foi preparada a agenda da reunião de Óbidos
de 1 de Dezembro de 1973. Foi pedido às unidades que enviassem àquela reunião delegados
com respostas sobre a via a prosseguir: Hipótese A - «Conquista do poder para, com uma Junta Militar, criar no país as
condições que possibilitem uma verdadeira expressão nacional (democratização)»;
Hipótese B - «Legitimação do Governo,
através de eleições livres, devidamente fiscalizadas pelo Exército, seguindo-se
um referendo sobre o problema do Ultramar»; Hipótese C - «Utilização de reivindicações exclusivamente
militares, como forma de alcançar o prestígio das Forças Armadas, e de pressão
sobre o Governo, com vista à obtenção da hipótese B». Além da posição sobre
a via a prosseguir, os delegados deveriam também dar resposta às seguintes
questões: 1.ª - «Deve o assunto ser
circunscrito ao Exército ou alargar-se ao âmbito das Forças Armadas?»; 2ª -
«Como será constituída a próxima Comissão
Coordenadora? Quem a constituirá e que funções terá?»; 3ª - «Devem ou não escolher-se chefes militares de
prestígio, aos quais nos liguemos e que orientarão politicamente a nossa acção,
face a uma das três hipóteses? Em caso afirmativo, qual ou quais os chefes a
eleger?». Com a reunião de S. Pedro do Estoril, o Movimento entrou numa
fase marcadamente política.
Dias depois, na Casa do Povo de Óbidos, 86 delegados de
unidades em representação de 200, votaram a hipótese C, por estreita margem em
relação à A. Embora a hipótese de derrube do regime tenha sido preterida por
influência dos pára‑quedistas, que recusaram liminarmente qualquer acto de força,
a crescente consciencialização política do Movimento, que passou a ser dos
Oficiais das Forças Armadas com a decisão de alargamento à Marinha e à Força
Aérea, assim como a convicção de que a guerra só seria resolvida se o Governo
fosse derrubado, tinham tornado o processo irreversível. A estrutura
organizativa do Movimento que iria derrubar o regime também ficou definida em
Óbidos com a eleição da Comissão Coordenadora e Executiva, com três elementos
da cada Arma ou Serviço do Exército. Na escolha dos chefes prestigiados o mais votado foi o
general Costa Gomes, o segundo o general António de Spínola e o terceiro o
general Kaúlza de Arriaga.
Depois de S. Pedro do Estoril e Óbidos, o Movimento tornou-se
mais abrangente, quer em objectivos quer em participantes. É por isso que
embora o Movimento dos Capitães tenha estado na génese do MFA, não corresponde exactamente
à mesma realidade política e sociológica. Houve oficiais que pertenceram ao
primeiro e não estiveram no segundo, assim como uma parte dos oficiais que
integrou o MFA não pertenceu ao Movimento dos Capitães.
Em 5 de Dezembro, na reunião da Comissão Coordenadora na Costa
da Caparica, a estrutura organizativa do Movimento é completada com a eleição da
sua Direcção: Vítor Alves (orientação política), Otelo Saraiva de Carvalho (secretariado)
e Vasco Lourenço (organização interna e ligações).
"Se eu pudesse
ir para a escola
quando me apetece
jogar à bola
sem me chatear com quem me aborrece!"
(Mafalda)
A violência, entendida como uma acção ou comportamento que causa dano a outra pessoa ou ser vivo, que nega ao outro a autonomia, a integridade física ou psicológica e até mesmo o direito à vida, tem no ambiente escolar diversas manifestações; algumas afectam os professores, outras os funcionários, mas na sua maioria afectam os alunos de diversas faixas etárias. A violência escolar mais frequente entre colegas é conhecida como bullying e manifesta-se através de comportamentos agressivos de intimidação do outro de que resultam práticas violentas exercidas por um indivíduo ou por pequenos grupos, com carácter regular e frequente. Os comportamentos incluídos na categoria bullying são muito diversos e estão ligados a acções físicas, verbais, psicológicas e sexuais.
Na análise metodológica considera-se que existem três tipos
de bullying: o físico ou directo, o
psicológico e o indirecto. O primeiro abrange comportamentos como bater,
pontapear, empurrar, roubar, ameaçar, brincar de uma forma rude intimidatória e
usar armas. O segundo consiste em chamar nomes, irritar ou gozar, ser
sarcástico, insultuoso ou injurioso, fazer caretas e ameaçar. Por fim, o
terceiro, que é o mais dissimulado porque não é tão visível, inclui excluir ou
rejeitar alguém de um grupo.
No teste de atitude relativamente
ao bullying realizado por 131 alunos
dos 7º, 8º e 9º anos (Básico) da escola, os resultados foram:
- 45% considera que o bullying não passa de uma brincadeira entre amigos e que nem sempre é intencional e maldoso;
- 77% considera que tem sempre consequências negativas
- 61% pensa que os agressores procuram os pontos fracos dos “amigos” e a maioria considera que o bullying é um ato prolongado no tempo;
- Aproximadamente 70% pensa que o bullying não é praticado apenas por jovens nem recai apenas sobre jovens.
No mesmo teste realizado por 115 alunos dos 10º, 11º e 12º
anos (Secundário) os resultados foram:
- 62% não considera que o bullying seja apenas uma brincadeira entre amigos , ao contrário da opinião dos alunos do ensino básico;
- Aproximadamente 70% acha que as consequências são sempre negativos e prejudicam sempre a vítima;
- 52% pensa que nem sempre é praticados sobre pessoas indefesas;
- 72% considera que os agressores procuram aproveitar os pontos fracos dos “amigos”;
- A maioria considera que o bullying é um ato prolongado no tempo;
- 86,1% considera que não se trata de maneira nenhuma de uma prática pacífica;
- A grande maioria pensa que nem os agressores, nem as vítimas são sempre jovens.
Para dar resposta às preocupações suscitadas pela ocorrência
do bullying, os alunos vão agora
estudar o fenómeno nos diferentes níveis - escola, turma, indivíduo e família -
para delinear um plano de prevenção e contenção a apresentar em Maio.
Para isso lembrarão as vivências pessoais relatadas pelo
Fernando Cavaco, o menino que cresceu em Alcochete, filho do funcionário das
Finanças. Era um dos poucos que usava sapatos. Os outros eram, por exemplo, o
filho do GNR local e o filho do médico da Vila que, por terem sapatos, sofriam
a violência dos meninos descalços. Claro que também havia o Pedrinhas, que
usava botas, filho dum salsicheiro, um homem rico da terra, mas esse não
agredia os meninos com sapatos, fazia bullying
sim…, mas aos meninos descalços. E lembrar-se-ão que o filho do funcionário das
Finanças deixou de ser agredido quando o pai apareceu e falou com os colegas do
filho.
Fernando Cavaco quis deixar uma recomendação de pesquisa e
aproveitou para mostrar que na AUSÊNCIA de PAI pode haver bullying, fenómeno de violência impensada, mas sentida. O bullying é filho da frustração e do
vazio, quer individual quer do grupo. A gestão dos afectos está na sua origem.
Podemos começar a sua análise, percebendo que … TUDO COMEÇA em CASA, disse.
Mostrou que, para além da análise quantitativa, que é muito importante, é fundamental,
portanto, que ela se faça acompanhar de uma análise qualitativa.
Lembrarão outros casos então citados: o da menina de um
bairro degradado de Lisboa, que era acordada pelo pai quando este chegava de
mota a meio da noite, alcoolizado, e via filmes pornográficos na presença de
toda a família. Na escola, a menina projectava o seu mal-estar interior fazendo
bullying sobre as suas colegas.
Lembrarão, igualmente, o menino do mesmo bairro degradado, superprotegido pela
mãe, que era gozado e agredido pelos colegas.
Lembrarão, portanto, a necessidade de explorar a ideia do
efeito que a família a mais ou a família a menos tem na ocorrência do
bullying. E a referência a dois
livros: “O Homem Sem Qualidades” de
Robert Musil (escrito ainda antes da 2ª Guerra Mundial); e a outro muito
recente da psicanalista Annie Anzieu, “La
femme sans qualité”. E certamente que recordarão ainda a pequena história do
final dos anos 60 na Escola Naval, no Alfeite, a revolta de cadetes contra a
praxe, uma forma violenta de forçar a integração num grupo.
Por falta de tempo, não ouviram falar da menina portuguesa
que foi com os pais para a Alemanha e sofreu bullying dos colegas do 5º ano no Gymnasium porque não sabia alemão. Não ouviram que em países com
desigualdades salariais elevadas há mais bullying
entre pré-adolescentes do que em países com desigualdades salariais baixas. Que
Portugal está no quartil superior da frequência de ocorrências de bullying enquanto a Suécia, que tem a
desigualdade de rendimentos mais baixa da Europa, está no quartil inferior.
E não ouviram, porque também não perguntaram, a história dos
dois bustos de negros em madeira que estiveram durante toda a sessão em cima da
mesa. Se tivessem perguntado, o Fernando teria mostrado que constituíam uma
oferta de um menino de Luanda que trabalhou na lavandaria de um navio português
e que, a bordo, foi vítima de bullying
… por ser negro.
Na manhã de 12 de Dezembro de 2016, os alunos e professores
Escola Secundária de Carcavelos e os convidados da Associação 25 de Abril
fizeram um exercício de cidadania e de construção de uma sociedade mais justa e
conforme com o espírito de Abril. Muito ficou por dizer, mas falaram de
violência e agressividade, de família a mais e de família a menos, de
frustrações, de desejo, de vontade, de valores éticos e sociais, de
amor-próprio, de comunicação, de participação, de cidadania, de democracia, do
25 de Abril.
E no final decidiram estudar mais e em Maio responder à
pergunta da Sara, que mostra já que há … no ar… um DESEJO: ― Como é que se
acaba com o bullying?
Será só um desejo da Sara?
Será só um desejo da Sara?
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