sábado, 8 de agosto de 2020

"Os Putos da Minha Rua"

 


Sabendo da minha ligação a Peniche, o Vítor Manuel Birne ofereceu-me o livro do nosso camarada Raúl Patrício Leitão, “Putos da Minha Rua”, uma memória da sua infância e adolescência, dos amigos e da terra onde nasceu e cresceu. Numa escrita muito agradável, o Patrício Leitão descreve, com um detalhe impressionante, os mais variados episódios da juventude de um grupo de rapazes, na maioria penicheiros como ele, desde a instrução primária até à vida adulta.
 
Sendo eu quase sete anos mais novo que o Patrício Leitão, só o encontrei em 1974 na corveta António Eanes, ele Imediato e já com experiência de guerra como Fuzileiro em Moçambique e muitas horas de navegação na Hidrografia, eu ainda um jovem guarda-marinha no início da carreira naval. Apesar da diferença de idade, os meses da comissão nos Açores em circunstâncias muito particulares aproximaram-nos e permitiram perceber que os nossos percursos de vida na juventude tinham muitos pontos comuns.
 
Ao ler o livro “Putos da Minha Rua”, confirmei a percepção de há 45 anos e revi-me em muitos dos episódios contados pelo Patrício Leitão, embora tenha vivido a minha infância em latitudes bem diferentes. Quis a vida que, para além da Marinha, Peniche fosse o nosso elo de ligação, no caso dele porque lá nasceu e cresceu, no meu caso porque me casei com a Maria João, que só por capricho da natureza não nasceu em Peniche, mas lá cresceu e tem as raízes familiares.
 
As personagens principais do livro do Patrício Leitão são ele próprio e o amigo “Necas”, de seu nome completo Eduardo dos Anjos Costa. Três anos mais velho, o “Necas” foi o líder da “Seita do Soma e Segue”, o grupo de amigos que protagonizam as deliciosas aventuras e transgressões contadas pelo Patrício Leitão.

O “Necas” foi o primeiro neto da Guilhermina do Rosário Leitão, irmã do José do Rosário Leitão, proprietário do “Armazém de Pescarias - Amiga de Peniche”, na Avenida do Mar em Peniche. Tratava-se de um armazém de preparação e distribuição de peixe de que já falei noutra ocasião a propósito da Amiga de Peniche, um negócio que já vinha do pai Joaquim do Rosário Leitão, o primeiro dos Baterremos, a que se juntava um outro: a distribuição de água salgada aos outros armazéns da Ribeira a partir de um depósito de cimento e através de uma rede completa de encanamentos com bombas, válvulas e contadores!

Acontece que o José do Rosário Leitão, o “Zé Baterremos” lembrado no livro por ser tio-avô do “Necas” e lhe confiar conhecimentos náuticos e outros saberes, era o avô paterno da minha mulher e o meu elo de ligação com algumas das personagens das histórias contadas pelo Raúl Patrício Leitão.

1 comentário:

  1. As vivências contadas no livro, ressalvando os detalhes mais pessoais, acabam por ser as vivências de muitos da minha geração que, nascidos junto ao mar, cresceram a brincar na praia, fizeram incursões no interior rural e, pouco a pouco, se aproximaram de Lisboa, dos seus liceus e universidades e, finalmente, da Escola Naval e da Marinha. A luta diária das famílias pela sobrevivência, as escolas primárias das pequenas localidades, as regras e as cumplicidades dos bandos de putos que cresciam juntos, os jogos condicionados pelos caprichos do dono da bola, a ida à fruta nas fazendas dos outros, as paixonetas e os namoricos, a aprendizagem do corpo feminino através das cartas de jogar, as festas de aldeia e os bailaricos nas colectividades, a descoberta da vida boémia lisboeta, a entrada no mundo universitário, a vertigem das lutas académicas, a ida de amigos para a guerra, a sua perda, a imersão no mundo da Marinha, tudo isso fez parte da minha vida, não muito diferente do que o Patrício Leitão tão bem descreveu.

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