Ontem a Joana desejou-lhes, com amor, continuação de boas conversas!
Se fosse crente estaria certo que os votos da Joana se concretizariam. Hoje, no aniversário do mais velho, estariam felizes a pôr em dia ano e meio de conversas. Conversas muitas vezes metafóricas, com um vocabulário divertido que aprendi a decifrar à medida que fui crescendo. Lembro-me por exemplo de falarem da carioca. Durante muito tempo acreditei candidamente que se tratava de uma brasileira dos tempos da juventude. Só mais tarde percebi que era uma amiga colorida do meu tio, um conhecimento dos trópicos africanos que o acompanhou até ao fim. Nos últimos tempos a amizade da carioca ficou um pouco menos colorida por causa da namorada que conheceu no lar, mas não foi esquecida.
As conversas entre eles saltitavam de assunto em assunto, com pausas para saborearem as recordações e as observações de cada um. Mil vezes repetidas, pareciam a quem os observava que eram sempre novidade, tal o interesse e a boa disposição que despertavam. Mesmo quando a audição de ambos começou a falhar e tínhamos de levantar a voz para nos entenderem, eles continuavam a conversar com toda a naturalidade e discrição. Sempre bem dispostos, dessem as voltas que dessem, acabavam invariavelmente no tema preferido: o sexo oposto. Como dizia a João: - Tinha que ser, em que é que pensa o burro...?
Gostaria que hoje estivessem a pôr as conversas em dia mas de facto não tenho a certeza. Até porque nenhum deles dava muita importância a essa coisa dos aniversários, provavelmente nem se lembrariam disso.
O meu pai e o meu tio eram fisicamente parecidos mas diferentes, radicalmente diferentes, em quase tudo. Estavam nos antípodas na política, nas relações sociais e familiares, na escolha dos amigos, na visão do mundo, sei lá em que mais. Era difícil encontrar duas pessoas mais diferentes do que aqueles dois irmãos. Mas também era difícil encontrar dois irmãos mais próximos. Partilhavam a mesma vontade de viver, o mesmo gosto pela vida, uma imensa capacidade de sonhar e uma extraordinária capacidade de definirem e realizarem os seus objectivos. Homens do mundo, nunca a distância geográfica ou o tempo, e foram mais de noventa anos, beliscou o respeito, a solidariedade e a cumplicidade entre eles. Contra tudo e contra todos, acontecesse o que acontecesse, viesse quem viesse, dissessem o que dissessem, os laços fraternais entre eles eram absolutamente indestrutíveis.
Mas pensando melhor, julgo que a Joana tem razão. As boas conversas vão continuar. Eu, a Joana e a Catarina continuamos a ouvi-las.
E farei tudo, com a ajuda delas, para que os meus netos também as ouçam.
Sem comentários:
Enviar um comentário