quarta-feira, 16 de junho de 2021

O meu Comandante

Do álbum de fotografias do Comandante Duarte Costa

Digo muitas vezes que não sou um marinheiro competente por incapacidade própria porque a Marinha fez tudo para que frequentasse as melhores escolas e tivesse os melhores mestres. Uma dessas escolas foi o embarque, ainda guarda-marinha, na corveta “António Enes”, sob o comando de um grande mestre, o Comandante Francisco Felix de Lima Duarte Costa. Nos três anos da minha curta mas intensa carreira como oficial embarcado, servi sob as ordens de excelentes comandantes, mas se tivesse de escolher, não hesitaria em apontar o Comandante Duarte Costa como "O Meu Comandante".

Antes de nos reencontrarmos na “António Enes” em 1975, o Comandante Duarte Costa foi meu instrutor de armas submarinas e director de instrução numa das viagens de instrução na Escola Naval. Mais tarde, no início da década de 1980, convidou-me para fazer parte da sua direcção do Clube Militar Naval. Apesar de a engenharia me ter posto numa rota profissional diferente da do Comandante Duarte Costa, nunca deixou de ser uma das minhas referências como ser humano, como militar e como marinheiro. E o Comandante Duarte Costa deu-me sempre a honra da sua amizade, sentimento que é, naturalmente, recíproco.

Pois foi essa amizade que levou o Comandante Duarte Costa a oferecer-me a "Antologia de Crónicas da Vida no Mar", editada pela Colibri, onde João Freire e Carlos de Almada Contreiras recolheram e organizaram as crónicas e textos de 43 autores, na sua grande maioria oficiais de Marinha, sobre as suas vivências náuticas e os navios onde aprenderam a conhecer e respeitar o mar.  Lá está entre as memórias de muitos camaradas e amigos que li com um enorme prazer, a crónica do Comandante Duarte Costa com o inesperado título “Navio versus carro de bois”!

Na sua crónica, o Comandante Duarte Costa recorda o comando de um draga-minas da classe “São Roque”, de que fazia parte o “Ribeira Grande” onde o meu e outros cursos da Escola Naval aprenderam os conceitos de “deitar a carga ao mar” e “prumar à borda”, experiência de que me “vinguei” quando mais tarde fui responsável pelo seu desmantelamento após abate. E eu revi-me nos guardas-marinhas dos draga-minas a quem o Comandante Duarte Costa ensinou a fazer quartos à ponte e a afinar o “olho” e a prática de marinheiro.

É que embora eu já tivesse mais prática que os guardas-marinhas dos draga-minas, o Comandante Duarte Costa, nos quartos à ponte na “António Enes”, também me ensinou a fazer permanentemente “o ponto de situação das luzes que estavam à vista”, “a verificar sempre a variação da marcação dos navios na área, com a giro e o radar”, a não me esquecer que “mesmo que tivesse direito a rumo devia manobrar a tempo de evitar uma manobra de emergência” e “que existia sempre a possibilidade de, em qualquer momento, os navios alterarem o rumo que trazem, como sucedia, muitas vezes, com os navios e embarcações de pesca.”

Devo dizer que tudo o que aprendi e vivenciei na “António Enes” sob o comando do Comandante Duarte Costa, aconteceu num contexto interno de respeito rigoroso pelos valores e pela organização militares, o oposto da descrição que, num outro texto publicado no livro, um outro cronista faz da vida a bordo do mesmo navio, exactamente no mesmo período. É notável como passados quarenta e seis anos, duas pessoas que viveram a mesma realidade, podem ter memórias tão diferentes dessa realidade.

Ou talvez a explicação seja simples e esteja na resposta do marinheiro vigia que deixou o Comandante Duarte Costa completamente “desarmado”: “Nã, Senhor Comandante! Andar com um navio no mar nã é como andar com um carro de bois lá na minha terra!”

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