segunda-feira, 14 de junho de 2021

Coelho à maneira da Avó Joana


O Senhor José da crónica de Mayone Dias era um caçador inveterado da Terceira que criava e utilizava furões, mais do que proibidos pela lei californiana, para continuar a caçar coelhos no Vale de San Joaquin. Caçava-os para os confeccionar em vinha d'alhos e comer acompanhado de um vinho da sua lavra, um repasto bem português que choca qualquer americano genuíno. E eu tive a prova disso em Monterey, quando a João decidiu servir “coelho à maneira da Avó Joana” a um casal americano.

As nossas avós eram exímias cozinheiras e por isso, quando fomos para Monterey, a João fez uma recolha das suas melhores receitas para podermos mais tarde matar saudades daqueles sabores. Uma delas foi o coelho feito pela Avó Joana, uma versão frita e refogada depois de generosamente temperada e marinada em vinha d’alhos. E apesar de eu ter avisado que o coelho não fazia parte dos hábitos alimentares dos americanos, a João decidiu fazer o saboroso “coelho à maneira da Avó Joana” para o primeiro jantar dos nossos sponsors em nossa casa.

O programa dos international sponsors da Naval Postgraduate School consistia, e julgo que ainda se mantém, na designação de militares americanos voluntários a frequentar a NPS, para apoiar os estudantes estrangeiros e respectivas famílias durante os primeiros meses de adaptação à escola e ao país. Para além da experiência pessoal, ser sponsor tinha contrapartidas para a carreira do militar americano, em especial se estivesse interessado em ocupar cargos de representação em países estrangeiros. Envolvia não só o militar, mas também o cônjuge. No nosso caso foi designado um jovem oficial da Marinha Americana que, com a sua mulher, eram o estereótipo do casal americano que víamos nos filmes: imaculadamente louros, sem o mínimo traço de ascendência latina, e muito simpáticos.

Lembro-me de nos convidarem para o tradicional Thanksgiving dinner e, em retribuição, convidámo-los para o tal jantar de “coelho à maneira da Avó Joana”. A João decidiu, estava decidido, e com a cumplicidade de outras portuguesas, arranjou os ingredientes e o coelho que partiu em pedaços, temperou e deixou em vinha d’alhos de um dia para o outro. No dia do repasto, fritou-o, refugou-o e preparou o acompanhamento, religiosamente de acordo com a receita da Avó Joana. Quando veio para a mesa, não podia cheirar melhor e faria salivar qualquer português que visse a travessa.

O problema é que estávamos na América com convidados americanos. O nosso simpático casal olhou para o bicho com cara de quem acabava de perceber que estava entre gente estranha que comia rabbits, uns pets tão simpáticos que nunca imaginaram comer. Contudo, aguentaram estoicamente (o dever assim o exigia) e cumpriram as suas funções: comeram o coelho que a João lhes serviu, sempre a sorrir, e no final agradeceram de acordo com as regras de cortesia.

Mas o sacrifício dos nossos sponsors não foi em vão. Quando mais tarde me perguntaram a opinião sobre o seu desempenho, respondi para espanto do meu interlocutor: − Perfeito. Extremamente simpáticos e prestáveis e preparados para qualquer cargo no estrangeiro. Veja lá que até comeram coelho na minha casa…

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