quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Fronteiras



Confesso que sempre convivi mal com os serviços que guardam as fronteiras, sejam de alfândega, de emigração ou outra coisa qualquer. Em Portugal e no estrangeiro. Não sabia a razão, talvez fosse porque não gostava de fronteiras. Uma das coisas boas que a União Europeia e o tratado de Schengen nos trouxeram foi a possibilidade de viajar na Europa como se não houvesse fronteiras.

Sentia-me sempre desconfortável nas longas filas e interrogatórios para ultrapassar os balcões dos passaportes e nas passagens pelos controlos alfandegários. Sem nenhum motivo para isso, era um mal-estar que não conseguia evitar. Mas das muitas passagens de fronteiras, esqueci todos os episódios excepto um, e já passaram mais de quarenta anos.
 
Quando regressámos de Monterey, a Marinha pagou o transporte de três metros cúbicos de bagagem. Como não tínhamos dinheiro para extravagâncias, concentrámos tudo o que era importante num caixote com aquele volume. Nem mais um centímetro cúbico de bagagem.

Logo que o caixote chegou a Lisboa, o despachante convocou-me para o cais da Rocha de Conde de Óbidos para estar presente na passagem pela Alfândega. Esperámos junto ao caixote e à hora marcada, apareceu a comitiva chefiada por um guarda-fiscal, com ar de poucos amigos. Depois das formalidades burocráticas, mandou abrir o caixote de madeira e as caixas de cartão do interior.

Abri a primeira caixa de cartão e caíram várias peças de jogos. Mandou passar à segunda e saíram bonecos, livros infantis e brinquedos, muitos brinquedos usados, de todos os tamanhos, cores e feitios. É que para nós o importante eram os brinquedos da Joana e da Catarina. A mudança para uma terra que não conheciam, ou já não se lembravam, sem os brinquedos e os objectos familiares seria uma violência, não podia ser.

O guarda-fiscal, enfastiado, exclamou: ─ Não vale a pena, só sai quinquilharia! Voltou-nos as costas e foi-se embora, sem se despedir. A partir desse dia passei a ter uma boa razão para embirrar com os funcionários das alfândegas.

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