As longas férias de Verão na casa dos meus avós em Palhais, uma aldeia do concelho do Cadaval, marcaram para sempre a minha adolescência. Das muitas e boas memórias, a do tempo das vindimas tem um significado especial.
De repente, quando o amadurecimento das uvas o determinava, a pacatez da aldeia era alterada pela invasão de grupos de trabalhadores, os “malteses”, que vinham procurar o trabalho e o rendimento que faltava nas suas terras. Animavam as estradas, as vinhas, as adegas até que a vindima estivesse concluída. No fim do dia juntavam-se no largo, nas tabernas e encantavam os miúdos com as suas histórias e os seus cantos. Até que um dia abalavam tão súbita e discretamente como tinham chegado.
Lembro-me bem da apanha dos cachos na vinha grande, do pisar das uvas no lagar da adega do meu avô, do cheiro do mosto e da festa quando terminava a trasfega para as pipas e os depósitos. Lembro-me bem de como era diferente a vida durante aquelas semanas. E lembro-me bem do Baile das Vindimas no Cadaval, uma espécie de cerimónia de encerramento de um período de grande agitação.
O Baile das Vindimas era diferente de todas as outras festas nas aldeias e vilas à volta. Vestíamo-nos a preceito, raparigas e rapazes, e íamos para o baile na garagem e oficina de automóveis ACICAL na entrada do Cadaval, transformada em salão de festas. O baile era animado por conjuntos musicais conhecidos, muitas vezes vindos de Lisboa como foi o caso da orquestra de Shegundo Galarza, e pelas suas características acabava por ser um momento iniciático para os jovens, vivessem eles na região ou, como era o meu caso, viessem de fora.
O momento alto era a eleição da Rainha das Vindimas e houve um ano em que quase conseguimos eleger uma das meninas de Palhais. E parece que num dia de 1973, de que não me lembro por já estar noutra onda, foi eleita Miss Rainha do Oeste uma miúda de nome Manuela Moura Guedes que ali foi apresentada à sociedade. As voltas que o mundo dá!
Contudo, lembro-me bem do Baile das Vindimas de 1968, abrilhantado pelo conjunto “Os Távoras” do Bombarral, formado por Mário Almendro, Luís Mil-Homens, Fernando Vieira, Feliz Pereira, Zé Teixeira, Carlos Cardoso e Manuel Patuleia, porque foi para mim mais do que o fecho de um ciclo anual. Foi o fecho de uma fase da vida em que as questões sociais e políticas passavam muitas vezes despercebidas. Com a entrada no Técnico, o contacto com o movimento estudantil e a vivência da crise académica de 1968/69, passei a olhar a realidade nacional de forma diferente.
Por isso, a memória da garagem ACICAL na entrada do Cadaval, em Outubro de 1969, já não é do Baile das Vindimas. Estávamos em plena campanha eleitoral para as primeiras eleições legislativas depois da saída de cena de Salazar e a memória que tenho é de uma sessão de propaganda eleitoral da CEUD naquele espaço. A CEUD fez um bom trabalho no Cadaval onde, de acordo com os resultados oficiais, obteve 170 votos, enquanto a CDE obteve 78 e a CEM (monárquicos) 25. Claro que a UN obteve 3365 votos!
Apesar de tudo, não deixa de ser uma memória de outro momento iniciático.
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