quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Irmãos



Ontem a Joana desejou-lhes, com amor, a continuação de boas conversas!
 
Se fosse crente estaria certo de que os votos da Joana se concretizariam. Hoje, no aniversário do mais velho, estariam felizes a pôr em dia ano e meio de conversas. Conversas muitas vezes metafóricas, com um vocabulário divertido que aprendi a decifrar à medida que fui crescendo. Lembro-me por exemplo de falarem da carioca. Durante muito tempo acreditei candidamente que se tratava de uma brasileira dos tempos da juventude. Só mais tarde percebi que era uma amiga colorida do meu tio, um conhecimento dos trópicos africanos que o acompanhou até ao fim. Nos últimos tempos a amizade da carioca ficou um pouco menos colorida por causa da namorada que conheceu no lar, mas não foi esquecida.

As conversas entre eles saltitavam de assunto em assunto, com pausas para saborearem as recordações e as observações de cada um. Mil vezes repetidas, pareciam a quem os observava que eram sempre novidade, tal o interesse e a boa disposição que despertavam. Mesmo quando a audição de ambos começou a falhar e tínhamos de levantar a voz para nos entenderem, eles continuavam a conversar com toda a naturalidade e discrição. Sempre bem-dispostos, dessem as voltas que dessem, acabavam invariavelmente no tema preferido: o sexo oposto. Como dizia a João: - Tinha que ser, em que é que pensa o burro...?

Gostaria que hoje estivessem a pôr as conversas em dia, mas de facto não tenho a certeza. Até porque nenhum deles dava muita importância a essa coisa dos aniversários, provavelmente nem se lembrariam disso.

O meu pai e o meu tio eram fisicamente parecidos, mas diferentes, radicalmente diferentes, em quase tudo. Estavam nos antípodas na política, nas relações sociais e familiares, na escolha dos amigos, na visão do mundo, sei lá em que mais. Era difícil encontrar duas pessoas tão diferentes como aqueles dois irmãos. Mas também era difícil encontrar dois irmãos mais próximos. 

Partilhavam a mesma vontade de viver, o mesmo gosto pela vida, uma imensa capacidade de sonhar e uma extraordinária capacidade de definirem e realizarem os seus objectivos. Homens do mundo, nunca a distância geográfica ou o tempo, e foram mais de noventa anos, beliscou o respeito, a solidariedade e a cumplicidade entre eles. Contra tudo e contra todos, acontecesse o que acontecesse, viesse quem viesse, dissessem o que dissessem, os laços fraternais entre eles eram absolutamente indestrutíveis.

Mas pensando melhor, julgo que a Joana tem razão. As boas conversas vão continuar. Eu, a Joana e a Catarina continuamos a ouvi-las.
E farei tudo, com a ajuda delas, para que os meus netos também as ouçam.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A família Bettencourt


Revejo a fotografia de 1955 da minha família, nas escadas da casa da Pinheiro Chagas, em Lourenço Marques, na actual avenida Eduardo Mondlane em Maputo, Moçambique. No cimo está a avó Isabel, a matriarca, e um pouco abaixo, o avô Bettencourt.


Três ou quatro anos antes da primeira Grande Guerra, dois jovens madeirenses recém-casados, a Maria Isabel do Arco de São Jorge e o António Jorge de Gaula, cumpriram a sina de muitos portugueses. Deixaram a sua ilha natal e emigraram para Moçambique, na busca de uma vida melhor. Quarenta anos depois devem ter querido registar a face visível do seu sucesso: uma prole feliz na casa nova, construída com anos de trabalho e sacrifícios.


Um fotógrafo desconhecido, presumo que amigo da família, fixou o instante que provavelmente não mais se repetiu: a reunião de três gerações Bettencourt, com vários Jorge. Nesta foto estão dois: eu e o meu primo Aníbal Jorge, com as nossas irmãs Emília e Isabel. Atrás, de costas, estão a avó Isabel e a tia Maria do Carmo.
 
A primeira geração deixou-nos há muito. Hoje partiu o meu tio Toni, o sobrevivente, e que sobrevivente, da geração dos filhos, uma menina e quatro rapazes. Dos nove netos, quinze bisnetos e dezassete tetranetos, alguns também já nos deixaram.
 
Dei por mim a pensar que sou o mais velho da geração dos netos, a dos miúdos da foto. É a lei da vida e por isso hoje teve mais significado estar com o meu neto, o Bettencourt mais novo, também Jorge.