sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Mafalda


Foto Rui Oliveira

Compreendo a surpresa da senhora de Alvão. Abrir a porta num dia de tempestade, de chuva grossa e vento forte, e deparar com jovens escuteiros a oferecer os seus serviços em troca de alimentos para o jantar, é de facto inesperado. Por isso também compreendo a pergunta: – Alguém vos está a obrigar?

Mas o teu sorriso, a tua calma e as tuas explicações devem ter dissipado as dúvidas e, arrisco-me a dizer, terás feito uma amiga. A conversa que me contaste e a emoção da despedida foram a prova disso.
 
Disseste-me que o abraço e os beijos da senhora quando se despediu de ti resultaram da preocupação convosco, mas estou convencido que a explicação será outra. 

Acredito que tocaste a senhora de Alvão com a tua serenidade, com a tua simplicidade, com a tua maturidade. Porque essas, minha neta, são as tuas grandes qualidades, a tua força, cada vez mais marcantes. 

E que muito nos orgulham.

domingo, 1 de dezembro de 2019

A Fábrica de Santa Catarina



... ou divagações a propósito de umas conservas de atum.

Há uns dois anos a Joana trouxe-me dos Açores duas latas de filetes de atum com temperos da marca Santa Catarina. Não conhecia mas gostei da embalagem e do conteúdo. Interessei-me pela origem, a ilha de São Jorge, que conheci como João de Melo descreveu: “a ilha mais profundamente ilha dos Açores”. 

Gostei de saber que o atum era pescado por “Salto e Vara”, uma arte de pesca tradicional pouco predadora, que preserva a vida e o habitat dos golfinhos e permite aos pescadores capturarem apenas o peixe necessário sem pôr em risco outras espécies ou peixes mais pequenos. Por isso procurei perceber a história da fábrica que produzia tal produto de qualidade, num concelho e numa ilha com uma população de 3 773 e 9 171 habitantes, respectivamente (censo de 2011).

Recursos humanos 

Aprendi que a Fábrica de Santa Catarina, na Calheta, existe desde 1940. Que em 1995 foi desactivada pela Sociedade Corretora de São Miguel e reactivada com o apoio do município da Calheta. 

Que faliu em 2009 e o governo regional comprou-a por 1 euro e transformou-a numa empresa de capitais públicos por intervenção da Lotaçor - Serviço de Lotas dos Açores, para evitar o encerramento. Que é o principal empregador de São Jorge, na sua maioria mulheres que dificilmente encontrariam trabalho remunerado noutra área. Que o financiamento do governo regional de cerca de 13 milhões de euros para que se mantivesse em laboração desde então foi considerado contrário às regras europeias e denunciado pelos concorrentes. 

Que por ter 100% de capital público não é elegível para apoios do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas. 

Que segundo o relatório de contas de 2018 a dívida aos fornecedores é de 3,3 milhões de euros. Que o governo regional tenciona privatizar 80% do capital da Santa Catarina e que a sua recuperação requer um investimento da ordem dos 6 milhões de euros. 

Que há dias a Associação de Armadores da Pesca Artesanal do Pico se queixava que cinco dos seus associados não conseguiam receber valores que variam entre 20 e 50 mil euros correspondentes ao atum vendido durante a última safra à fábrica de Santa Catarina.

Trabalhadoras da fábrica de Santa Catarina

Sempre que encontro conservas Santa Catarina no supermercado, compro.
 
Porque gosto do produto. Porque vivi uma situação análoga à da Santa Catarina numa área de actividade do sector empresarial do Estado bem mais atraente e moderna que a conserveira. E acima de tudo, por solidariedade com as trabalhadoras da fábrica de Santa Catarina na Calheta e os pescadores de “Salto e Vara” do Pico.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

"Anda comigo ver os aviões"

 


As páginas da Internet são como as conversas: umas arrastam as outras. Estava eu na do US Holocaust Memorial Museum à procura do testemunho emocionado de Sebastian Mendes, o décimo dos catorze filhos de Aristides Sousa Mendes, nascido e mais tarde exilado na Califórnia, quando encontrei um filme de 1943 sobre o porto de Lisboa e o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo. Distraí-me com o convívio dos hidroaviões com as embarcações tradicionais do Tejo e não resisti a partilhar as imagens no Facebook.
 
Depois os comentários dos amigos fizeram-me reflectir sobre a decisão do governo de Salazar e de Duarte Pacheco de desactivar o Campo Internacional de Aterragem de Alverca em 1940 e construir dois novos aeroportos mais perto do centro de Lisboa: o terrestre na Portela e o marítimo em Cabo Ruivo.


Como muitas outras obras, foram apresentadas pela propaganda do regime como sinais de progresso. Lisboa, a capital mais ocidental da Europa, passaria a ser o melhor terminal europeu das ligações transatlânticas e uma grande plataforma aérea para voos internacionais. Para uma ligação rápida por automóvel entre os dois aeroportos, construiu-se uma via rodoviária de 3 km denominada Avenida Entre-os-Aeroportos. Os hidroaviões vindos da América, faziam escala na Horta, amaravam no Rio Tejo e desembarcavam os passageiros em Cabo Ruivo. Daí, eram transportados por automóvel até à Portela, onde eram distribuídos pelos aviões que levavam aos diferentes destinos na Europa. Os passageiros que iam da Europa para a América faziam o percurso inverso. Tudo alinhado com a estratégia da companhia de aviação americana Pan American Airways, mais conhecida como Pan Am.


Quando em 1955 ou 56 o meu avô me levou a ver os aviões na Portela e os hidroaviões em Cabo Ruivo, o meu deslumbramento de criança que só conhecia o campo de aviação de Inhambane e as suas avionetas deve ter sido semelhante ao de muitos portugueses que não viviam na capital. Mas a realidade nada tinha de deslumbrante. A Pan Am interrompera os voos transatlânticos de hidroaviões em 1945, Cabo Ruivo era uma amostra decrépita do que fora idealizado e Lisboa nunca foi uma grande plataforma aérea para voos internacionais.

O aeroporto da Portela, encaixado na cidade que o mesmo governo que o concebeu fez expandir na sua direcção, como se de um “Portugal dos Pequenitos” se tratasse, nunca teve condições para ser um verdadeiro terminal europeu de ligações aéreas. A solução brilhante propagandeada pelo regime da ditadura há oito décadas, rapidamente se transformou num problema que 45 anos de regime democrático e centenas de estudos realizados por especialistas, certamente muito bem pagos, não foram capazes de resolver.

Os saudosistas do regime de Salazar costumam dizer que a localização do aeroporto da Portela pode não ser boa mas é o único que Lisboa tem e o regime democrático não foi capaz de construir outro melhor. E de facto têm razão…

Resta-me apaziguar a frustração por continuar a viver no “Portugal dos Pequenitos” com a recordação do deslumbramento de criança e os acordes da canção d’Os Azeitonas: "Anda comigo ver os aviões levantar voo / A rasgar as nuvens / Rasgar o céu".

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Puzzle

 

A CORRUPÇÃO NÃO ENCAIXA NO PUZZLE DOS VALORES HUMANOS
 Jardim-Escola João de Deus – Olivais - 1º Ciclo, Prof. responsável: André Carvalho
Menção Honrosa do Concurso Nacional “IMAGENS CONTRA A CORRUPÇÃO”, Edição 2018-2019


Numa conversa sobre o Estado Novo com alunos do 2º ciclo, referi que o progresso económico e social propagandeado pelo regime não correspondia à realidade de um país pobre, atrasado, que obrigou milhões de portugueses a emigrar para tentarem melhorar as suas condições de vida. Referi também que eu e outros oficiais de Marinha, nas deslocações de serviço e formação ao estrangeiro, ganhávamos consciência de realidades económicas e democráticas bem diferentes da que se vivia em Portugal.

Posteriormente, uma aluna respondeu num teste que o Estado Novo não resolveu os problemas do país… "porque as pessoas da Marinha viajavam para outros países e viam que Portugal não era moderno e que havia liberdade noutros países, e isso influenciou as pessoas a emigrarem."

Sem dúvida, a aluna esteve muito atenta às minhas palavras! Agora só falta um pequeno ajuste das peças do puzzle…


terça-feira, 3 de setembro de 2019

De que lado estás?



Apesar da censura, a minha geração foi muito influenciada pela mensagem de intervenção e de protesto veiculada pela música tradicional norte-americana (folk music) da década de 1960, em particular da segunda metade. Numa época em que o francês era a língua estrangeira mais ensinada no liceu, a música em língua inglesa não merecia a atenção dos censores do regime e os jovens portugueses ouviam sem problema as canções que nos EUA eram bandeiras dos movimentos de defesa dos direitos civis e de protesto contra a guerra. Cantores politicamente comprometidos como Peter, Paul & Mary, os Byrds, Johnny Rivers, Judy Collins, Joan Baez e claro Bob Dylan, passavam na rádio, nos poucos programas que então divulgavam música anglo-saxónica.

Estes novos grupos e intérpretes que revolucionaram a folk music norte-americana eram inspirados e acompanhados por cantores veteranos como Pete Seeger, um activista censurado pelo macartismo na década de 1950. Canções repudiadas como "commie crap" nos anos 40 voltaram a ocupar as posições cimeiras das tabelas musicais. Entre elas estava a que talvez seja o hino mais duradouro do movimento operário norte-americano e o padrão das canções de protesto em língua inglesa durante décadas: “Which Side Are You On?”

A letra de “Which Side Are You On?” foi escrita em Fevereiro de 1931 por Florence Reece, mulher do organizador de uma greve de mineiros contra a redução unilateral de 10% do salário pela associação patronal, depois de a sua casa ser assaltada e ocupada pelo sheriff ao serviço dos patrões. Florence e os seus sete filhos foram sequestrados pelo sheriff e os seus homens enquanto esperavam pelo marido para o abaterem. Felizmente Sam Reece não voltou a casa naquela noite e na manhã seguinte Florence, revoltada, escreveu a letra para “Which Side Are You On?”, usando a melodia de uma balada tradicional que conta a história de uma jovem mulher que se veste de homem, alista num navio e participa em combates, em busca do namorado que tinha partido para a guerra.

Ao longo dos anos, “Which Side Are You On?” foi recriada e adaptada por inúmeros artistas sempre que esteve em causa a luta contra a desigualdade. Mas foram as versões de Peter Seger que a imortalizaram e que me inspiraram no final da década de 1960. Continuo a gostar dessas versões, mas hoje, talvez efeito da passagem dos anos, delicio-me também com a suavidade da interpretação de Natalie Merchant.

Mas qualquer que seja a versão que ouça, continuo a sentir o título da canção. Tal como quando foi criada há quase 90 anos, ou quando a conheci há 50 anos, se as coisas correm mal é necessário escolher um lado. Por isso hoje, quando a democracia enfrenta novos desafios, a liberdade é posta em causa e se acentuam as desigualdades resultantes de políticas erradas, volta a ser necessário escolher um lado, escolher entre o lado do ódio e da exclusão e o lado da justiça, da inclusão e da democracia. 

E tu, de que lado estás? Consciente e serenamente, com a serenidade que a voz de Natalie Merchant transmite, é tempo de cada um de nós voltar a escolher um lado.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Muito prazer, José Afonso

Capa do Binómio n.º 35 de 2 de Novembro de 1968

Outubro de 1968, vivia os meus primeiros dias no Instituto Superior Técnico.

Dias de aprendizagem num mundo totalmente novo, com uma disciplina menos rígida que o liceu e com novas personagens. Umas déspotas e distantes, como os professores catedráticos. Nas suas cátedras vitalícias, eram senhores absolutos. Tinham o poder soberano de modificar a matéria das aulas, os critérios de passagem, as classificações. Alguns até determinavam o modo de vestir dos alunos ou a forma de tirar apontamentos nas aulas, o modelo de dossier e papel, a cor da tinta, os sublinhados e as cores, o arranjo gráfico. No fim do ano, o caderno de apontamentos era mostrado ao professor e classificado!
 
Mas paredes meias com estes santuários do conservadorismo e do autoritarismo, o novo aluno (caloiro, em 68, era politicamente incorrecto) mergulhava num outro mundo, também novo, mas muito mais deslumbrante: a Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico ou AEIST.
 
A AEIST era o meu porto de abrigo, o local onde comprava as sebentas, estudava, comia, convivia, jogava xadrez e fazia desporto. E acima de tudo era o local onde frequentava um curso intensíssimo de iniciação à política, tomava um banho de imersão em ideologia no estado puro. Parecia que de repente o mundo se virava de pernas para o ar. E uma das peças dessa experiência era o Binómio, o boletim da AEIST. Uma publicação policopiada, com um arranjo gráfico rudimentar, mas que trazia o que nenhum outro jornal trazia: informação proibida fora das paredes da Associação.

Página 4 do n.º 35 de 2 de Novembro de 1968

Mas aqueles dias foram também de iniciação à poesia e à canção de protesto. Pela primeira vez vi José Afonso, que alguns ainda tratavam por “Dr. José Afonso, introdutor da música de carácter eminentemente social” e cujos espectáculos em salas de Lisboa eram muitas vezes cancelados por “motivos imprevistos”. Muito longe de poder imaginar que alguns anos mais tarde estaria na Marinha e o meu camarada Carlos Contreiras iria escolher uma canção de José Afonso para senha da Operação Viragem Histórica em 25 de Abril de 1974.

José Afonso era instrutor de judo na AEIST, um emprego solidário inventado pela AEIST porque estava impedido de ensinar, quer no ensino público quer no privado. Lembro-me bem das sessões de poesia e música em que participou e de, em algumas delas, ser contestado por elementos mais radicais da assistência!

Página 14 do n.º 35 de 2 de Novembro de 1968


A primeira foi o “Festival de Poesia e Canção Protesto I”, na acanhada cantina da AEIST. “Na parte de poesia e canção colaboraram estudantes que espontaneamente se ofereceram, além de José Afonso. A poesia foi de Manuel Alegre, Borges Coelho, José Régio e dos próprios alunos que as leram. As canções foram de Luís Cília, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Joan Baez.”

E como o Binómio achou conveniente anotar no n.º 35 de 2 de Novembro de 1968, "houve grandes deficiências de organização. Não houve microfone nem luz no palco, além disso a cantina é um local que já não oferece espaço para tanta gente (assistiram cerca de mil pessoas).”

quinta-feira, 18 de julho de 2019

O nosso Navio




Para os que servem e serviram na Marinha, a "Sagres" será sempre o nosso navio. Todos navegámos em muitos outros a que chamámos “o meu navio”, mas a barca é um caso à parte. É certo que para as gerações mais antigas, as viagens de instrução eram feitas numa outra “Sagres”, hoje atracada num cais de Hamburgo com o nome e a pintura originais, mas desde 1962 é o navio que nasceu "Albert Leo Schlageter" e foi "Guanabara" que todos consideramos nosso.

Cada um de nós sente a “Sagres” de acordo com as suas próprias vivências a bordo ou em terra. No meu caso, para além da viagem de instrução a Cabo Verde e ao Brasil em 1971, estive envolvido nas décadas de 80 e 90 na modernização e depois na manutenção da nossa "Sagres".

O programa de modernização liderado pelo camarada e amigo Martins Guerreiro foi um grande desafio porque se tratava de trazer a “Sagres” dos anos 30 para a modernidade em termos tecnológicos, de habitabilidade e de segurança, com um orçamento financeiro exíguo. Ao longo de quase uma década, cada um de nós, na sua esfera de competência e responsabilidade, deu o seu melhor para que a modernização fosse um sucesso. Tratando-se de uma intervenção muito profunda e complexa, tinha de ser preparada e executada sem perturbar as viagens de instrução anuais. Apesar de se ter mexido em elementos estruturais do navio, de se ter substituído muita chapa, de se ter alterado radicalmente a compartimentação estanque, de se ter substituído toda a instalação eléctrica, todos os equipamentos electromecânicos auxiliares e o motor de propulsão, de se ter instalado um sistema de tratamento de esgoto e de produção de água doce, etc, só não se realizaram as habituais viagens de instrução em 1987 e 1991. Foi um esforço prolongado, intenso, de centenas de técnicos da Marinha e do Arsenal do Alfeite, militares e civis, que concretizaram com êxito o que parecia uma missão impossível. É verdade que tinham uma referência, a modernização do "Eagle" da Guarda Costeira americana, mas muito do que fizeram foi novidade.

E houve quem não sendo da Marinha, também tenha dado o seu precioso contributo. Foi o caso do saudoso Wilfried Kurt Paul John, então gerente da empresa Induma Máquinas Industriais que representava e representa a MTU, na altura o mais importante fabricante alemão de motores para fins militares. Por volta de 1988, estando eu também envolvido na discussão da especificação de construção das fragatas da classe "Vasco da Gama" e depois de uma reunião em Hamburgo com a MTU para discutir os interfaces com os motores propulsores e geradores das novas fragatas, fui convidado pelo Sr. John para jantar comida típica alemã, julgo que salsichas de Nuremberga, num restaurante do Mundsburg Center, sem imaginar que iria viver num apartamento a dois passos dali durante três anos. Mas o que importa é que durante o jantar, o Sr. John disse-me que a MTU gostaria de fazer uma oferta à Marinha ao abrigo da lei de mecenato, uma novidade que estava a ser introduzida no quadro legal português. Farto dos problemas com o velho motor MAN da “Sagres”, sugeri que oferecessem um novo motor propulsor para o substituir. A ideia foi bem recebida pela MTU e depois de obter luz verde do saudoso Almirante Moreira Rato, o assunto passou a ser tratado pelo Gabinete de Estudos da Direcção Geral do Material Naval, organismo responsável pelo projecto de modernização da “Sagres”. Foi assim que em 1991 a “Sagres” recebeu um novo motor propulsor, então ainda da marca Mercedes, muito mais compacto e mais potente que o antigo.

Vem esta longa conversa a propósito do que se está a passar com a modernização do "Gorch Fock", o navio-escola da mesma classe da Marinha alemã, construído pelo mesmo estaleiro e de acordo com os mesmos planos mas vinte anos depois da nossa “Sagres”. Em Janeiro de 2016, o "Gorch Fock" entrou num estaleiro próximo de Bremen, o Elsflether Werft, para uma intervenção de modernização de meses com um orçamento que rondava os dez milhões de euros. O custo da intervenção foi sucessivamente crescendo, 35 milhões em Outubro de 2016, 75 milhões em Janeiro de 2017, 100 milhões em Janeiro de 2018, 135 milhões em Março de 2018; em Agosto de 2017, cinquenta e cinco cadetes alemães embarcaram no navio-escola romeno “Mircea” para fazerem a sua viagem de instrução; em Janeiro de 2019 o Tribunal de Contas responsabilizou o ministério da Defesa pela derrapagem dos custos e o ministério público começou a investigar suspeitas de corrupção e fraude de responsáveis do estaleiro; na comunicação social pôs-se em dúvida o futuro do navio e saíram notícias de que a Marinha alemã estaria a procurar um substituto para o "Gorch Fock"; as comemorações dos 60 anos do navio foram canceladas; a ministra da Defesa Ursula von der Leyen veio a público em Março de 2019 anunciar um controlo rigoroso das contas e dizer que se o custo dos trabalhos ultrapassasse os 135 milhões de euros o "Gorch Fock" seria transformado em museu; o navio foi entretanto judicialmente penhorado por empreiteiros que se queixam de atrasos nos pagamentos pelo ministério da Defesa. Quase quatro anos depois do início dos trabalhos, ninguém tem certezas quanto ao futuro do navio e a forma como terminará a saga da sua modernização.

É verdade que alguns anos depois assisti a uma saga parecida na construção dos dois primeiros NPO. Mas imagino o que diriam de quem liderou e executou a modernização da “Sagres” se tivesse acontecido algo semelhante ao que se está a passar com a modernização do "Gorch Fock" na imaculada e doutoral Alemanha.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Inquietações cívicas




O V-Dem Institute da Universidade de Gothenburg divulgou o V-Dem Democracy Report 2019, com resultados relativos a 2018. Há 45 anos o 25 de Abril iniciou a vaga mundial de democratização que atingiu o pico em 2008. Hoje, apesar de todas as vicissitudes, Portugal continua no topo de todos os indicadores com excepção do índice de participação democrática, eleitoral e não eleitoral. E isso é inquietante, é talvez uma das minhas poucas inquinações cívicas.

Confesso que o envelhecimento reduziu a minha crença na possibilidade de mudança imediata do sistema económico mundial assim como me tornou incapaz de abraçar novas e excitantes causas como a emergência climática. Bom, não estudei o assunto mas presumo que a emergência climática seja uma causa excitante dado o entusiasmo e carinho dos poderes públicos, desde o PR ao ministro da Educação, pelas greves climáticas; e acredito que só uma causa excitante poderia suscitar a atenção de todo o espectro político e até levar o BE a propor um superministério para coordenar a energia, os transportes, a agricultura, a floresta e o mar. Não me lembro de outra causa política que tenha conquistado tantos e tão variados adeptos à escala mundial, em tão pouco tempo!

Hoje as minhas inquietações cívicas restringem-se cada vez mais à defesa da democracia e da liberdade e a tentar contribuir para a educação para a cidadania de crianças e jovens. Claro que não tenho a ambição de contribuir para todos os domínios da estratégia oficial da educação para a cidadania mas tenho procurado, com o meu amigo Carlos Saraiva da Costa, um professor experiente com quem partilho há três anos os ideais e os trabalhos do projecto Abril Hoje da Associação 25 de Abril, ajudar as escolas interessadas a consolidarem o que julgamos serem os pilares essenciais da educação para a cidadania: a denúncia e combate da violência, a prevenção da corrupção e a aprendizagem e valorização da participação democrática.

A violência porque nas suas diversas formas, seja doméstica ou social, de abuso sexual, de bullying ou no namoro, empobrece o ser humano e destrói a capacidade de respeitar os outros e a si próprio. A corrupção, não porque hoje exista mais do que antes - quem não se lembra dos sacos azuis em todos os serviços, dos padrinhos que asseguravam emprego, benesses e promoções no Estado e nas empresas, dos militares, professores e outros funcionários públicos em part-time na CP e nas empresas privadas, dos favores dos poderosos do regime, etc. - mas porque é eticamente inadmissível, causa danos à economia, corrói a sociedade e destrói a democracia. Finalmente a participação democrática porque é através dela que a geração dos meus netos poderá realizar, em democracia e liberdade, o que os pais e os avós não foram capazes: eliminar o centralismo burocrático, arrogante e incompetente, escolher representantes confiáveis e promover uma justiça eficaz.

Sobre a violência já aqui falei do que fizemos sobre o bullying e a violência no namoro. Quanto à corrupção, também já louvei e divulguei os projectos educativos do Conselho de Prevenção da Corrupção, embora gostasse que o ministério da Educação se envolvesse mais - é sintomático que a prevenção da corrupção não conste da estratégia oficial da educação para a cidadania. Sobre a participação democrática, o Abril Hoje preparou fichas de trabalho e fez apresentações nas escolas e, há cerca de um ano e a convite do grupo de trabalho criado pela Direção Geral de Educação, a Associação 25 de Abril apresentou uma proposta de referencial para o domínio “Instituições e Participação Democrática” para ser utilizado desde o 1º ciclo do ensino básico até ao secundário.

A partir das recomendações do Conselho da Europa, definimos os objectivos para os diferentes níveis de escolaridade tendo como objectivo preparar os futuros cidadãos para viver em sociedade, resolver conflitos, assumir responsabilidades, compreender e aceitar as regras do Estado de Direito e os mecanismos de representação democrática e participar na governação do seu país.

Validámos a proposta da A25A junto de professores experientes e estávamos convencidos que seria uma forma adequada de fornecer aos alunos ferramentas para o exercício responsável da cidadania e para a participação informada na resolução dos problemas do seu país. No entanto, cedo nos apercebemos que a abordagem da DGE era diferente e que se aproximava mais da velha OPAN ensinada no Estado Novo, devidamente revista e ampliada para contemplar a nova constituição e a UE.

Veremos o documento final mas se a abordagem da DGE prevalecer estou convencido que perderemos mais uma oportunidade de preparar as crianças e os jovens para viverem num país com uma democracia fortalecida pela participação empenhada e informada dos cidadãos.

Nota: Os gráficos representam a evolução de Portugal no último meio século e foram construídos com os dados do V-Dem Institute. Portugal compara bem com democracias consolidadas como, por exemplo, as da Suíça e da Dinamarca, excepto no que se refere à participação democrática.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Uma lição de vida

A ensinar a natureza ao Tomás.*

Foi de facto o meu melhor professor.

Ensinou-me botânica, biologia, filosofia, sociologia, política, relações humanas, eu sei lá quantas outras disciplinas, sempre pelo exemplo que, bem sabemos, é o método mais eficaz.

Ensinou-me que sem estudo, persistência e trabalho, a vida não oferece nada que a torne valiosa.

Ensinou-me que a preocupação com o bem-estar dos outros é muito mais compensadora que a preocupação com o nosso próprio bem-estar. Ensinou-me, por exemplo, que os frutos que renunciamos para dar aos filhos e aos netos são mais saborosos na boca deles.

Ensinou-me a gostar de estar com a família e os amigos à volta de uma mesa, com comida preparada em conjunto para ser compartilhada com histórias, pensamentos, esperanças e apreensões.

Ensinou-me que os melhores presentes requerem esforço e sacrifício de quem oferece e que, normalmente, o dinheiro não os pode comprar. Ensinou-me que mostrar disponibilidade para participar, para ajudar, é o bem mais valioso que se pode oferecer.

Ensinou-me a importância do carácter e do empenho persistente dos recursos interiores e a insignificância dos adornos e engenhocas que podemos comprar, por mais caros que sejam. Ensinou-me que a identidade não se adquire com a exposição pública de fatiotas, marcas ou logos cujo preço depende da “posição social” reconhecida por um certo tipo de “sociedade”.

Ensinou-me que cada um de nós é o resultado da acumulação de muitas e diversas experiências, agradáveis ou dolorosas, ao longo da vida. Ensinou-me que não devemos aceitar a anulação periódica do passado para fazer renascer um novo “eu” diferente e mais atraente, feito de encomenda de acordo com a moda, como se a vida fosse uma sucessão de novas oportunidades e novos inícios, uma sucessão de episódios independentes, cada um com enredo, personagens e final próprios.

Ensinou-me que muito do que é essencial para nos sentirmos felizes não tem preço de mercado nem pode ser adquirido com dinheiro ou a crédito numa qualquer plataforma ou superfície comercial. Ensinou-me por isso a importância dos laços familiares e da vida doméstica; do amor e da amizade; do orgulho pelo trabalho bem feito, pela superação individual e pelo reconhecimento dos pares e dos outros; da satisfação de ouvir e tentar ajudar os outros, de com eles cooperar; do estudo e da reflexão demorada, num ambiente agradável e relaxado.

Ensinou-me os benefícios de procurar fazer a diferença na sociedade, de deixar alguma marca, de viver para o outro, de recusar a solidão da preocupação com nós próprios. Ensinou-me que o sucesso e a duração dos relacionamentos pessoais estão intimamente ligados ao compromisso de serem mantidos apesar das adversidades e do que quer que aconteça.

Ensinou-me, acima de tudo, que a vida é uma obra em constante construção; que para a viver devemos estabelecer desafios difíceis de realizar, escolher objectivos muito para lá do nosso alcance, adoptar padrões de comportamento acima da nossa capacidade, tentar sempre o impossível.

Sei que não aprendi todas as lições, que não fui capaz de manter todos os padrões, atingir todos os objectivos e estar à altura de todos os desafios mas a responsabilidade não é do professor porque esse foi, sem sombra de dúvida, o melhor que podia ter tido.

O meu Pai foi o meu melhor professor e faria hoje 95 anos.

_____________

* O Tomás teria uma idade próxima da actual do Miguel, o bisneto que mais desejou e não conheceu. Suspeito que se perguntar ao Miguel quem está na fotografia, ele dirá: "Eu e o avô Aníbal!"

domingo, 12 de maio de 2019

A vingança



O miúdo não tinha nada contra os polícias. Apesar do jogo do foge e esconde-te ao grito “Olha o Chui!” quando jogava a bola na rua com os amigos, não sentia qualquer razão para não gostar dos cívicos, gordos e com ar sério, que passavam pelas ruas do bairro.

Até que um dia, no regresso de um passeio dominical com os pais e a irmã no Fiat 600, um polícia sinaleiro, ali para os lados do Saldanha, mandou o pai encostar e parar o carro. Pediu os documentos, mirou-os e remirou-os, e disse ao pai que saísse do carro e o acompanhasse. Depois de uma longa conversa, o pai voltou com o polícia e pediu ao miúdo e à irmã que se encostassem para o polícia se sentar no banco traseiro, ao lado deles.

Depois de uma manobra complicada, o corpulento cívico lá conseguiu vencer a estreita passagem deixada pelo banco dianteiro e alapou-se em quase toda a largura do banco. O miúdo ainda tentou tirar a laranja que tinha ficado para trás mas não foi a tempo, o polícia aterrou pesadamente sobre o citrino e os irmãos só puderam olhar um para o outro e segurar o riso.

O pai explicou a inusitada boleia ao polícia. Não sabia que a carta de condução tinha data de validade, tinha caducado há um mês e iam à esquadra resolver o assunto. O polícia assegurou que era uma coisa simples e rápida mas depois de entrarem na esquadra, o pai já não voltou.

Para grande aflição da mãe e espanto dos miúdos, souberam depois que o pai ia ficar preso pelo crime grave de conduzir com uma carta fora do prazo de validade. Voltaram para casa de táxi e viveram horas dramáticas até que o pai foi libertado no dia seguinte, depois de uma noite passada numa espelunca sem condições.

A partir daquele dia o miúdo passou a olhar os polícias de maneira diferente. Sempre que passava por um deles, ria-se. Lembrava-se da laranja esborrachada e colada ao imenso rabo do polícia quando, após várias tentativas, conseguiu sair do banco traseiro do Fiat 600.

E assim se vingava da maldade que fizeram ao pai.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

A outra senha do 25 de Abril

      
Não me obriguem
A vir para a rua
Gritar
Que é já tempo
D'embalar a trouxa
E zarpar


Este é o refrão da canção “Venham mais cinco” do álbum com o mesmo nome com canções originais de José Afonso, escolhida inicialmente como senha a ser emitida através da Rádio Renascença para todo o país.

O álbum foi gravado em Paris para a etiqueta Orfeu e editado no Natal de 1973. Para além da lírica e dos temas musicais, o disco foi também marcante pela qualidade da gravação porque o estúdio de Paris tinha capacidades tecnológicas ainda não disponíveis em Portugal. Os arranjos foram de José Mário Branco, que já gravara em 1971, igualmente em Paris, o “Cantigas do Maio”, outro álbum de José Afonso com capa do pintor José Santa Bárbara e de que fazia parte a canção “Grândola Vila Morena”.

No lançamento do "Venham mais cinco" em Portugal, estava prevista a divulgação das suas canções no programa “Página 1” de José Manuel Nunes na Emissora Nacional mas quando a estação submeteu o álbum à Censura, foi proibido e apreendido pela PIDE/DGS. 

Foi por isso que quando na tarde do dia 22 de Abril de 1974 o Álvaro Guerra lhe disse que o “Venham mais cinco” estava proibido e a canção não podia ser transmitida no programa “Limite” na Rádio Renascença, o Almada Contreiras escolheu uma nova senha, a “Grândola Vila Morena”.

sábado, 20 de abril de 2019

Benjamim Inácio Garcia

Uma pena de dois anos depois de sete no Tarrafal


Benjamim Inácio Garcia

Os pais do Benjamim Inácio Garcia tinham uma sapataria na Rua de São Bento e ajudaram o meu avô José na aventura de menino transmontano feito marçano nas ruas da Lisboa de 1912. Já falei deles em O Tenente Martins

Ficha da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE)

O Benjamim, primo direito da minha avó materna, foi carpinteiro de moldes no Arsenal da Marinha e lutou contra o regime salazarista. Quando a Torre do Tombo colocou online as 29 510 fichas dos 148 livros de registo de presos da PVDE/PIDE/DGS de 1934 até 18 de Abril de 1974, recuperei a ficha prisional do Benjamim. Para além de confirmar o que escrevi há cinco anos, apercebi-me de um detalhe processual que ilustra bem o que era a repressão na ditadura salazarista.

Comprovado pela ficha, o Benjamim foi preso em 5/9/1935, tinha então 18 anos e meio de idade, passou por Peniche e Aljube, foi julgado e absolvido, foi preso novamente depois de quase um ano de liberdade e voltou ao Aljube, esteve mais de sete anos no Tarrafal e recolheu a Caxias para ser libertado em 7/11/1944. A ficha não diz mas eu sei, foi libertado porque estava a morrer de tuberculose.

Mas antes, diz ainda a ficha, foi julgado outra vez “em 1/11/1944, tendo sido condenado na pena de 23 meses de prisão correcional, dada por expiada com a prisão preventiva de 7 anos e 238 dias e na perda dos direitos políticos por 5 anos”!


sábado, 13 de abril de 2019

Programa do Movimento das Forças Armadas



Documento apresentado na exposição organizada pelo Arquivo Histórico da Presidência da República,
em 13 de dezembro de 2012.

O golpe militar foi uma surpresa para o regime de Marcello Caetano? 

Esta é uma das perguntas que me fazem com maior frequência nas conversas sobre o 25 de Abril. A resposta que dou normalmente é "Sim e não…", o que não me agrada porque prefiro dar respostas claras, do tipo sim ou não.

A resposta é sim quando falamos apenas da operação militar do dia 25 de Abril de 1974. A rapidez da decisão de avançar para o derrube do regime através de uma operação militar, a preparação dessa operação e a forma como foi executada, foram certamente uma surpresa, e dela há testemunhos claros do lado derrotado. Uma surpresa que se deve à competência e experiência de oficiais do Exército habituados a conduzir uma guerra com grande autonomia na tomada de decisões e na sua concretização. E que explica que no final do dia 24 de Abril de 1974, numa recepção na embaixada da RFA onde estavam, calmos e descontraídos, Silva Cunha, ministro da Defesa Nacional, Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros e Moreira Baptista, ministro do Interior, este último tenha dito que não estava preocupado com o mal-estar nas Forças Armadas e que o Silva Pais, director da PIDE/DGS, o teria informado que esperava apenas problemas no 1º de Maio, mas nada de especial; e que o mesmo Silva Pais tenha telefonado ao Silva Cunha às 3h30 de 25 dizendo – Pode dormir descansado, Sr. Ministro.

A resposta é não, não foi surpresa, quando falamos da percepção generalizada de que algo estava para acontecer em qualquer momento. Era voz corrente nos círculos mais ou menos próximos do poder, assim como nas tertúlias dos cafés da Grande Lisboa, que estava para ocorrer um golpe militar. Independentemente do grau de conhecimento de cada opinante, posso assegurar que esse era um dado adquirido nas mesas do São Jorge em Carcavelos, o café que então frequentava depois do jantar. Aliás a natureza semi-aberta do Movimento dos Capitães, os vários abaixo-assinados e os comunicados que difundiu nos meses que antecederam a operação militar, não permitem supor que o governo e a sua segurança interna desconhecessem o que se passava, por mais incompetentes que pudessem ser, o que também não é seguro que fossem.

Então porque é que o regime não se preparou para resistir e neutralizar o golpe militar? A questão terá várias respostas mas eu tendo a concordar com a explicação dada pelo meu camarada Almada Contreiras no livro “Operação Viragem Histórica”: o desconhecimento ou pouca importância dada ao documento que veio a ser o “Programa do Movimento das Forças Armadas” e a convicção dos responsáveis de que seriam apenas a liderança e as teses do general Spínola expressas no livro “Portugal e o Futuro”, teses aliás comungadas por sectores do regime próximos das cúpulas militares, que inspiravam os capitães.
Aparentemente, o desconhecimento ou desvalorização da existência de um programa político coerente, inspirado nas teses do Congresso da Oposição Democrática de 1973, assim como o menosprezo pela capacidade da cúpula do Movimento não-alinhada com o general Spínola resistir às tentativas de o desvirtuar ou ignorar, terão sido os factores que levaram o regime a olhar para as movimentações dos Capitães com menor cuidado.

O próprio general Spínola, a quem o programa foi apresentado com antecedência e nele fez cortes e introduziu alterações, terá provavelmente pensado que não passava de mais um papel e que depois do golpe prevaleceriam as suas teses, o seu poder pessoal e a sua rede de seguidores. Quando na noite de 25 foi obrigado a adoptar o Programa do MFA como programa da Junta de Salvação Nacional, ainda fez cortes e introduziu alterações de última hora que acabaram por se revelar negativas. As relativas à libertação dos presos políticos e à neutralização da PIDE/DGS serviram para a atrasar até 27 de Abril; a eliminação da alínea onde constava o “Claro reconhecimento dos Povos à autodeterminação e adopção acelerada de medidas tendentes à autonomia administrativa e política dos territórios ultramarinos, com efectiva e larga participação das populações autóctones”, causou dificuldades muito graves na resolução do problema colonial.





A versão do Programa do MFA que enquadrou politicamente as operações militares do dia 25 de Abril foi publicada pelo jornal "República" no dia 26. Os leitores mais atentos perceberão que não é o programa assinado pelo Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola, e reconhecerão o que foi alterado por ele na noite de 25 para 26 de Abril. É que a versão publicada pelo “República” foi a que o Martins Guerreiro entregou na manhã de 25, como testemunho das intenções do Movimento no caso do golpe militar falhar.