quinta-feira, 11 de junho de 2015

A Morte das Borrachas



Segundo a imprensa britânica, o professor Guy Claxton do King’s College de Londres, que publicou trabalhos sobre cognição inconsciente e criatividade, terá defendido que as borrachas devem ser banidas das salas de aulas porque criam uma cultura de vergonha do erro e são um instrumento do diabo.

Receio que o professor Claxton esteja a praticar um lamentável plágio. Há muito tempo que as escolas dos jotinhas portugueses ensinam que os erros não se apagam, valorizam-se. Eles aprendem que se cometerem um erro, não há problema, basta seguir as três regras de ouro:
  • Regra n.º 1 – Ignorar todas as críticas, não corrigir o erro e nunca o reconhecer.
  • Regra n.º 2 – Esperar alguns meses e vangloriar-se do que fez errado. Os eleitores têm memória curta e vão acreditar que se tratou de uma acto de coragem de um visionário, incompreendido pelo comum dos mortais e avaliado injustamente pelos maldizentes e pessimistas.
  •  Regra n.º 3 – Repetir o erro em nome da coerência e da continuidade. Na primeira vez só os fiéis aceitam, na segunda a maioria aplaude, reconhecida e agradecida.

sábado, 6 de junho de 2015

Cartão de Aniversário



 



Psss... PUM! PUM! PUM!
PARABÉNS!
Psss... PUM! PUM! PUM!

Comemoramos o seu 91º aniversário assim mesmo, com os foguetes com que costuma festejar os beijinhos dos bisnetos mais novos!

E não é para assustar as coisas sinistras com nomes terminados em ia que o têm atormentado nos últimos tempos. Essas vão ser vencidas por si, como noutras ocasiões venceu outras também graves. Aliás nem podia ser de outra maneira. Para quem tem noventa e um anos de experiência de luta por sonhos e objectivos, contra todas as dificuldades, mesmo contra a teoria das probabilidades, este é apenas mais um episódio que em breve estará no rol das memórias.

Enfrentar e vencer desafios, criados por outros ou estabelecidos por si, sempre foi a sua característica mais marcante. Foi assim na escola; tinha de ser sempre o melhor aluno. Foi assim no desporto; tinha de ser sempre o melhor atleta. Foi assim no amor; tinha de conquistar a mulher perfeita. Foi assim na profissão; tinha de ser o mais competente e trabalhador, reconhecido pelos pares de todo o mundo. Foi assim com os filhos; tinha de ser o melhor pai em todos os momentos. Foi assim com a família; a sua tinha e tem de ser sempre a mais feliz.

Ainda jovem agrónomo, sonhou que Moçambique seria uma região produtora de café. Lutou por isso em Inhambane e na Malamba, em Quelimane e no Gurué, formou equipas de agrónomos e regentes agrícolas, motivou colaboradores e agricultores, construiu estações experimentais para o racemosa e o arábica, em zonas geográficas completamente distintas e a centenas de quilómetros do ar condicionado. Dormiu no mato e percorreu centenas de milhares de quilómetros, por picadas e pelo ar. Quando o regime colonial e os interesses das concessionárias do chá proibiram a concretização do sonho e o transferiram para Angola, perdeu a batalha mas não desistiu. Passadas duas décadas, quando Abril o permitiu, regressou a Moçambique para defender o mesmo sonho.

Recuperado das consequências devastadoras da decisão do poder colonial, sonhou que o melhoramento genético era a solução para a praga da ferrugem que dizimava as plantações de cafeeiros. Durante mais de trinta anos produziu cerca de seiscentos híbridos diferentes, sempre com a ideia de combinar material de qualquer origem resistente ao fungo, fosse da Etiópia, fosse da Índia, fosse de Timor, com a variedade comercial mais utilizada. Provou que a investigação científica em Portugal podia ter sucesso e ser rentável. Criou duas obras-primas, o Catimor e o Sarchimor. Trabalhou para os cafeicultores de África, da América do Sul e da América Central, sempre consciente que não eram ignorantes e tinham um espírito crítico muito apurado. Semeavam o que lhes fornecia depois de lhes explicar as vantagens da nova variedade, faziam viveiros, plantavam, acompanhavam os cafeeiros e apreciavam os resultados. Mas sabia que se falhasse uma vez, os cafeicultores nunca mais aceitariam uma semente.

Mas nunca falhou. Ano após ano, foi sendo cada vez mais solicitado para trabalhar nos países produtores de café, Angola, Brasil, Venezuela, Colômbia, México, Guatemala, Nicarágua, Honduras, Costa Rica, Panamá, República Dominicana, para criar estações experimentais, para ensinar nas universidades ou para apoiar centros de investigação. A tal ponto que passava no máximo dois meses por ano em Portugal e o resto andava a calcorrear o mundo. Sempre em comunhão com o grande amigo e mestre Alcides Carvalho. Porque nisto de amigos e colaboradores, aplicava a metodologia do melhoramento genético: seleccionar os melhores dos melhores e rejeitar todos os outros.

Mas foi no amor que cumpriu o seu mais belo sonho. Apaixonou-se um dia pela bonita adolescente de passada rápida que viu na Almirante Reis e que nunca mais deixou de amar. Sessenta e seis anos de um casamento extraordinário são a melhor evidência disso. Chama-lhe o seu anjo da guarda e nós, mesmo os avessos a considerações religiosas, somos obrigados a acreditar que assim é.

A mulher que escolheu para o acompanhar na aventura da vida é de facto singular e certamente por isso, foi o primeiro e único amor da sua vida. Um amor que se fortaleceu na luta constante pelos sonhos que partilharam. Nos momentos mais difíceis, quando tudo parecia ruir, foram capazes de, juntos, vencer as maiores adversidades. Assim foi na doença que quase o vitimou depois da transferência de Moçambique, na escolha de um processo de cura em que poucos acreditavam e que se transformou numa atitude de vida, no recomeço da carreira profissional, na recuperação de um acidente que nos filmes resulta em morte certa, nas crises de saúde que afectam ora um ora outro. E é graças a essa mulher maravilhosa e ao respeito e amor que têm um pelo outro que há sessenta e seis anos se mantêm como um casal perfeito, farol da nossa família, com uma força admirável e exemplar.

Mas afinal porque é que comemoramos este aniversário com os seus foguetes?
Porque há dias disse que quando nascer o seu décimo segundo bisneto, pum! Penso que entendi a mensagem mas não me parece bem. Não é justo que o décimo segundo bisneto não ouça os foguetes que os outros ouviram depois de lhe darem um beijinho! O menino não irá compreender o tratamento desigual e por isso começamos já a treinar para festejarmos consigo o primeiro beijo do seu décimo segundo bisneto!

Psss... PUM! PUM! PUM!
PARABÉNS!
Psss... PUM! PUM! PUM!

 E este filme foi o cartão dos bisnetos! (clique aqui)


segunda-feira, 1 de junho de 2015

O Acessório e o Essencial




Envelhecer é uma chatice, nunca pensei que fosse tão chato! dizia ele, entre o revoltado e o decidido a não se deixar vencer pelos noventa e três anos de uma vida cheia.

Está difícil mas ele não desiste facilmente.

É certo que a falta de equilíbrio o obrigou a encostar a mota há quase um ano. Ele, que sempre gostou de motas, Era uma boa maneira de ver as mães das miúdas! resolveu deixar a 125 que conduzia com a carta de automóvel, isto depois de lhe terem tirado a de motociclos. E agora decidiu vender o automóvel. Não porque o sobrinho e muitas outras pessoas lhe dissessem que era perigoso conduzir com aquela idade, mas porque andava a subir muitos passeios e a bater nas paredes.

O sobrinho sabe que não foram só passeios e paredes, também bateu noutros carros, por sinal sempre de senhoras. Aliás as mulheres sempre foram centrais na sua vida. Apesar das cataratas, tem a certeza que as miúdas de hoje são muito mais giras que as do seu tempo. O sobrinho não sabe exactamente a que grupo etário se refere quando fala de miúdas mas desconfia que é muito amplo.

Mas o passo mais difícil foi reconhecer que não conseguia viver só no seu apartamento. Com muita relutância, decidiu finalmente ir para um lar de idosos. Diz que aquilo é tudo gente velha mas não teve alternativa. E o sobrinho foi ajudá-lo a levar o computador para a sua nova casa.

No caminho para o lar, contava ele: Ontem houve uma final entre o Sporting de Braga e o Sporting de Lisboa e no fim ganhou o de Lisboa. Foi uma festa e hoje de manhã, uma empregada do lar, por acaso boa, apareceu com o cachecol do Sporting de Lisboa!

Quando pouco tempo depois o sobrinho conheceu a jovem do cachecol, não pôde deixar de sorrir e pensar: Pois é, percebo porque diz que envelhecer é uma chatice. É muito chato ficar pelo acessório e perder o essencial.

Mas deixe lá, é certo que o mal dos outros não serve de consolação mas há gente muito mais nova, com metade ou um terço da sua idade, que se contenta com o acessório e perde o essencial da vida!