Facto de viver, de ter vida; existência. Experiência de vida. Processo psicológico consciente no qual o indivíduo adopta uma posição valorizante, sintética, que não é apenas passiva e emocional, pois inclui também uma participação intelectual activa. O conhecimento adquirido através da experiência vivida. Não é lido, não é contado, é experimentado.
sábado, 23 de abril de 2022
Programa de Acção Política do Movimento de Oficiais das F.A.
quarta-feira, 20 de abril de 2022
Conversa sobre o 25 de Abril
Um enorme bem-haja ao meu amigo Diniz Borges pela iniciativa
de uma conversa sobre o 25 de Abril à escala do mundo lusófono, de Portugal à
Califórnia.
Foi um prazer poder falar de Abril aos alunos do professor Diniz
Borges na Universidade Estatual da Califórnia em Fresno e aos membros da
comunidade luso-americana que tiveram a paciência de me ouvir durante uma hora
e meia.
Penitencio-me pelo erro que cometi no final da conversa quando disse que o Destacamento de Fuzileiros Especiais que ocupou a sede da PIDE/DGS era comandado pelo Alves Gaspar. Quem de facto comandou o DFE que ocupou a PIDE/DGS foi o hoje Almirante Vargas de Matos, como repetidamente tenho dito e escrito em várias instâncias.
terça-feira, 19 de abril de 2022
A arte da leitura
Em Setembro de 1939, quando as invasões da Polónia pelos
exércitos da Alemanha e da União Soviética marcavam o início da Segunda Guerra
Mundial, o filósofo norte-americano Mortimer Jerome Adler escrevia o prefácio
do que viria a ser um dos grandes sucessos editoriais do século XX: o livro
“How to Read a Book: The Art of Getting a Liberal Education”, editado pela
Simon and Schuster, de New York, em 1940.
Escreveu então: “O título indica que me preocupo
principalmente com a leitura de livros, mas a arte da leitura que descrevo
aplica-se a qualquer tipo de comunicação. No ambiente de irrazoabilidade que
paira sobre nós, pode fazer uso dela para ver através da propaganda dos Livros
Brancos dos antagonistas e para lá das proclamações de neutralidade, e até
mesmo para ler nas entrelinhas dos breves comunicados de guerra.”
E explicou o subtítulo: “Numa democracia, devemos cumprir as
responsabilidades de homens livres. A educação liberal é aqui um meio
indispensável para este fim. Ela não só nos faz homens desenvolvendo as nossas
mentes, como também as liberta, disciplinando-as. Sem mentes livres, não
podemos agir como homens livres. Tentarei mostrar que a arte de ler bem está
intimamente relacionada com a arte de pensar com clareza, crítica e
livremente.”
Após o sucesso da 1ª edição, Adler reviu o texto e publicou
uma nova edição, em 1967, com o subtítulo “A Guide to Reading the Great Books”.
Finalmente, em 1972, procedeu a uma grande revisão e actualização que desta vez
publicou em parceria com o editor Charles Van Doren, com o subtítulo “TheClassic Guide to Intelligent Reading”. Foi essa edição do “How to Read
a Book” que fez parte da minha formação como cidadão na década de 1970.
Na introdução da nova edição, Adler fez uma reflexão sobre os meios de comunicação social modernos, questionando se o seu advento
melhorou a nossa compreensão do mundo em que vivemos. Escreveu então: “Talvez
(hoje) saibamos mais sobre o mundo do que costumávamos saber (em 1940), e na
medida em que o conhecimento é um pré-requisito para a compreensão, isso é bom.
Mas não tanto como como comumente se supõe. Não precisamos de «saber» tudo
sobre algo para o «entender»; factos a mais são frequentemente um obstáculo
para a compreensão, tanto como o são factos a menos. Fica a sensação que nós,
modernos, somos inundados de factos em detrimento da compreensão.
Uma das razões para essa situação é que os media modernos
são concebidos de modo a fazer com que o pensamento pareça desnecessário
(embora isso seja apenas uma aparência). O empacotamento de posições e pontos
de vista é uma das mais brilhantes realizações de algumas das melhores mentes
dos nossos dias. Ao espectador de televisão, ao ouvinte de rádio, ao leitor de
jornais, é apresentado um conjunto complexo de elementos - desde uma retórica
engenhosa até dados e estatísticas cuidadosamente seleccionados - para tornar
mais fácil para ele «formar a sua própria opinião» com o mínimo de dificuldade
e esforço.
Mas o empacotamento é muitas vezes feito de forma tão eficaz
que o espectador, ouvinte ou leitor não toma nenhuma decisão. Em vez disso, ele
introduz uma opinião empacotada na sua mente, mais ou menos como introduz uma
cassete num leitor. Depois só carrega no botão e «reproduz» a opinião sempre
que lhe parece apropriado fazê-lo. E assim tem um desempenho socialmente
aceitável sem precisar de pensar.”
No ambiente de irrazoabilidade que de novo paira sobre nós,
a reflexão de Adler mantém-se tão oportuna como há cinco décadas.
sexta-feira, 8 de abril de 2022
O Comércio do Funchal
O Comércio do Funchal (CF), com o Jornal do Fundão, foram os
dois jornais regionais que marcaram o processo de politização de muita gente da
minha geração. Só conheci o CF na Escola Naval, provavelmente apresentado pelo
meu camarada e amigo madeirense Agostinho Ramos da Silva, mas lembro-me que o
lia com interesse, em particular os artigos sobre a actualidade internacional,
isto num jornal regional.
O CF foi (re)lançado em 1966, usando o título de um jornal
sem leitores que se publicava na Madeira desde 1934. No Portugal de Salazar, um
grupo de jovens amigos ligados por ideais comuns e experiências jornalísticas
de adolescência, conseguiu que o CF (sigla adoptada posteriormente para diluir
a conotação comercial do título) que imprimiram em papel cor-de-rosa para
sublinhar a diferença e porque na altura era o mais barato do mercado, se
transformasse num sucesso, chegando a vender 15 mil exemplares.
Como quase tudo em Portugal, houve o CF de antes e o CF de
depois do 25 de Abril de 1974. O segundo não teve vida longa, o último número
foi publicado em 24 de Abril de 1976, e confesso que não lhe dei grande atenção
no turbilhão que passou a ser a imprensa do período revolucionário. Sobre o
primeiro tenho várias recordações e por isso resolvi revisitar o CF da IV
série. N.º 2247, curiosamente com a data de 25 de Abril de 1974 e cobrindo a
semana até 1 de Maio de 1974. Pode ser consultado e descarregado na HemerotecaDigital da Câmara Municipal de Lisboa.
O número do CF de 25 de Abril de 1974 não faz qualquer
referência nem foi influenciado pela Operação Viragem Histórica.
Foi escrito e imprimido antes da vitória do MFA e por isso documenta bem o que
era o CF na ditadura.
Por se considerar “o único órgão anti-fascista da
imprensa regional” e tudo fazer para honrar essa caracterização, o CF tinha
naturalmente problemas com a censura. Estou convencido que os censores não
entendiam os debates ideológicos e as reflexões indirectas sobre a guerra
colonial, mas mesmo assim eram implacáveis e tudo faziam para dificultar o
trabalho dos colaboradores, na generalidade “pro bono”.
O número de 25 de Abril de 1974 trazia desde logo três
trabalhos que denunciavam as preocupações políticas e sociais do jornal: um
sobre a Indústria Vidreira com testemunhos de operários da Marinha Grande,
outro sobre a Indústria de Pesca e “Os armadores, o gasóleo e os pescadores”
com homens do mar de Setúbal e o terceiro sobre os bairros “marginais” das
grandes cidades, habitados por uma população que procurava fugir à pobreza do
Portugal rural e interior.
Depois lá está página de análise das eleições francesas por
Vicente Jorge Silva e as tradicionais polémicas ideológicas tão comuns nos
jornais progressistas da época, neste caso com um texto de Fernando Piteira
Santos que os censores, ao verem a abundância de frases latinas, de certeza não
leram. Assim como não terão dado importância à divulgação da Nota da DGS que
dava conta da prisão de 15 indivíduos em Lisboa e 15 no Porto por incitarem “a
acções revolucionárias no 1º de Maio” contra o “esforço da Nação em
defesa dos territórios portugueses no Ultramar” e “a defesa das
organizações terroristas que nos atacam e dos métodos que empregam, com os
quais criminosamente se solidarizam”, dos dados completos de identificação
dos militares mortos na guerra entre 15 e 23 de Abril de 1974 extraídos dos
comunicados oficiais, ou da transcriação a negrito da referência do
Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola que em Março “as baixas sofridas
pelas nossas forças totalizaram 12 mortos e 20 feridos”.
Para mim foi particularmente saboroso ler as “Passagens
do discurso do Ministro do Interior Dr. Moreira Baptista na cerimónia de posse
do novo Governador Civil do Porto Dr. Mário Valente Leal”. O governante
marcelista recordou a sua passagem por um liceu do Porto, num “momento da
vida nacional politicamente muito agitado”. Disse ele que “Os espíritos
andavam perturbados, as propagandas desenfreadas, e os conluios e conspirações
faziam-se e desfaziam-se ao sabor das manobras dos que ambicionavam travar o
passo ao ressurgimento nacional que, então, se iniciava”. E lembrou que “Foi
na altura em que, na Madeira, eclodiu uma intentona que marcaria o fim do
aventureirismo de uns quantos que, por essas épocas, intentavam usar as forças
armadas procurando fazê-las intervir em dissidências da política que nada tinha
a ver com os autênticos interesses da Nação”, numa alusão clara ao falhanço
do 16 de Março, sem suspeitar do destino próximo do regime.
Mas acima de tudo apreciei a publicação em página inteira da
«Conclamação de universitários à juventude portuguesa intitulada «Autêntico
Sentido da Grandeza Lusa» feita pelo «Centro Cultural Reconquista» com sede em
Coimbra. Nela os signatários António Carlos de Azeredo e Simão Pedro de Aguiã
conclamavam a continuação da defesa da "Civilização Cristã, que
esquerdistas e comunistas querem extirpar," e apelavam os jovens
portugueses a "insurgirem-se contra os móveis, obviamente censuráveis e
maus, da campanha oposta à união das províncias do Ultramar à Metrópole"
e a "formar fileiras, mais do que nunca, em torno da bandeira
portuguesa, num protesto veemente contra essa fermentação antilusa."
segunda-feira, 4 de abril de 2022
Memória profissional
Ao mexer em papéis antigos, encontrei este quadro de cores
dos encanamentos das fragatas da classe "Vasco da Gama". Pouco dirá à maioria dos
leitores desta publicação, mas está ligado a um período muito especial da minha
vida profissional e por isso decidi reproduzi-lo.
A aquisição e construção das fragatas da
classe Vasco da Gama provocou uma verdadeira revolução na engenharia naval militar
portuguesa. O salto tecnológico que aqueles navios induziram foi um enorme
desafio para quem estava no centro das discussões e decisões técnicas, como foi
o caso do grupo de quatro oficiais em que me incluía e que, a partir do final
de 1986, discutiu com o estaleiro alemão e os fornecedores, a especificação
contratual da plataforma dos navios e dos seus sistemas electrónicos e
electromecânicos.
Muitas das tecnologias, dos conceitos e dos sistemas dos
navios eram novidade para a nossa Marinha e foi preciso rever muitas práticas e
definir até coisas muito simples como, por exemplo, as cores das fitas adesivas
que iriam ser usadas para identificar os encanamentos do navio em função do
sistema a que pertenciam e do fluido que transportavam.
Pois este foi o desenho produzido com uma das primeiras
versões do AutoCad, num caríssimo computador desktop Zenith Z-286 com 640kb de
RAM e um gigantesco disco de 20 Mb, e num plotter de canetas Roland. Foi
a forma expedita de produzir um documento discutido por meia dúzia de
“especialistas” do Gabinete de Estudos que se substituíram ao moroso processo
de normalização e que foi entregue ao estaleiro Blohm+Voss como a norma da
Marinha portuguesa.
Para os colegas engenheiros navais, poderá ser interessante
comparar o nosso trabalho de 1986 com a norma ISO 14726 que mais de uma década
depois normalizou as cores das fitas adesivas de identificação dos encanamentos
dos navios. Não ficámos muito longe…