sexta-feira, 23 de maio de 2025

Emigrantes envergonhados

 


Na mais recente edição das conversas “Olhos nos Livros: Palavras de Costa a Costa” organizadas pelo meu amigo Diniz Borges e pelo Portuguese Beyond Borders Institute que dirige na Universidade Estadual da Califórnia, em Fresno, participaram, para além do próprio Diniz Borges, o professor José Luís da Silva, na Califórnia, e a professora Manuela Marujo, que leccionou no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Toronto entre 1985 e 2017 e onde, actualmente, é Professora Associada Emérita.

Para além da habitual e sempre interessante resenha de livros sobre a experiência da emigração portuguesa na América do Norte, designadamente nos Estados Unidos e no Canadá, desta vez os participantes terminaram com uma reflexão sobre a forma como portugueses, no território nacional, encaram a emigração que continua a engrossar as comunidades de quatro milhões de portugueses e luso-descendentes espalhadas pelo mundo.
 
A professora Manuela Marujo, depois de lamentar a inexistência em Portugal de um centro de estudos da emigração onde fosse possível aos investigadores e aos jovens que fazem mestrados e licenciaturas sobre aquela temática, consultar os livros e ensaios publicados no seio das comunidades emigrantes e encontrar referências sobre os processos de integração social e de preservação da identidade cultural, da língua e cultura portuguesas, que essas comunidades asseguraram e asseguram, na esmagadora maioria dos casos sem qualquer apoio do governos em Portugal, procurou reflectir sobre as razões do desinteresse pelo estudo da emigração em Portugal.
 
A professora Manuela Marujo notou que, neste momento, todas as suas amigas em Portugal continental têm os filhos no estrangeiro, um na Holanda, outro na Itália, outro no Dubai. Mas apesar da emigração continuar, ninguém se considera emigrante. E quando esteve numa universidade da terceira idade e disse “sou emigrante há 40 anos,” as pessoas olharam para ela “assim um bocadinho incomodadas,” e perguntaram: “Quer dizer, a professora…, é professora, não é?” Emigrar e emigrante são palavras que as pessoas não querem usar. “Ninguém usa a palavra emigrada.”

De facto, hoje ninguém que sai de Portugal para ir trabalhar no estrangeiro, é emigrante. É “residente no estrangeiro” ou “expatriado”. Para os portugueses de hoje, possivelmente vítimas do complexo da “mala de cartão da Linda de Suza” ou das condições de vida degradantes que Gérald Bloncourt tão bem soube captar com a sua câmara fotográfica, emigrantes eram os portugueses incultos que a pobreza e a ditadura salazarista empurraram para fora de Portugal; residentes no estrangeiro ou expatriados são os portugueses que actualmente, com os níveis de educação superior que o regime democrático de Abril proporcionou, vão procurar no estrangeiro as oportunidades de trabalho e realização pessoal e profissional que não encontram em Portugal.

Ou será, como admitiu a professora Manuela Marujo, que a negação da condição de emigrante é uma desculpa para a forma como tratamos os imigrantes? Ao não nos assumirmos como um povo emigrante, tratamos os outros como se fossem diferentes de nós.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Populismo e democracia

 

Resultados globais das eleições no território nacional

A relação entre populismo e democracia é complexa e desafiante. O populismo do Chega, semelhante ao que teve sucesso nos EUA e noutros países, utiliza os mecanismos da democracia representativa para tentar conquistar o poder, enquanto põe em causa os princípios e valores democráticos. Divide a sociedade em dois grupos antagónicos — o “povo puro” e a “elite corrupta” — e reivindica representar a vontade do “povo puro”, simplificando questões complexas e promovendo soluções rápidas, simplistas e autoritárias. Através de um discurso fácil de entender, fomenta a concentração do poder, ataca a imprensa livre e desvaloriza a importância do poder judicial. O populismo corrói a confiança pública e polariza a sociedade.

Instituições democráticas sólidas são a espinha dorsal da democracia, sendo crucial garantir a eficácia e independência do poder judicial, a transparência nos processos legislativos, nas ações governamentais, nas finanças públicas e nas decisões políticas, bem como a responsabilização dos representantes eleitos. É urgente realizar reformas institucionais que promovam o exercício da cidadania democrática. Uma cidadania bem informada é essencial para a democracia. Investir na educação cívica, ensinando os valores democráticos, os direitos e deveres dos cidadãos e a importância das instituições democráticas, pode criar uma população mais crítica e consciente. Além disso, a alfabetização mediática pode ajudar os indivíduos a reconhecer e resistir à desinformação e à propaganda populista.

Embora o populismo possa expor falhas e lacunas das democracias, é o seu maior inimigo. Por isso, é necessário defender o Estado de direito democrático consagrado na Constituição da República Portuguesa, o que exige um compromisso contínuo com o fortalecimento das instituições democráticas, a educação cívica, o diálogo pluralista e a transparência governamental. Infelizmente, este compromisso parece ainda não ter sido plenamente compreendido pelos partidos democráticos.

sábado, 17 de maio de 2025

Em dia de reflexão

 


A democracia é celebrada por muitos como o sistema político que melhor reflecte os desejos e necessidades dos cidadãos. No entanto, as suas complexidades e subtilezas são muito relevantes, especialmente quando se considera a participação e a representação no processo democrático.

A essência da democracia reside na soberania do povo, isto é, na ideia de que o poder emana dos cidadãos e deve ser exercido em seu benefício. Mas a democracia representativa consagrada na nossa Constituição não se limita apenas ao acto de votar. Ela inclui também a proteção dos direitos e liberdades individuais, a existência de um sistema judicial eficaz e independente e a garantia de que as decisões tomadas pelo governo, o são de maneira transparente e responsável.

Deste modo, a participação dos cidadãos é um dos pilares fundamentais da democracia. Envolve não apenas o direito de votar, mas também a possibilidade de os cidadãos expressarem suas opiniões, de se envolverem em debates públicos e influenciar as políticas governamentais. A participação activa dos cidadãos é essencial para garantir que o governo permanece responsivo e responsável. Sem uma participação efectiva dos cidadãos, a democracia corre o risco de se tornar uma mera formalidade, onde as eleições são realizadas, mas o verdadeiro poder permanece nas mãos de uma elite.

Por outro lado, a representação é um conceito central e é crucial para o funcionamento prático daquela democracia. Representar alguém ou “outrar”, exige uma relação próxima, consideração pelo outro e confiança. E compreende a "representação formal", que se refere ao sistema institucional pelo qual os representantes são escolhidos, e a "representação substantiva", que diz respeito à forma como os representantes realmente agem em nome dos representados.

Assim, a verdadeira representação política vai para além de simplesmente agir de acordo com a vontade dos eleitores. Inclui a capacidade de tomar decisões informadas e justas, mesmo que essas decisões não sejam populares no curto prazo. Este conceito é fundamental para entender a tensão entre a necessidade de os representantes darem resposta às exigências imediatas dos seus eleitores e a necessidade de tomar decisões que considerem o bem-estar a longo prazo da sociedade.

No entanto, a inter-relação entre democracia, participação e representação é complexa. A participação dos cidadãos é essencial para garantir que os representantes permaneçam identificados com as necessidades e desejos da população. Mas a representação também exige que os representantes tenham a liberdade de tomar decisões informadas, mesmo que essas decisões possam não ser imediatamente populares. Esse equilíbrio delicado é um dos principais desafios das democracias modernas.

Além disso, a exclusão de certos grupos da participação plena – seja por razões económicas, sociais ou culturais – pode minar a legitimidade e eficácia da democracia. Nunca é demais enfatizar a importância de garantir que todos os cidadãos tenham as mesmas oportunidades de participar e serem representados, de modo que a democracia possa realmente refletir a diversidade e complexidade da sociedade.

A democracia é um processo contínuo que exige a participação ativa e informada dos cidadãos, bem como uma representação responsável e justa. Somente através do equilíbrio entre esses elementos fundamentais podemos aspirar a uma sociedade verdadeiramente democrática e justa.