Porque ocupei uma boa parte da vida profissional em actividades de aquisição e manutenção de navios militares, não podia deixar de notar as notícias que nos últimos tempos têm saído sobre a contratação da IdD Portugal Defence para gerir o programa de aquisição de seis novos navios de patrulha oceânicos (NPO) para a Marinha Portuguesa.
De acordo com uma resolução do anterior governo, de Junho do ano passado, foi autorizada a despesa de quase cinco milhões de euros do Orçamento do Estado para remunerar aqueles serviços da IdD Portugal Defence.
Em entrevista ao DN e à TSF no Dia da Marinha, o Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) declarou que estava confortável com a resolução do Governo e considerou útil a ajuda da IdD Portugal Defence na “parte da contratação pública” e na “parte da gestão desses contractos”. E clarificou: “Vejo sempre com utilidade essas ajudas, não vejo que haja qualquer competição sobre as responsabilidades da Marinha, porque a Marinha está envolvida em muitos projetos neste momento.”
Compreendo a resposta do CEMA porque na verdade, no quadro legal que regula os programas de aquisição de novos navios, a Marinha tem pouca margem de manobra. Malgrado a experiência e a competência das suas direcções técnicas, julgo que únicas na administração e nas empresas públicas, os termos e a execução do processo de aquisição de novos navios são estabelecidos pelo Governo e Ministério da Defesa Nacional e a Marinha só tem de cumprir as tarefas que lhe forem atribuídas. Assim sendo, a questão que parece relevante é saber se a IdD Portugal Defence tem as capacidades e competências compatíveis com as responsabilidades que lhe foram atribuídas pelo Governo.
Depois de consultar o site da IdD Portugal Defence, fiquei a saber que é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos com tutela conjunta do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério das Finanças. Como não refere e não se conhece qualquer experiência ou competência daquela sociedade na gestão e acompanhamento de programas de aquisição de navios militares, procurei perceber como é que IdD Portugal Defence poderia acrescentar valor ao programa e maximizar o impacto positivo na economia nacional, tal como consta na resolução do governo.
Percebi então que os quase cinco milhões de euros do Orçamento do Estado servirão para mobilizar empresas onde o Estado Português tem participação assim como outras que integram a designada “Base Tecnológica e Industrial de Defesa” gerida pela IdD Portugal Defence, para apresentarem propostas para fornecerem serviços e equipamentos para os NPO.
A gestão de um programa de aquisição ou construção de navios militares (refiro militares porque são aqueles onde tenho experiência, mas julgo que com os comerciais se passa o mesmo) é um processo tão dinâmico, complexo e exigente que não se compadece com a partição de responsabilidades por diversas entidades. Quem dirigir tal processo, deve ser responsável por todos os seus componentes e a escolha das soluções técnicas e contratação dos respectivos fornecedores é um dos principais. A quem gere um programa (indivíduo, grupo ou entidade) devem ser definidos os requisitos dos navios, o orçamento, o prazo e o quadro legal e contratual do programa. Depois o gestor deve usar as suas capacidades, competências e autoridade para atingir o objectivo estabelecido para o programa, sem que possa atribuir a outros a culpa dos fracassos.
Por outro lado, se existe em Portugal uma “Base Tecnológica e Industrial de Defesa” constituída por empresas públicas e privadas, pareceria razoável que essas empresas se organizassem autonomamente e apresentassem soluções tão completas e coerentes quanto possível, que satisfizessem os requisitos do programa de construção dos NPO, com o menor risco para o comprador. Na solução adoptada afigura-se estranho o paternalismo do comprador, o Estado Português, ao tentar organizar os fornecedores, assumindo com isso riscos desnecessários e, provavelmente, ainda não avaliados.
Ao longo da minha carreira profissional, tive oportunidade de reflectir sobre a forma de dinamizar a indústria naval militar nacional e estudar as soluções adoptadas por outros países para a gestão e acompanhamento de programas de aquisição de navios. Contudo, devo confessar que não encontrei uma justificação semelhante à apresentada pelo Governo para contratar a IdD Portugal Defense.
Face ao que li, admito duas hipóteses: a primeira é que o governo descobriu uma solução original que vai revolucionar os procedimentos de aquisição de navios das Marinhas militares de todo o mundo; a segunda, talvez mais provável, é que o exíguo Orçamento do Estado Português continua a alimentar os grupos político-partidários que dominam a burocracia estatal, assim como as empresas e entidades públicas e privadas que sobrevivem à sua sombra.