Esta de todos os anos andar a falar do 25 de Abril a jovens
dos oito aos oitenta anos, obriga a ter um cuidado especial com o rigor
histórico do que digo ou escrevo. Se é relativamente fácil falar do que vivi
directamente (mesmo assim é preciso cuidado porque a memória humana é
traiçoeira…), já falar de episódios em que não participei é muito complicado,
obriga a recolher os testemunhos dos vários participantes e tentar chegar a uma
narrativa coerente e historicamente tão rigorosa quanto possível. Neste
processo acabo sempre por ter de aprofundar questões e factos a que antes não
tinha dado atenção.
Este ano, no rescaldo da sessão comemorativa do 25 de Abril
realizada na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara em que o meu amigo
Diniz Borges evocou os valores de Abril e o cônsul de Portugal em San
Francisco, Pedro Perestrelo Pinto, lembrou o papel do seu avô no dia 25 de
Abril de 1974, fui questionado e obrigado a revisitar um dos muitos episódios
que marcaram aquele dia e eu não tinha dado atenção.
O avô do cônsul Pedro Perestrelo Pinto, que também se
chamava Pedro Pinto, mais exactamente Pedro Mourão de Mendonça Corte Real da
Silva Pinto, era o Secretário de Estado da Informação e Turismo do governo de
Marcello Caetano. De acordo com o esclarecimento que o cônsul Pedro Perestrelo
Pinto me enviou na sequência de um comentário meu a um post do Diniz
Borges sobre o evento na UC Santa Barbara, foi o seu avô que tomou a iniciativa
de contactar Spínola para apelar a que assumisse o poder, que fez a ponte entre
Spínola e Marcello Caetano que conduziu à transferência do poder e evitou,
segundo ele, a eclosão da violência cujo risco seria elevado. Tratava-se do Dr.
Pedro Pinto que vemos na imagem extraída de um documentário da CBS feito pouco
tempo antes do 25 de Abril, onde realçava o sentido de missão dos portugueses
que, mesmo sem mandato de ninguém, consideravam, na guerra em África, estar a
defender o Ocidente.
Até esta troca de correspondência, por desatenção minha, só
conhecia um mediador e negociador entre Spínola e Caetano, um outro Pedro
Pinto, Feytor de nome do meio. Percebi agora que este Pedro Feytor Pinto era
então director dos Serviços de Informação da Secretaria de Estado de Informação
e Turismo e, portanto, subordinado de Pedro Pinto, secretário de Estado de
Caetano e avô do Pedro Perestrelo Pinto, actual cônsul de Portugal em San
Francisco.
Lembrava-me de ter visto imagens do seu aparecimento no
Largo do Carmo com outro colega da Secretaria de Estado de Informação e Turismo
quando o Salgueiro Maia estava prestes a iniciar a demolição do quartel-general
da GNR a tiro de canhão. Lembrava-me também de ter lido entrevistas em que ele
assumiu o papel de interlocutor entre «revoltosos» e «fiéis», que terá levado à
rendição de Caetano no quartel do Carmo. A primeira de muitas, confirmei agora,
foi logo a seguir ao dia 25, a uma rádio dinamarquesa (?), tendo depois saído
no Século de 28/4/1974! Mas pouco mais sabia.
Claro que se eu tivesse dado importância ao que o Otelo
Saraiva de Carvalho e o Salgueiro Maia publicaram sobre o episódio e, muito em
especial, ao que o Rosado da Luz escreveu no livro “Operação Viragem
Histórica” coordenado pelo Almada Contreiras e editado pela Colibri,
saberia que afinal havia outro Pedro Pinto, o Secretário de Estado da
Informação e Turismo que orientou os seus emissários a partir do restaurante do
Grémio Literário onde tinha ido almoçar e não pôde sair porque o motorista que
o ia buscar foi mandado parar por uma autometralhadora da EPC. Revistado
enquanto a multidão gritava que deveria ser um agente da PIDE, foi-lhe
encontrada uma arma. E não fosse a intervenção do Rosado da Luz, que o mandou
ficar sossegado dentro do carro em frente à Bertrand durante 5 ou 6 horas,
poderia ter sofrido algum dissabor.
Sobre a saga dos Pedros Pintos não vou elaborar mais, mas
convido os interessados a lerem o excelente texto do Rosado da Luz, a partir da página 156 do
“Operação Viragem Histórica”. Asseguro que vale a
pena, quanto mais não seja porque está muito bem escrito. E para os que
quiserem conhecer a versão do outro lado, leiam o livro do António Maria
Pereira, futuro deputado do PSD na AR e membro do Comité Político da Assembleia
Parlamentar da OTAN, que estava no Grémio Literário com o Secretário de Estado
da Informação e Turismo de Caetano e conta alguns detalhes que não foram
contemplados pelo Rosado da Luz. Ficarão a conhecer todo o episódio e a
perceber como é que o Spínola, matreiro, jogou em todos os carrinhos e
aproveitou aquela oportunidade, entre muitas outras, para dar o golpe dentro do
golpe.
No entanto, não resisto a transcrever um pequeno excerto do
texto do Rosado da Luz: “Os regimes são sempre feitos por pessoas e as
pessoas aprendem e adaptam-se. Se as pessoas que detêm o poder forem as mesmas
ou tiverem os mesmos interesses, bem podem rebaptizar os conceitos, bem podem
mudar as palavras ou as formas, que os conteúdos, ou as realidades, não mudam.”
E achei interessante que no último parágrafo do seu
depoimento recorda a visita guiada que fez na manhã do dia 26 à sede da
DGS/PIDE, acabada de ser ocupada pelos fuzileiros, na companhia do Luís Costa
Correia. Uma outra saga de que só costumo falar em tertúlias reservadas com
amigos ou com pessoas interessadas que me convidam para isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário