Consegui viver seis décadas sem perceber o mundo da finança nem
entender “financês”, fosse ele nacional ou internacional. Confesso que até
tinha algum desdém por quem se preocupava com as questões do capital. Gosto de
pensar que é uma característica genética mas sou capaz de admitir algum
preconceito ideológico.
A crise financeira e a torrente de termos anglo-saxónicos
debitados pelos analistas e comentadores que brotam na comunicação social veio
perturbar, e de que maneira, o meu sossego. Os swaps e os futures, os hedge e os private equity funds, a leverage
e a debt, passaram a martelar-me a
cabeça e obrigaram-me a fazer o que julgava ser impossível. Primeiro procurar o
significado dos palavrões (abençoados sites da Investopedia, do Financial Times
Lexicon, e outros similares!), depois ler artigos da especialidade cada vez
mais técnicos (pasmo-me!) e, por fim, estudar livros de economia! Estou
empanturrado de matéria indigesta mas conformado porque conclui que não sou o
único ignorante; estou acompanhado pela maioria dos políticos, dos analistas e
dos comentadores responsáveis pelo meu desassossego.
Recentemente, o colapso do BES colocou na ribalta pública o
conceito do ring fence. Teria sido
uma das várias orientações do banco central que entrou a 100 e saiu a 200 das
cabeças dos administradores do grupo. Não certamente porque estivessem no mesmo
estado de ignorância que eu. Acredito até que o conceito lhes era bem familiar,
em especial quando transferiam e protegiam a sua riqueza do lobo
mau dos impostos, de preferência em offshores
ou no santuário luxemburguês.
Mas eu, talvez por influência das bandas desenhadas juvenis,
sempre que ouvia falar em ring fence pensava
nas pradarias americanas e nas artes de conduzir e cercar o gado. Vinham-me logo
à memória histórias fantásticas, de um mundo distante, cheio de bons e maus,
ladrões e justiceiros. É certo que nelas apareciam sempre uns pistoleiros feios
e malandros mas o herói, forte e invencível, punha-os na ordem e acabava escolhido
pela miúda mais gira.
Depois do estoiro do império dos primos e associados, fiquei
a saber que ring fence é afinal um
faz-de-conta numa história sem graça nenhuma. Uma história onde só há
bandoleiros, onde não há herói nem miúda gira.
Que desilusão!