quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Pódio





Dos meus livros de 2014?
Em terceiro lugar "O Capital no Século XXI", de Thomas Piketty, um ensaio sobre a realidade.
Em segundo, "Galveias", de José Luís Peixoto, um romance da portugalidade.
Em primeiro, a edição bilingue de "As Portas Que Abril Abriu" de Ary dos Santos, pelo Portuguese Studies Program do Institute of European Studies da University of California, Berkeley, um poema à realidade, à portugalidade, e acima de tudo, à Liberdade!

Sobrevivência



Em 1872, Émile Boutmy definia assim a missão do ensino superior da ciência política:
"Constrangidos aos direitos da maioria, as classes que se consideram a si próprias como classes superiores não podem conservar a sua hegemonia política se não invocarem o direito do mais capaz. É preciso que, por trás do fórum decrépito das suas prerrogativas e da tradição, a vaga da democracia enfrente uma segunda muralha feita de méritos brilhantes e úteis, de superioridade cujo prestígio se impõe, de capacidades de que não possamos privar-nos se não estivermos dementes."

Foi por instinto de sobrevivência perante o avanço da democracia que as classes privilegiadas abandonaram o ócio e inventaram a meritocracia.

Hoje basta dominarem a banca e as instituições supranacionais.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Ladrões há 150 anos



"Toda a gente sabe que o frio está insuportável, e que quem não anda bem agasalhado soffre inclemencias. Pois o sr. José Garrido, sebeiro, tambem é d'esta opinião, e carecendo de albernoz envergou hontem um na feira da ladra, enamorou-o, e ficou captivo.
Captivo?
- Captivo do bom panno do albernoz, e captivo pelo ter roubado ao seu proprietario o sr. Francisco Prudencio Apolinario, respeitavel adello, que estabelece a sua tenda ambulante n'aquelle mercado de bagatellas todas as terças feiras."

Como eram mais interessantes as notícias sobre ladrões há 150 anos! E  nesse tempo podia ainda ler-se no Diário de Notícias:

"Não temos noticia de nenhum acontecimento notavel da politica do nosso paiz. Continuam a circular boatos desencontrados àcerca da substituição de algum ou alguns dos cavalheiros que constituem o gabinete, indigitando-se sobretudo vários nomes para a pasta da marinha, e affeiçoando-os cada grupo às suas predilecções pessoaes ou partidarias. A espectativa publica, porém, está fixa na abertura do parlamento."

Já então o mar era um desígnio dos boatos nacionais!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Quando os Pais Acreditavam no Menino Jesus

Namaacha, Natal de 1957

O miúdo gostava do Natal. Por muitas razões, sabe-se lá qual a mais importante.

Era uma época em que sentia os pais ainda mais felizes. Estivesse a família onde estivesse, fosse em Lourenço Marques, em Inhambane, em Palhais, na Namaacha ou em Quelimane, era sempre um tempo de alegria.

Os pais diziam que naquela noite vinha o menino Jesus e que deixava prendas para quem se portasse bem. Para o receberem, adultos e crianças, preparavam um presépio com os materiais apanhados no mato. Faziam o melhor que sabiam e podiam para criar o presépio mais bonito das redondezas.

E a verdade é que, fosse pela beleza do presépio ou fosse pelo comportamento do miúdo, ano após ano, fizesse calor ou fizesse frio, em Moçambique ou em Portugal, o menino Jesus não falhava. Em cada dia de Natal, ao acordar, o miúdo ia espreitar o sapato deixado junto do presépio e lá estava ele, rodeado de prendas.

Seguia-se o ritual da abertura dos embrulhos, uma festa para todos, em especial para os pais. O miúdo não percebia bem porquê, eram só brinquedos para ele e para a irmã, mas parecia que os pais ficavam tão ou mais felizes do que eles.

O Natal tinha assim uma magia que o miúdo não queria perder. Mesmo quando a escola das brincadeiras de rua lhe ensinou que o menino Jesus não existia e que eram os pais que lhe davam os brinquedos, o miúdo calou-se bem calado e continuou como se nada soubesse.

Mas o avô José Francisco é que não estava muito satisfeito com a situação.
– Um matulão e ainda acredita no menino Jesus? Não pode ser! – terá ele pensado. E assim que achou oportuno, perguntou de chofre:
– Ouve lá, tu ainda acreditas no menino Jesus? Claro que o miúdo não podia mentir, em especial àquele avô, e respondeu naturalmente:
– Não, mas tenho de fingir por causa dos meus pais.

O miúdo não sabe o que o marcou mais, se a expressão de gozo do avô se a desilusão dos pais quando este lhes contou o que tinha descoberto. O que sabe é que o Natal não voltou a ser o mesmo, apesar do menino Jesus ter continuado a trazer brinquedos para a irmã mais nova.

Que saudades de quando os pais acreditavam no menino Jesus!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A Cerca Furada


Consegui viver seis décadas sem perceber o mundo da finança nem entender “financês”, fosse ele nacional ou internacional. Confesso que até tinha algum desdém por quem se preocupava com as questões do capital. Gosto de pensar que é uma característica genética mas sou capaz de admitir algum preconceito ideológico.

A crise financeira e a torrente de termos anglo-saxónicos debitados pelos analistas e comentadores que brotam na comunicação social veio perturbar, e de que maneira, o meu sossego. Os swaps e os futures, os hedge e os private equity funds, a leverage e a debt, passaram a martelar-me a cabeça e obrigaram-me a fazer o que julgava ser impossível. Primeiro procurar o significado dos palavrões (abençoados sites da Investopedia, do Financial Times Lexicon, e outros similares!), depois ler artigos da especialidade cada vez mais técnicos (pasmo-me!) e, por fim, estudar livros de economia! Estou empanturrado de matéria indigesta mas conformado porque conclui que não sou o único ignorante; estou acompanhado pela maioria dos políticos, dos analistas e dos comentadores responsáveis pelo meu desassossego.

Recentemente, o colapso do BES colocou na ribalta pública o conceito do ring fence. Teria sido uma das várias orientações do banco central que entrou a 100 e saiu a 200 das cabeças dos administradores do grupo. Não certamente porque estivessem no mesmo estado de ignorância que eu. Acredito até que o conceito lhes era bem familiar, em especial quando transferiam e protegiam a sua riqueza do lobo mau dos impostos, de preferência em offshores ou no santuário luxemburguês.

Mas eu, talvez por influência das bandas desenhadas juvenis, sempre que ouvia falar em ring fence pensava nas pradarias americanas e nas artes de conduzir e cercar o gado. Vinham-me logo à memória histórias fantásticas, de um mundo distante, cheio de bons e maus, ladrões e justiceiros. É certo que nelas apareciam sempre uns pistoleiros feios e malandros mas o herói, forte e invencível, punha-os na ordem e acabava escolhido pela miúda mais gira.

Depois do estoiro do império dos primos e associados, fiquei a saber que ring fence é afinal um faz-de-conta numa história sem graça nenhuma. Uma história onde só há bandoleiros, onde não há herói nem miúda gira. 
Que desilusão!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Se eu pudesse...




Se eu pudesse
ir para a escola
quando me apetece
jogar à bola
sem me chatear com quem me aborrece!


Se eu pudesse
fazer magia
para tornar a fruta que apodrece
torná-la madura e entregar-me a uma matilha.

Se eu pudesse
viver num campo
chamar um ganso
que me leve para lá do monte
até que fique com espanto.

Se eu pudesse
proibir o mal
afastar o diabo
amar os outros
e tornar o mundo melhor.

Se eu pudesse
enganar a chuva
para tornar a chuva
em sol, montar uma
piscina, convidar os que
morrem de calor e mergulhar.

Se eu pudesse
ir a Bruxelas para
visitar o meu pai,
a Paris para ver a torre Eiffel e a
Itália ver a torre de Pisa.

Se eu pudesse
mas não posso
mas não faz mal
pois no futuro vão
inventar tudo e mais alguma coisa, 
mas até lá vou ser o que sou
o planeta é o que é.

E os meus sonhos não vão desaparecer,
mas sim duplicar.

De Mafalda Bettencourt Gamito (9 anos)