domingo, 20 de maio de 2018

Dia da Marinha

 


Quando partilhei no Facebook o cartaz da exposição patente no Museu de Marinha sobre a vida do Comandante Carvalho Araújo, as primeiras reacções, quase simultâneas, foram da sua bisneta Ana Guerreiro e da minha filha Joana Bettencourt. A Ana já escreveu que apesar de ter nascido 53 anos após a morte do seu bisavô José, sempre sentiu uma forte ligação com ele. Sei que a Joana, que nasceu pouco mais de 3 anos depois da morte do seu bisavô José, também sente uma forte ligação com ele.

Provavelmente nem a Ana nem a Joana conhecem os detalhes da ligação entre os seus bisavôs. O da Joana, então com 20 anos e 2º artilheiro do Navio da República Portuguesa “Augusto de Castilho”, conheceu o da Ana quando este, com 37 anos, assumiu o cargo de Comandante do navio em Agosto de 1918, há quase 100 anos.

Imagino que o 2º Artilheiro José Francisco Martins terá visto o 1º Tenente José Botelho de Carvalho Araújo entrar a bordo, terá conversado com outros elementos da guarnição sobre o novo Comandante, terão eventualmente comentado os rumores sobre o seu estado de saúde; mas estou certo que a partir daquele momento passou a ser o seu Comandante, aquele a quem devia total obediência na defesa da Pátria, mesmo com o sacrifício da própria vida. Já por duas vezes tinha lutado contra submarinos alemães, depois de se ter apresentado a bordo no último dia de 1917, e tudo indicava que voltaria a ter que lutar numa outra qualquer missão no mar.

Provavelmente o bisavô da Ana não terá tido oportunidade de conhecer bem o bisavô da Joana. É certo que ambos tinham as suas raízes em Trás-os-Montes, mas essa era a única afinidade entre eles. Quando o bisavô da Joana nasceu na casa da avó materna em Chaves, já o bisavô da Ana tinha frequentado os preparatórios na Academia Politécnica do Porto e ingressado na Marinha. E enquanto o bisavô da Joana se fez homem como marçano nas ruas de Lisboa, o bisavô da Ana cumpriu uma carreira brilhante como oficial da Armada, foi Deputado por Vila Real à Assembleia Constituinte da República e Governador do Distrito de Inhambane, em Moçambique.

Mas as circunstâncias históricas e a natureza do serviço na Marinha fizeram com que partilhassem dois meses das suas vidas a bordo do mesmo navio. E na madrugada de 14 de Outubro, o bisavô da Joana viveu um dos momentos mais dramáticos da sua quando testemunhou a morte honrosa do bisavô da Ana, a poucos metros do seu posto de combate.

Ouvi muitas vezes o bisavô da Joana homenagear a coragem e o comportamento do bisavô da Ana quando se sacrificou para salvar mais de duas centenas de passageiros do paquete "San Miguel", na maioria portugueses dos Açores. Talvez tenha sido essa a razão de um dia ter escolhido a mesma profissão dos bisavôs da Ana e da Joana e ingressado na Marinha.

E lembrá-lo foi a melhor forma de celebrar o Dia da Marinha, da Marinha deles e nossa.

sábado, 12 de maio de 2018

A Cidadania e a Fúria Desmatadora



No regresso do exercício matinal gostei de ver o grupo de jovens que limpava a mata junto ao Centro de Juventude de Oeiras. Desconheço as suas motivações assim como eles também não conhecem as razões do meu contentamento e muito menos a relação do seu acto com o que entendo ser o exercício pleno e bem-sucedido da cidadania.

Como já aqui disse, para mim a cidadania não é um código de boas maneiras, é uma relação de poder que envolve o povo soberano e todos os que, em seu nome, são chamados a governar, a administrar e a julgar. E nessa relação, o povo soberano que somos nós, cidadãos, perde sempre que os que são chamados a governar, a administrar e a julgar em seu nome, impõe a sua vontade contra os nossos interesses. É por exemplo o caso da fúria desmatadora que atingiu governo e autarquias depois da tragédia dos incêndios e que, no meu caso pessoal, obriga a abater pinheiros mansos que há décadas ajudei o meu pai a plantar. Tenho a certeza que o meu pai partilharia comigo a revolta pela destruição, em nome de uma muito suspeita política da floresta, da mata onde quis que depositasse as suas cinzas.

Mas também tenho a certeza que o meu pai ficaria tão contente como eu por ver a mata de Nova Oeiras ser poupada à loucura da desmatação nacional, ser bem preservada por um município que noutros locais não tem a mesma racionalidade e ser cuidada por um grupo de cidadãos jovens. É que foi ele que me ensinou que o exercício da cidadania é uma tarefa dura e que cada vitória, por mais pequena que seja, é conquistada dia-a-dia por cada um de nós, cidadãos deste país.