domingo, 1 de dezembro de 2019

A Fábrica de Santa Catarina



... ou divagações a propósito de umas conservas de atum.

Há uns dois anos a Joana trouxe-me dos Açores duas latas de filetes de atum com temperos da marca Santa Catarina. Não conhecia mas gostei da embalagem e do conteúdo. Interessei-me pela origem, a ilha de São Jorge, que conheci como João de Melo descreveu: “a ilha mais profundamente ilha dos Açores”. 

Gostei de saber que o atum era pescado por “Salto e Vara”, uma arte de pesca tradicional pouco predadora, que preserva a vida e o habitat dos golfinhos e permite aos pescadores capturarem apenas o peixe necessário sem pôr em risco outras espécies ou peixes mais pequenos. Por isso procurei perceber a história da fábrica que produzia tal produto de qualidade, num concelho e numa ilha com uma população de 3 773 e 9 171 habitantes, respectivamente (censo de 2011).

Recursos humanos 

Aprendi que a Fábrica de Santa Catarina, na Calheta, existe desde 1940. Que em 1995 foi desactivada pela Sociedade Corretora de São Miguel e reactivada com o apoio do município da Calheta. 

Que faliu em 2009 e o governo regional comprou-a por 1 euro e transformou-a numa empresa de capitais públicos por intervenção da Lotaçor - Serviço de Lotas dos Açores, para evitar o encerramento. Que é o principal empregador de São Jorge, na sua maioria mulheres que dificilmente encontrariam trabalho remunerado noutra área. Que o financiamento do governo regional de cerca de 13 milhões de euros para que se mantivesse em laboração desde então foi considerado contrário às regras europeias e denunciado pelos concorrentes. 

Que por ter 100% de capital público não é elegível para apoios do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas. 

Que segundo o relatório de contas de 2018 a dívida aos fornecedores é de 3,3 milhões de euros. Que o governo regional tenciona privatizar 80% do capital da Santa Catarina e que a sua recuperação requer um investimento da ordem dos 6 milhões de euros. 

Que há dias a Associação de Armadores da Pesca Artesanal do Pico se queixava que cinco dos seus associados não conseguiam receber valores que variam entre 20 e 50 mil euros correspondentes ao atum vendido durante a última safra à fábrica de Santa Catarina.

Trabalhadoras da fábrica de Santa Catarina

Sempre que encontro conservas Santa Catarina no supermercado, compro.
 
Porque gosto do produto. Porque vivi uma situação análoga à da Santa Catarina numa área de actividade do sector empresarial do Estado bem mais atraente e moderna que a conserveira. E acima de tudo, por solidariedade com as trabalhadoras da fábrica de Santa Catarina na Calheta e os pescadores de “Salto e Vara” do Pico.

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