terça-feira, 3 de setembro de 2019

De que lado estás?



Apesar da censura, a minha geração foi muito influenciada pela mensagem de intervenção e de protesto veiculada pela música tradicional norte-americana (folk music) da década de 1960, em particular da segunda metade. Numa época em que o francês era a língua estrangeira mais ensinada no liceu, a música em língua inglesa não merecia a atenção dos censores do regime e os jovens portugueses ouviam sem problema as canções que nos EUA eram bandeiras dos movimentos de defesa dos direitos civis e de protesto contra a guerra. Cantores politicamente comprometidos como Peter, Paul & Mary, os Byrds, Johnny Rivers, Judy Collins, Joan Baez e claro Bob Dylan, passavam na rádio, nos poucos programas que então divulgavam música anglo-saxónica.

Estes novos grupos e intérpretes que revolucionaram a folk music norte-americana eram inspirados e acompanhados por cantores veteranos como Pete Seeger, um activista censurado pelo macartismo na década de 1950. Canções repudiadas como "commie crap" nos anos 40 voltaram a ocupar as posições cimeiras das tabelas musicais. Entre elas estava a que talvez seja o hino mais duradouro do movimento operário norte-americano e o padrão das canções de protesto em língua inglesa durante décadas: “Which Side Are You On?”

A letra de “Which Side Are You On?” foi escrita em Fevereiro de 1931 por Florence Reece, mulher do organizador de uma greve de mineiros contra a redução unilateral de 10% do salário pela associação patronal, depois de a sua casa ser assaltada e ocupada pelo sheriff ao serviço dos patrões. Florence e os seus sete filhos foram sequestrados pelo sheriff e os seus homens enquanto esperavam pelo marido para o abaterem. Felizmente Sam Reece não voltou a casa naquela noite e na manhã seguinte Florence, revoltada, escreveu a letra para “Which Side Are You On?”, usando a melodia de uma balada tradicional que conta a história de uma jovem mulher que se veste de homem, alista num navio e participa em combates, em busca do namorado que tinha partido para a guerra.

Ao longo dos anos, “Which Side Are You On?” foi recriada e adaptada por inúmeros artistas sempre que esteve em causa a luta contra a desigualdade. Mas foram as versões de Peter Seger que a imortalizaram e que me inspiraram no final da década de 1960. Continuo a gostar dessas versões, mas hoje, talvez efeito da passagem dos anos, delicio-me também com a suavidade da interpretação de Natalie Merchant.

Mas qualquer que seja a versão que ouça, continuo a sentir o título da canção. Tal como quando foi criada há quase 90 anos, ou quando a conheci há 50 anos, se as coisas correm mal é necessário escolher um lado. Por isso hoje, quando a democracia enfrenta novos desafios, a liberdade é posta em causa e se acentuam as desigualdades resultantes de políticas erradas, volta a ser necessário escolher um lado, escolher entre o lado do ódio e da exclusão e o lado da justiça, da inclusão e da democracia. 

E tu, de que lado estás? Consciente e serenamente, com a serenidade que a voz de Natalie Merchant transmite, é tempo de cada um de nós voltar a escolher um lado.