quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Fuga do Ódio





 «Queres amar a vida e não te deixam. Tens de respirar o ódio, o insulto, o bafo azedo do vexame e isso faz-te mal. Emanações de um pântano de febres, de esgotos a céu aberto com o seu fedor de vómito. Um dos tormentos do inferno medievo era esse, o fedor - a essência da podridão. E o que te fazem respirar de uma flor, do aroma de existires? Porque é que o ódio é assim fundamental para os teus parceiros em humanidade existirem? Têm uma estrutura diferente de serem, Deus fabricou-os num momento de mau génio. Vale a pena irritares-te contra a existência da víbora ou do touro?»
Vergílio Ferreira, in 'Escrever'

Li o decreto-lei que reduz em 1,25% a taxa contributiva paga pelos empregadores privados à segurança social durante os meses de Fevereiro de 2017 a Janeiro de 2018 relativa aos trabalhadores ao seu serviço com contratos celebrados antes de 1 de Janeiro de 2017 e que tenham tido uma retribuição mensal média, nos meses de Outubro a Dezembro de 2016, entre 530 e 557 euros.
Quer isto dizer que a tão discutida redução da "TSU para os patrões", terá um valor máximo de 7€ se o trabalhador for aumentado 27€, de 530 para 557€, e só se aplica a um número bem definido e inalterável de contratos já existentes e por um período de tempo limitado. Ou seja, melhora os salários exíguos de trabalhadores já contratados e não influencia os novos contratos. É certo que a lei parece ter uma lacuna que permite ao empregador que já paga um salário de 557€, o novo salário mínimo, reduzir a taxa em 7€ sem que o trabalhador seja aumentado. Para a concessão da redução da taxa devia também ser obrigatório existir um aumento salarial mas esse é um detalhe que, sendo relevante, não invalida o mérito da medida.

Procuro pensar as questões sociais com objectividade, tanto quanto possível fora do debate ideológico esquerda-direita (seja lá o que isso for…) e nunca em função dos conflitos entre os partidos A e B ou as pessoas C e D. Nas questões laborais e, em particular, nas questões remuneratórias, entendo que a negociação colectiva é benéfica e esse é o único condicionalismo na minha avaliação desta redução da taxa contributiva paga pelos empregadores privados. Prefiro as convenções colectivas negociadas, sejam acordos de empresa, acordos colectivos ou contratos colectivos de trabalho, às imposições administrativas do Estado ou os contratos individuais de trabalho impostos pela entidade patronal ou negociados individualmente pelo trabalhador numa relação de poder quase sempre assimétrica.

É por isso que não concordo com os argumentos do PCP e do BE contra a medida. Que também não aceito as reticências do CDS quando fala das IPSS que já auferem de uma taxa geral inferior à taxa reduzida para o salário mínimo. E, obviamente, considero que a posição do PSD é condenável. Não porque seja de direita, seja veiculada por Passos Coelho ou seja, eventualmente, incoerente. É condenável porque está alinhada com a posição defendida pela liderança do PSD ao longo dos últimos anos a pretexto do famigerado ajustamento: eliminação da negociação colectiva, prevalência dos contratos individuais de trabalho com condições leoninas favoráveis ao patronato e imposição de regras de contratação laboral através de decretos, numa faina legislativa só comparável ao período mais inflamado do PREC. 

Claro que gostaria que o acordo não tivesse a lacuna que referi e excluísse as grandes empresas da concessão da redução da taxa. Mas dada a estrutura das empresas nacionais, julgo que os efeitos dessas condições seriam marginais. Este acordo aplica-se fundamentalmente às relações contratuais de micro e PMEs, que asseguram o emprego da esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses. E infelizmente, neste universo, é importante para os muitos trabalhadores que auferem o salário mínimo receber mais 24€ por mês e é problemático para muitas empresas gastar mais 20€ por cada um desses trabalhadores. É uma realidade triste que não se resolve com o repensar a continuação da actividade e fechar a loja como é defendido pelos adeptos das regras do mercado.

Mas nesta como noutras questões, pergunto como Vergílio Ferreira: “Vale a pena irritares-te contra a existência da víbora ou do touro?

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