quinta-feira, 7 de novembro de 2024

As eleições nos EUA

 


Ressalvando as especificidades das sociedades e dos sistemas políticos e constitucionais dos vários países, o que ocorreu nos EUA não pode deixar de ser uma fonte de reflexão para os democratas que se preocupam com as manifestações, em Portugal e no resto da Europa, da cada vez mais pujante “serpente” da intolerância e do autoritarismo antidemocrático.

Não podemos ignorar que o discurso populista de Trump e da sua corte tirou partido da revolta dos trabalhadores e da classe média norte-americana contra a forma como as elites políticas têm exercido o poder, em especial a partir da década de 1980. E que neste lado do Atlântico grassa o mesmo discurso populista entre os apoiantes da extrema-direita, alegadamente contra as mesmas práticas das elites políticas europeias.

Nas primeiras décadas do século passado, o totalitarismo impôs-se à sociedade, de cima para baixo, pela obediência à ideologia oficial de um Estado comandado por um chefe carismático, com um sistema de partido único e sindicatos corporativistas. Hoje, o capitalismo autoritário volta a tentar levar as pessoas à apatia, à obediência passiva e à despolitização; promete-lhes crescimento económico, concede-lhes a liberdade privada de comprar e vender e elimina ou restringe as liberdades públicas de mobilizar, participar e agir.

Assistimos de novo à atracção por regimes incompatíveis com a democracia formal ou liberal porque a democracia foi sendo corroída pela insegurança social, por políticas fortemente condicionadas pelo poder e pela ganância do sistema financeiro e do capitalismo globalizado, pelas desigualdades na distribuição da riqueza, pela assimetria de rendimentos, pela pobreza e suas consequências, pelas migrações políticas e económicas e pelo imobilismo partidário e sindical.

Reconheço que é difícil defender a democracia liberal com entusiasmo quando ela funciona tão mal e não dá respostas às preocupações dos cidadãos. E é ainda mais difícil quando a comunicação social e as redes sociais se tornaram um veículo poderoso de actuação dos populistas, guarda avançada dos defensores do capitalismo autoritário e inimigos da democracia representativa.

Formadores de opinião e políticos demagogos de verbo fácil, muitas vezes reduzido a meia dúzia de ideias e palavras, vão criando a ideia de um futuro de prosperidade se aceitarmos, desejavelmente por via eleitoral, um Estado economicamente austero, politicamente autoritário e ideologicamente nacionalista.

E quem governará esse Estado? As elites tecnocratas formadas na burocracia internacional, os proprietários e dirigentes das grandes empresas e os quadros das instituições financeiras. No fundo, os mais capazes de implantar o capitalismo autoritário como alternativa à democracia liberal.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

A crónica da minha extinção

 

No final de 1976, estava eu nos Açores como chefe do Serviço de Máquinas da corveta “João Roby”, quando decidi concorrer ao curso de engenheiro electrotécnico naval, na Naval Postgraduate School da Marinha dos EUA, em Monterey, Califórnia. Se fosse seleccionado e concluísse com sucesso o curso e o respectivo estágio, ingressaria depois na classe dos engenheiros de material naval do quadro de oficiais do activo da Marinha.

Após ter sido escolhido para frequentar o curso em Monterey, as chefias da Marinha decidiram que seria mais útil obter o grau de Master of Science in Mechanical Engineering em vez de Electrical Engineering, como inicialmente previsto. Em consequência fui matriculado no programa de Mechanical Engineering da Naval Postgraduate School onde obtive os graus de Master of Science in Mechanical Engineering e Mechanical Engineer, em 1979

Entretanto, para consagrar a decisão que a Marinha tomou em relação a mim e a outro camarada, o Estatuto do Oficial da Armada (EOA) foi alterado pela Portaria 76/79, de 12 de Fevereiro, tendo em vista a “criação de um ramo de engenheiro mecânico na classe de engenheiros de material naval”. Para além dessa criação, foram definitos os requisitos para o concurso e ingresso dos oficiais no novo ramo. 

Depois de ter preenchido todos esses requisitos, em 1980 ingressei na classe de engenheiros de material naval, no ramo de engenheiro mecânico naval, passando a exercer as funções que o EOA atribuía aos oficiais daquele quadro.

Podem por isso imaginar o meu espanto quando, seis anos depois, ao ler a Ordem da Armada, tomei conhecimento de que pela Portaria 59/86, de 20 de Fevereiro, era “extinto o ramo de engenheiro mecânico naval da classe de engenheiros de material naval, criado pela Portaria 76/79, de 12 de Fevereiro”!

Sem qualquer aviso ou explicação prévia, fiquei a saber pela Ordem da Armada que a minha carreira naval estava irremediavelmente comprometida. Para além da extinção do meu ramo profissional e das respectivas funções, a Portaria do Ministério da Defesa Nacional não estabelecia qualquer medida transitória para os oficiais, no caso dois, que tinham ingressado de forma regular e de acordo com as regras definidas no EOA, no quadro da classe de engenheiros de material naval, como engenheiros mecânicos navais!

Claro que solicitei imediatamente o esclarecimento da minha situação na Marinha dado que tinha deixado de ser abrangida pelo EOA, mas ninguém conseguiu dar uma explicação razoável. Foi aliás evidente a atrapalhação de quem esteve envolvido na elaboração do diploma, desde logo da divisão do EMA de onde emanou.

Após quatro meses de tentativas dos responsáveis para justificar o injustificável, foi publicada uma nova Portaria 270/86, de 4 de Junho, que repetia a anterior com dois acrescentos: uma “desculpa de grumete” dando conta que “a Portaria 59/86, de 20 de Fevereiro, (…) por lapso, não continha o n.º 3.º que dela fazia parte integrante no projecto” e o tal n.º 3.º a esclarecer que “enquanto se verificar a existência, no quadro da classe de engenheiros de material naval, de oficiais habilitados com o curso de engenheiro mecânico naval são-lhes aplicáveis as disposições legais que sobre o extinto ramo de engenheiro mecânico naval se encontravam em vigor e manterão as letras designativas do ramo a que pertenciam.”

Assim ficou (mal) esclarecida a minha situação estatutária na Marinha e por isso, a partir daquele momento, mantive bem visível no meu gabinete de trabalho a ilustração, feita a partir da caricatura oferecida pelo camarada e amigo Nelson Leal, que traduzia fielmente o que sentia: estava extinto! 

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

As (contra)partidas da vida



A vida propicia experiências diversas e inesperadas, umas boas, outras más, umas marcantes, outras nem tanto. Destas últimas, a maior parte é atirada para o baú do esquecimento e só circunstâncias muito particulares nos fazem revisitá-las. É o caso desta vivência que as recentes notícias sobre o julgamento do processo BES/GES me levaram a retirar do baú.

Algures a meio da primeira década do século XXI, tinha deixado a Marinha há poucos anos e trabalhava numa empresa de sistemas e tecnologias de informação, conheci um tipo simpático, da minha idade, de sua graça, Miguel. Era consultor de uma empresa do Grupo Espírito Santo (GES), a Escom - Espírito Santo Commerce, presidida por um seu irmão, também Miguel. Dizia o Miguel que eu conheci que todos os homens daquele ramo da família eram Miguel… istas.

O nome Miguel tem para mim um significado especial, mas, para além disso, o Miguel que eu conheci era naturalmente simpático. Apesar de se movimentar num meio politico-financeiro e representar interesses de que eu desconfiava, era de uma simplicidade desconcertante. Dizia que gostaria de ter sido militar, mas só descobriu a vocação depois do 25 de Abril, quando já não tinha idade para isso. Depois de passar pelo MRPP, onde conheceu gente conspícua da política como o Durão Barroso ou a Ana Gomes, dedicou-se a observar o mercado dos equipamentos militares, convencido de que Portugal um dia iria comprar helicópteros e submarinos.

De facto, a Escom acabou por intermediar a compra dos submarinos ao consórcio alemão GSC e dos helicópteros EH101 à Agusta-Westland, e o consultor Miguel apareceu na empresa onde eu trabalhava com a incumbência de nos fazer participar no programa das contrapartidas daquelas aquisições. Em tese, os fornecedores dos submarinos e dos helicópteros tinham de assegurar negócios com empresas portuguesas num montante igual ao valor daqueles contratos de aquisição (muitas centenas de milhões de euros!).

O Miguel não hesitava dizer que não percebia nada de contrapartidas, mas que apesar disso era o único consultor da Escom no assunto. E afirmava que o BES era o banco que podia fazer com que as contrapartidas resultassem, mas acrescentava logo que o BES não percebia nada de contrapartidas!

Fosse porque o negócio das contrapartidas nunca me entusiasmou, fosse porque o Miguel e a Escom também se afastaram dele porque, segundo o Miguel, não se queriam ver envolvidos nos esquemas de “facturas falsas” que, de acordo com o Ministério Público, algumas empresas terão cobrado como contrapartidas dos submarinos, nunca mais o encontrei.

Uns anos depois, em 2014, soube que participou na repartição de 16,5 milhões de euros, provenientes do consórcio alemão GSC, divididos equitativamente entre quatro responsáveis da Escom. O conselho superior do GES terá ficado com 5 milhões.

Cerca de um ano depois, o Miguel que eu conheci entrou com um processo de insolvência pessoal na Instância Central na 1ª Secção do Comércio em Lisboa. A insolvência do Miguel foi apresentada com um único credor: o Novo Banco, sucessor do BES.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

O Diário de Notícias de New Bedford

 


Quando o meu amigo José Ávila recordou no Facebook um artigo do Açoriano Oriental sobre o jornal Diário de Notícias de New Bedford que acolheu opositores e defensores do regime de Salazar durante os anos da ditadura e da censura, não descansei enquanto não li o que nele era publicado. A tarefa foi facilitada porque as mais de 84 mil páginas do jornal, desde que foi criado em 1919 até ser encerrado em 1973, estão disponíveis desde 2009 num arquivo digital criado pelo Centro de Dartmouth para Estudos e Cultura Portuguesa, da Universidade de Massachusetts.

Devo confessar que tem sido muito agradável percorrer as várias edições do jornal desde a fundação como Alvorada até ao fim como Diário de Notícias, título que adoptou a partir de 3 de Janeiro de 1927, “por ser este o mais apropriado em virtude do papel que esta publicação desempenha no meio da Colónia Portuguesa, levando, todos os dias úteis, ao lar de quasi todas as famílias que a compõem as ultimas noticias do que se passa pelo mundo, sendo também o único meio pelo qual, dia a dia, os comerciantes, tanto nacionaes como portugueses, podem dar conhecimento aos seus numerosos leitores e aos portugueses em geral do que teem para vender”, conforme se lia no comunicado da direção da Alvorada Publishing Company, Inc.

O Diário de Notícias de New Bedford era de facto um jornal eclético e nele encontrei as mais diversas e divergentes opiniões políticas, assim como notícias sobre tudo, desde os conflitos mundiais até às doenças ou nascimentos de membros da comunidade. Calculem que até encontrei uma notícia de 21 de Fevereiro de 1950 onde um agrónomo afirmava que Moçambique possuía dois dos melhores cafés do mundo. Segundo ele “na colónia se continua a importar café para consumo, com encargos de alguns milhares de contos, quando Moçambique podia ser exportador.” E citava dois cientistas britânicos, McDonald e Cheney, que afirmaram que o café de Inhambane era um dos melhores, senão o melhor café: “Aromático, com bom paladar, fraca percentagem de cafeína, cor pouco carregada, o café de Inhambane tanto pode ser usado puro como lotado com outros cafés. Mesmo puro, é um bom café.” Como já aqui contei, o meu Pai pensava o mesmo e tudo fez para que Moçambique se tornasse uma colónia exportadora de café. Até que, em 1959, Salazar proibiu a cultura do café em Moçambique e transferiu o meu Pai para Angola.

Mas de entre os vários textos de opositores do regime no poder em Portugal, achei particularmente interessantes os da coluna “Daqui Lisboa…” assinada por C. O Copilot respondeu-me que aquelas crónicas, fortemente críticas de Salazar e dos seus ministros, eram enviadas pelo jornalista Carlos de Oliveira de Lisboa. Não pude confirmar, mas deliciei-me com “O Dr. Sim-Sim”, “A Voz do Sr. Ministro”, “O Talentoso Funcionário”, “Os Desordeiros” e tantos outros excelentes textos do misterioso C. Mas “O Retrato”, publicado em Abril de 1950, destacou-se e, por isso, não resisti a partilhar com a devida vénia:

Sobre a banca de trabalho de Sua Excelência, à sua esquerda, que é o lado do coração, numa sóbria e linda moldura de prata, havia um retrato de Mussolini, com um autógrafo de letra bem talhada, em que o italiano significava em palavras calorosas o seu apreço pelo camarada português. Benito mandara-lhe aquela lembrança num momento de enternecimento, num daqueles rasgos de alma generosa que tanto o caracterizavam. Com os olhos postos na face voluntariosa e enérgico, na mandíbula grossa e naqueles olhos que pareciam fitá-lo e dizer: — Continua, que estás a agradar! Sua Excelência foi tecendo a rede enleadora de leis, decretos, discursos e notas oficiosas com que durante tantos anos nos mimoseou, no áureo período da Ditadura Nacional. Mas os tempos correram, a guerra acabou e Mussolini apareceu uma bela manhã, numa praça de Milão, pendurado de cabeça para baixo. Sua Excelência apressou-se, então, a meter retrato e moldura na gaveta, e nesse mesmo dia proclamou ao mundo que vivíamos, não em Ditadura, como a oposição fazia crer, mas em Democracia Orgânica e que as nossas eleições eram tão livres como as da livre Inglaterra. E tudo isto, apenas, porque lhe fez impressão, uma impressão terrível, saber que o pobre havia sido pendurado de cabeça para baixo. A sensibilidade deste homem doe-se com as desgraças, aflige-se, atormenta-se. Na gaveta o retrato estava melhor.

Ora como na vida tudo esquece, graças a Deus, e sobre aquela cena de Milão já passaram mais de cinco anos e é coisa assim distante como os grandes acontecimentos da História, dizem que de noite, naquelas serenas noites de trabalho em que Sua Excelência vela por nós, não resiste à tentação e vai à gaveta. Retrato e moldura vêm de novo para cima da banca de trabalho e o namoro continua, um namoro romântico, cheio de lágrimas e ais, mas bonito na sua fidelidade e na sua constância. O falecido parece que está vivo. A mesma força na expressão dura, o mesmo querer e o mesmo queixo, o mesmo olhar de águia vitoriosa. Sobre ele passaram os grandes desastres da Grécia, as batalhas navais do Mediterrâneo em que foi tudo para o charco, o Corporativismo falido, o fascio com as varas partidas e uma para cada lado, e a verdade é que ali o grande homem continua como se nada se tivesse passado, magnifico como sempre, radiante da sua força e do seu poder. Sua Excelência olha e suspira, arranca do peito ais de saudade e paixão, e ele, forte, perseverante, diz-lhe que não chore, que não seja piegas, que continue, porque a sorte não o abandonará.

São assim, agora, dolorosas as noites de Sua Excelência. Quando todos os familiares recolhem, quando em São Bento cai a paz da noite, em segredo, ele saca da gaveta o retrato amado e cumpre a santa devoção de adorar o morto querido. E só assim sente algum ânimo para o trabalho.

Dizem que já depois disso outros políticos lhe mandaram o retrato. O Franco que também é um sujeito animoso, o Chang-Kai-Chec das mãos limpas, o reabilitado Dr. Schatz, e até o imperador do Japão, o lacrimoso Hiroito, mas Sua Excelência naquele é que tem fé. De dia não, porque não gosta que lhe conspurquem a intimidade da sagrada adoração, mas de noite, quando todos dormem, é para o Benito que vão as suas lágrimas piedosas e é do Benito que lhe vem ainda algum alento.—C.

sábado, 17 de agosto de 2024

O último adeus

 


Há um ano, recolhi a senha na entrada do hospital e subi ao SO. Como era habitual desde que estava internada, ia estar trinta minutos com a minha Mãe e dar-lhe o jantar.

Ao entrar no quarto, vi logo o letreiro “dieta zero”, por cima da cabeceira, mas não quis entender o que significava. Sabia a resposta, mas mesmo assim perguntei à enfermeira se não lhe podia dar o jantar. Respondeu que não.

A minha Mãe estava muito serena e lúcida. Conversámos sobre muitas coisas e, no final, pediu-me que a levasse para junto do seu amor, no terreno da casa onde nasceu.

Voltei a fingir que não entendia. Trocámos beijos e um longo abraço, e disse-lhe: Até amanhã, Mamã.

Não me respondeu.

Foi o nosso último adeus. Partiu vinte minutos antes de o dia acabar.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

"As Mãos dos Pretos"

Quando os autoproclamados “patriotas” promovem e praticam o ódio racial na comunicação social, nas redes sociais e nas ruas dos EUA, do Reino Unido ou de Portugal, apetece-me lembrar o menino de um dos mais belos contos que li: “As Mãos dos Pretos” de Luís Bernardo Honwana, pseudónimo literário do moçambicano Luís Augusto Bernardo Manuel, nascido em 1942.

As Mãos dos Pretos” é um dos sete contos do primeiro livro de Luís Bernardo Honwana, “Nós Matámos o Cão Tinhoso”, editado pela Sociedade de Imprensa de Moçambique, em 1964. O livro foi logo apreendido pela PIDE.

Durante a minha infância em Moçambique, muitas vezes perguntei porque é que as palmas das mãos dos pretos eram mais claras do que o resto do corpo. E tal como o menino do conto, obtive as mais diversas respostas. Não me lembro das minhas, mas o menino do conto registou as do Senhor Professor, do Senhor Padre, da Dona Dores, do Antunes da Coca-Cola, do Senhor Antunes, do Senhor Frias, do livro que falava dos que apanhavam o algodão branco da Virgínia, da Dona Estefânia, mas nenhuma o satisfez.

Só a mãe do menino deu uma resposta que satisfez e que foi mais ou menos isto:
«Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver…. Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para casa deles para os pôr a servir de escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos, porque os que já se tinham habituados a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem é apenas obra dos homens…Que o que os homens fazem é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos».

E o menino completa o seu registo dizendo-nos:
«Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fui para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.»

sábado, 3 de agosto de 2024

"Rosas de Ermera"

 



Em 2018, a RTP2 transmitiu os dois episódios do documentário “Rosas de Ermera”, de Luís Filipe Rocha. A partir das memórias dos irmãos sobreviventes, Maria e João, contou-nos a história da família de José Afonso em Moçambique (Lourenço Marques), Coimbra e Timor.

Poucas semanas antes do início da 2ª Guerra Mundial, a família separou-se em Lourenço Marques: os pais e a Maria, com 7 anos, viajaram para Timor, onde o pai assumiu as funções de juiz; os irmãos João e José, com 11 e 10 anos, viajaram para Coimbra, para casa de uma tia paterna. É a saga da Maria e dos pais depois da ocupação de Timor pelas tropas japonesas que Luís Filipe Rocha nos conta com grande detalhe. Mas também nos relata, através do testemunho do irmão João, o que os dois irmãos sentiram quando, habituados à liberdade que usufruíam em Moçambique, foram confrontados com o ambiente opressivo de Coimbra.

Identifiquei no testemunho do irmão João Afonso dos Santos muito do que vivi quando com 9 anos vim com os meus pais e a minha irmã de Moçambique para Lisboa. Por isso, mas não só, gostei de rever o documentário de Luís Filipe Rocha que a RTP2 voltou a transmitir na madrugada do passado dia 1, desta vez como filme com a duração de pouco mais de duas horas.

Pode ser visto na RTP Play. Vale a pena.