segunda-feira, 21 de junho de 2021

Retratos do Colonialismo Português

Desde miúdo que me lembro de ouvir falar do primeiro emprego da minha mãe na sede da Companhia de Diamantes de Angola na Rua dos Fanqueiros, na conhecida Diamang, e do seu patrão, o comandante Vilhena, o causador de alguns arrufos no namoro com o meu pai. É que o Capitão-de-fragata Ernesto Vilhena, um oficial de Marinha monárquico que foi ministro da República, administrador colonial e de muitas importantes empresas e bancos e próximo de Salazar, era um ditador que obrigava todos os trabalhadores a perguntar-lhe se determinava alguma coisa antes de saírem no fim do dia de trabalho, às 18 horas. O ritual trazido da Marinha fazia com que se formasse uma longa fila à porta do gabinete do patrão e a minha mãe, por mais que fizesse para ser das primeiras a despedir-se, acabava por fazer o meu pai esperar na porta do prédio quando a ia buscar ao emprego. Como o meu pai nunca gostou de esperar, o atraso involuntário acabava por provocar um amuo que só passava algum tempo depois.

Vem esta memória a propósito da primeira apresentação pública de parte do arquivo fotográfico da Companhia de Diamantes de Angola, a Exposição “O Silêncio da Terra: visualidades (pós)coloniais intercetadas pelo Arquivo Diamang”, na Galeria do Paço e no Museu Nogueira da Silva (Universidade do Minho) e patente ao público entre 30 de Junho e 10 de Setembro de 2021.

Trata-se de um acervo fotográfico impressionante que nos conta por imagens o que era na prática um Estado dentro do Estado colonial português. No território concessionado à Diamang na Lunda, os funcionários europeus gozavam de um regime privilegiado (a minha mãe trabalhou na secção de compras no final da década de 1940 e conta que nada lhes faltava, até túlipas eram importadas da Holanda para serem enviadas para a Lunda) enquanto o trabalho forçado dos africanos foi uma constante até finais da década de 1960. E não se verificava só na mineração, ocorria também nos campos agrícolas, onde mulheres e crianças trabalhavam para alimentar milhares de pessoas.

Das muitas fotografias da exposição, escolhi duas pelo seu significado particular. Na primeira fotografia é registada a visita de diplomatas belgas e do governador do distrito de Benguela a um dos sectores da mina. 



A segunda fotografia é da Estação Central de Escolha de Andrada e merece uma explicação mais detalhada.




Nas estações centrais de escolha, onde se separavam os diamantes dos outros resíduos de rocha, o trabalho era muito duro e os homens eram obrigados a lá permanecer sem contacto com o exterior durante três ou mais meses. Para impedir o roubo e o tráfico de diamantes, a vigilância era apertadíssima e os homens só deixavam a central ao fim de meses, nus e sujeitos a uma inspecção corporal rigorosa.

Pois a segunda fotografia é da visita à Estação Central de Escolha de Andrada, em 1951, do sociólogo Gilberto Freyre, o criador do luso-tropicalismo e do mito da benignidade da colonização lusa que a propaganda do Estado Novo adoptou a partir da década de 1950. Nela vemos o visitante a assistir, com outros convidados e funcionários da empresa, a um momento de lazer em que trabalhadores africanos dançam uns com os outros. Separa-os uma rede que parece transformar o pátio onde decorre o “baile” numa jaula.

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