quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Aníbal Jardim Bettencourt - Agrónomo, Fitopatologista e Geneticista

 



I. Introdução e Enquadramento Histórico

I.1. A Crise Fitopatológica e a Resposta Agronómica Portuguesa

Aníbal Jardim Bettencourt (1924–2015) emerge como uma figura central na agronomia tropical portuguesa do século XX, cuja vida e obra se dedicaram integralmente à salvaguarda de uma das culturas economicamente mais importantes a nível global: o cafeeiro. A sua carreira desenvolveu-se num período de intensa mobilização científica portuguesa, impulsionada pela necessidade de combater a ameaça fitopatológica mais grave que pairava sobre a produção mundial de Coffea arabica: a ferrugem alaranjada, causada pelo fungo biotrófico Hemileia vastatrix.

A obra de Aníbal Jardim Bettencourt está intrinsecamente ligada ao Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), uma instituição de vanguarda criada em Portugal para responder a esta crise. O trabalho do engenheiro agrónomo transcendeu as fronteiras nacionais, focando-se na pesquisa fundamental e aplicada de mecanismos de resistência genética, essenciais para garantir a sustentabilidade da cultura em regiões tropicais, especialmente após a deteção e expansão da doença em África e, posteriormente, nas Américas.[1] A sua atuação representou um esforço coordenado da ciência portuguesa em resposta a uma vulnerabilidade agrícola de alcance transnacional.

I.2. Necessidade de Rigor Biográfico e Distinções


Dada a recorrência de nomes em círculos académicos portugueses, é fundamental estabelecer a identidade e o foco do indivíduo em análise. Este estudo dedica-se exaustivamente ao engenheiro agrónomo Aníbal Jardim Bettencourt, nascido em 1924 em Moçambique, geneticista e investigador principal do CIFC-IICT.[2]

É imperativo distinguir esta figura central da agronomia tropical de um homónimo anterior, o Professor Aníbal Bettencourt (sem o "Jardim"), que foi uma figura proeminente na medicina e veterinária portuguesa da primeira metade do século XX. O Professor Aníbal Bettencourt foi professor catedrático de Parasitologia e Patologia Exótica na Escola Superior de Medicina Veterinária, chefe de serviço do Instituto de Agronomia e Veterinária, e participou em missões para o estudo da bilharziose.[3] Embora ambos estivessem ligados às ciências agrárias e tropicais, o foco do Professor Aníbal Bettencourt (medicina) e o do Engenheiro Aníbal Jardim Bettencourt (genética do cafeeiro) são distintos. A confusão de identidades seria um erro de escopo que comprometeria a análise da sua contribuição única para o melhoramento genético.[3, 4] O Agrónomo, que é o objeto deste estudo, pertence à geração subsequente e concentra o seu legado no combate à Hemileia vastatrix

II. Percurso Biográfico e Carreira Institucional em Moçambique (1924–1959)

II.1. Formação Académica e Início da Carreira

Aníbal Jardim Bettencourt nasceu em Moçambique em 1924, o que estabeleceu a base para a sua profunda ligação com os desafios da agricultura tropical.[2] Para a sua formação superior, deslocou-se para Portugal, onde obteve o grau de Engenheiro Agrónomo e, posteriormente, o título de Doutor em Agronomia, ambos pelo prestigiado Instituto Superior de Agronomia (ISA) de Lisboa.[2] O ISA, situado na Tapada da Ajuda, tem sido historicamente um centro de excelência no desenvolvimento e difusão do saber tropical em Portugal.[5]

II.2. Experiência Prática na Direcção de Agricultura e Florestas

O início da sua carreira profissional ocorreu no Ultramar, onde trabalhou na Direcção de Agricultura e Florestas de Moçambique durante dez anos, de 1949 a 1959.[2] Este período foi determinante, pois coincidiu com um grande impulso no desenvolvimento económico e agrícola das colónias portuguesas.

Durante a década de 1950, Aníbal Jardim Bettencourt ascendeu a cargos de elevada responsabilidade. Entre 1951 e 1959, exerceu as funções de Chefe da Repartição de Agricultura e Florestas e, por acumulação, atuou como Delegado da Junta de Exportação do Café, ambos em Moçambique.[2] Nesta função operacional, a sua atividade concentrou-se no desenvolvimento da cultura cafeeira local, que incluía tanto o C. arábica como o C. racemosa, e na implementação de estações experimentais.[2]

A sua experiência em Moçambique terminou com um revés que influenciou significativamente a sua trajetória subsequente. O seu testemunho documenta um estado de profunda desilusão e mesmo "depressão" após a notícia do fim da cultura do café em Moçambique.[2] Esta interrupção abrupta dos projetos e das atividades que coordenava, em consequência de decisões administrativas e políticas do poder colonial, sugere que a sua posterior transição para a investigação pura e fundamental no CIFC não foi apenas uma progressão de carreira, mas uma reorientação estratégica, permitindo-lhe procurar soluções científicas permanentes (genética e fitopatologia) que pudessem transcender a instabilidade e as decisões políticas do tempo colonial. A sua base de conhecimento prático em Moçambique, contudo, forneceu o contexto indispensável para a sua investigação posterior no CIFC.

III. A Fundação Científica: O Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC)

III.1. Transição para a Investigação Especializada

Em 1960, Aníbal Jardim Bettencourt iniciou a fase mais decisiva da sua carreira, voltada inteiramente para a investigação especializada. Iniciou um estágio no Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), uma unidade de investigação de elite da Junta de Investigações do Ultramar.[2]

O CIFC era um polo de excelência em fitopatologia e genética tropical, fundado pelo Professor Branquinho d'Oliveira para enfrentar a ameaça da ferrugem. Após o estágio, Aníbal Jardim Bettencourt foi integrado na equipa, trabalhando em comissão de serviço como funcionário do Instituto do Café de Angola.[2] O modelo de financiamento do CIFC, assegurado pela Junta de Investigações do Ultramar e, notavelmente, pelo Instituto do Café de Angola [2], revela a estratégia geopolítica subjacente à investigação portuguesa: a ciência metropolitana era diretamente instrumentalizada para proteger os interesses económicos e a produção ultramarina de café contra pragas devastadoras.

III.2. Carreira Pós-Colonial e Aposentação

Após as mudanças políticas de 1974–1975 e o fim do Império Português, a maioria das estruturas de ciência tropical foi reestruturada. Em 1975, Aníbal Jardim Bettencourt integrou o quadro de pessoal da Junta de Investigações Científicas do Ultramar (JICU), que evoluiu para o Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT).[2]

A sua permanência e ascensão no IICT demonstram a importância crítica do CIFC e da sua experiência especializada. A sua expertise em fitopatologia e genética aplicada era demasiado valiosa para ser desmantelada. Continuou a sua carreira como Investigador Principal do CIFC-IICT a partir de 1983, aposentando-se em 1992 como Investigador Coordenador.[2]

IV. A Obra Científica Central: Especialização Fisiológica e Mecanismos de Resistência

A obra científica de Aníbal Jardim Bettencourt no CIFC concentra-se na fitopatologia e no melhoramento genético, com o objetivo singular de conferir resistência duradoura ao cafeeiro (Coffea spp)* contra a Hemileia vastatrix.

IV.1. O Diagnóstico: Caracterização da Hemileia vastatrix

Um dos primeiros e mais fundamentais contributos de Bettencourt no CIFC foi a caracterização detalhada do patógeno. A sua atividade científica incidiu inicialmente na especialização fisiológica da ferrugem do cafeeiro e na seleção de clones diferenciadores das raças do fungo.[2]

A rápida evolução e a variação da virulência do fungo H.  vastatrix exigem uma compreensão constante e um mapeamento preciso das estirpes. O trabalho de Bettencourt nos primeiros tempos no CIFC dedicou-se à caracterização de raças e de grupos fisiológicos, manutenção das culturas e identificação de novas raças.[2] Este esforço de diagnóstico era o pré-requisito técnico para qualquer programa de melhoramento genético eficaz, assegurando que o material desenvolvido no CIFC tivesse uma resistência de largo espectro, capaz de enfrentar a diversidade genética do patógeno.

IV.2. A Solução Genética: Pesquisa e Transferência de Genes

A investigação de Aníbal Jardim Bettencourt rapidamente evoluiu para a aplicação genética. Ele concentrou-se no estudo do mecanismo hereditário da resistência à H. vastatrix em Coffea spp.[2]

O seu trabalho inovador centrou-se na transferência de genes de resistência para as principais variedades comerciais de C. arabica, utilizando o Híbrido de Timor (HDT) como fonte primária de resistência.[2] O HDT, um cruzamento natural entre C. arábica (suscetível, mas de alta qualidade) e C. canéfora (robusta, resistente, mas de baixa qualidade), provou ser um recurso genético inestimável.

O esforço de transferência de fatores de resistência está bem documentado na sua publicação técnica, datada de 1981, intitulada Transferência de factores de resistência à Hemileia Vastatrix Berk. & Br. para as principais cultivares de Coffea Arabica L., editada pelo Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro da Junta de Investigações Científicas do Ultramar.[6]

A complexidade desta investigação exigiu colaboração internacional. Bettencourt trabalhou com o Dr. Alcides Carvalho, uma figura de proa da investigação cafeeira no Brasil. Esta ligação permitiu não só o aprofundamento das técnicas de análise genética, mas também a testagem e distribuição do material em ambientes geográficos críticos.[2] A crise da ferrugem impôs uma colaboração transcontinental onde Portugal, através do CIFC, fornecia o material genético de base, e o Brasil, com a sua infraestrutura, garantia a escala e a avaliação em campo.

A tabela que se segue resume as áreas centrais da investigação de Aníbal Jardim Bettencourt:

Contribuições Científicas Centrais e Foco de Investigação


Área Científica
Foco da Investigação
Resultado Chave
Fontes de Resistência Utilizadas
Fitopatologia
Especialização fisiológica da H. vastatrix
Identificação e seleção de clones diferenciadores das raças do fungo
Variedades diferenciais de Coffea [2]
Genética Aplicada
Mecanismo hereditário da resistência
Desenvolvimento de programas de transferência de genes (Melhoramento Genético)
Coffea spp (Híbrido de Timor - HDT) [2, 6]
Melhoramento Varietal
Criação de híbridos resistentes
Geração das linhagens Sarchimor e Catimor, base da cafeicultura moderna
HDT x Villa Sarchí e HDT x Caturra [2, 7]
Cooperação Internacional
Assistência in loco (1965–1985)
Disseminação gratuita de material genético e consultoria especializada (PROMECAFÉ)
Angola, Brasil, Colômbia, América Central [2, 8]

V. O Impacto Global e a Criação de Cultivares de Resistência (Sarchimor e Catimor)

V.1. Os Progenitores da Cafeicultura Moderna

O legado mais tangível e duradouro de Aníbal Jardim Bettencourt reside nas linhagens de cafeeiros resistentes à ferrugem que foram desenvolvidas sob a sua liderança e participação no CIFC.

Do seu trabalho resultaram as progénies Catimor e Sarchimor, que se tornaram a base de grande parte da cafeicultura moderna global, especialmente nas regiões onde a ferrugem é endémica.

1. Sarchimor: Este híbrido resultou do cruzamento efetuado nas estufas do CIFC entre a cultivar 971/10 (Villa Sarchí, de porte baixo) e o Híbrido de Timo (832/2).[7] As primeiras cinco plantas F1 obtidas foram rigorosamente analisadas quanto à sua resistência às raças de H. vastatrix e incluídas no grupo fisiológico A.[7] Esta linha genética é a fundação para muitas variedades modernas de C. arábica resistente.

2. Catimor: Desenvolvido a partir do cruzamento entre o Híbrido de Timor e a cultivar Caturra.[2] Tal como o Sarchimor, o Catimor combina a resistência do C. canéfora (via HDT) com as características de porte baixo e produtividade do C. arabica.

Historicamente, existia uma perceção generalizada de que a incorporação de genes do C. canephora (via HDT) para obter resistência resultaria numa inevitável degradação da qualidade da bebida. No entanto, o trabalho de melhoramento genético liderado por Bettencourt e a subsequente seleção das progénies Catimor e Sarchimor nos centros de pesquisa mundiais conseguiram contornar este problema. Variedades derivadas destes cruzamentos, como Tupi e Obatã no Brasil, têm obtido excelentes resultados em concursos de cafés especiais, desmistificando a ideia de que a resistência à ferrugem é incompatível com a alta qualidade da bebida.[9] A sua mestria em selecionar os indivíduos que herdaram a resistência sem comprometer as características sensoriais do C. arábica foi a chave para o sucesso comercial e global das suas linhagens.

V.2. Disseminação de Material Genético e Impacto no Brasil

A estratégia de difusão de conhecimento do CIFC, fortemente suportada pelo trabalho de Bettencourt, foi notavelmente aberta e cooperativa. Em 1960, o CIFC iniciou um programa de melhoramento com o objetivo de transferir resistência do HDT para as principais cultivares de Arabica.[8] Como parte desta estratégia, plantas F1 e F2 selecionadas, que demonstravam resistência a todas as raças conhecidas, foram fornecidas gratuitamente a todas as instituições de países produtores de café que solicitassem este material.[8]

Este ato de colaboração científica teve um impacto preventivo incalculável no Brasil. O Instituto Agronómico de Campinas (IAC), uma das principais instituições de pesquisa cafeeira do país, recebeu progénies F2 e F3 derivadas de cruzamentos HDT/C. arábica a partir de 1968.[9]

Esta transferência de material ocorreu preventivamente, antes da chegada da ferrugem à América do Sul. Quando o fungo foi introduzido no Brasil no final da década de 60 [9], as instituições já possuíam linhagens robustas, desenvolvidas no CIFC, que resultaram no lançamento de cultivares cruciais como Tupi e Obatã em 2000.[9] Ao garantir que o Brasil tivesse material genético resistente disponível antes da chegada da praga, Bettencourt e o CIFC criaram uma "apólice de seguro" genética que evitou uma devastação de escala continental, demonstrando uma visão estratégica notável na gestão de risco fitopatológico.

VI. Missões Internacionais e o Eixo Atlântico de Cooperação

VI.1. O Consultor Global (1965–1985)

O reconhecimento da expertise de Aníbal Jardim Bettencourt na genética da resistência à ferrugem levou-o a desempenhar um papel ativo como consultor internacional. Entre 1965 e 1985, ele realizou extensas missões e assistência técnica in loco aos programas de melhoramento genético do cafeeiro em diversos países.[2]

A sua influência estendeu-se geograficamente através de um eixo atlântico de cooperação que ligava a África, América do Sul e América Central:

• África: Angola, Cabo Verde.[2]

• América do Sul: Brasil, Colômbia, Venezuela.[2]

O seu trabalho garantiu que as metodologias de seleção de resistência e o material genético avançado fossem implementados de forma eficaz nestas regiões produtoras.

VI.2. O Papel no PROMECAFÉ

Um dos pontos altos da sua colaboração internacional foi a participação no PROMECAFÉ (Programa Cooperativo Regional para o Desenvolvimento Tecnológico Agrícola do Café), que engloba a América Central e o Caribe. A sua assistência abrangeu: Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, México, Panamá e República Dominicana.[2]

Esta colaboração sublinha o reconhecimento do seu conhecimento em nível pan-americano, necessário para a coordenação de esforços regionais. Através do PROMECAFÉ, Aníbal Jardim Bettencourt participou na montagem da Unidade Central de Melhoramento (OCM) em Turrialba, Costa Rica. O seu trabalho em Turrialba, um centro chave de pesquisa tropical, solidificou o legado do CIFC e a sua própria influência na infraestrutura científica da América Latina, onde os híbridos Catimor e Sarchimor seriam testados e distribuídos em larga escala.[2]

VII. Legado Documental e Conclusão

VII.1. A Preservação da Memória Científica

Embora a sua obra seja primariamente científica e técnica, existe uma importante componente documental que preserva a sua história institucional e metodológica. O seu trabalho técnico foi cristalizado na monografia de 1981, já mencionada, sobre a transferência de fatores de resistência.[6]

Aníbal Jardim Bettencourt contribuiu ainda com um "Depoimento" detalhado para o Arquivo Científico Tropical (ACT) do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) em 18 de Fevereiro de 2010.[2, 10] Este testemunho é uma fonte primária inestimável para a história da ciência portuguesa e do café, onde ele descreve em detalhe a sua experiência de 12 anos em Moçambique, o seu estado de depressão após o fim das experiências locais, como conheceu o Prof. Branquinho d’Oliveira (fundador do CIFC), a sua entrada no Centro, e os pormenores da fundação, gestão, financiamento e ligações internacionais do CIFC.[2] A preservação deste depoimento garante que a metodologia e as circunstâncias institucionais que levaram à criação dos híbridos de café mais bem-sucedidos do mundo sejam compreendidas pelas futuras gerações de investigadores.

VII.2. Cronologia Pessoal e Síntese Biográfica

Os registos indicam que Aníbal Jardim Bettencourt se manteve ativo e envolvido após a sua aposentação em 1992.[2] O seu testemunho de 2010 e a sua presença em plataformas digitais até 2014 [10] confirmam a sua longevidade. Detalhes pessoais revelam também o seu papel como avô, mencionando os seus netos e a sua esposa Maria da Conceição, providenciando um toque humano à figura do cientista de renome.[10]

VII.3. Conclusões e o Engenheiro da Resiliência Silenciosa

Aníbal Jardim Bettencourt é um expoente máximo da agronomia aplicada portuguesa do século XX. O seu trabalho no Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro não foi apenas um sucesso nacional; foi uma contribuição de vanguarda que alterou a paisagem da cafeicultura global.

O impacto mais profundo da sua obra é económico e ecológico. Ao desenvolver, com a sua equipa, linhagens geneticamente resistentes à H. vastatrix, como os progenitores Catimor e Sarchimor, garantiu a resiliência de vastas áreas de produção de C. arábica que, de outra forma, teriam sucumbido ao fungo.[8, 9] Este melhoramento intrínseco permitiu reduzir a dependência de tratamentos químicos onerosos, promovendo, indiretamente, uma cafeicultura mais sustentável.

O facto de os nomes técnicos dos híbridos que criou — Catimor e Sarchimor — serem omnipresentes na literatura agronómica mundial, enquanto o seu nome é conhecido principalmente no meio científico e histórico, reflete a natureza do seu trabalho. Aníbal Jardim Bettencourt foi um engenheiro da resiliência, um cientista que trabalhou para garantir a continuidade produtiva, um feito fundamental cuja estabilidade se torna, paradoxalmente, rapidamente invisível, mas que continua a sustentar a cadeia de valor do café em todo o mundo. A sua carreira personifica a excelência da investigação portuguesa em ciência tropical, que produziu soluções de impacto global.

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1. Hemileia vastatrix Berkeley & Broome - CAPS, https://caps.ceris.purdue.edu/wp-content/uploads/2025/07/Hemileia-vastatrix.pdf

2. Depoimento de Aníbal Jardim Bettencourt - actd:MOAJB,  https://actd.iict.pt/view/actd:MOAJB

3. (PDF) Medicina, ciência e laboratório A investigação biomédica básica em Lisboa (1880-1950) - ResearchGate, https://www.researchgate.net/publication/338580781_Medicina_ciencia_e_laboratorio_A_investigacao_biomedica_basica_em_Lisboa_1880-1950

4. Universidade de Lisboa - Instituto de Ciências Sociais ... - ULisboa, https://repositorio.ulisboa.pt/bitstreams/1ae1fbee-55ba-4dc5-bb24-6ed97c19e22c/download

5. LISBOA GUARDIÃ DE SABER TROPICAL, https://www.lisboa.pt/fileadmin/informacao/publicacoes/ambiente/lisboa_guardia_saber_tropical.pdf

6. MELHORAMENTO GENÉTICO DO CAFEEIRO. by JARDIM BETTENCOURT. (Aníbal): Good Soft Cover | Livraria Castro e Silva - AbeBooks, https://www.abebooks.co.uk/MELHORAMENTO-GEN%C3%89TICO-CAFEEIRO-JARDIM-BETTENCOURT-An%C3%ADbal/30966018542/bd

7. Transferência de genes de resistência a Hemileia vastatrixdo Híbrido de Timor para a cultivar Villa Sarchí de Coffea arabica - Instituto Agronômico (IAC), https://www.iac.sp.gov.br/media/publicacoes/iacdoc84.pdf

8. The coffee leaf rust pathogen Hemileia vastatrix: one and a half centuries around the tropics - PMC - PubMed Central, https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6638270/

9. Participação da UFV em pesquisas sobre café é destaque no site da Embrapa, https://www2.dti.ufv.br/noticias/scripts/exibeNoticiaMulti.php?codNot=8138

10. Dezembro 2014 - O Ser Humano, https://1ajbettencourt.blogs.sapo.pt/2014/09/

 


* Coffea spp. é o termo científico para as espécies do género Coffea, que inclui o cafeeiro, um arbusto da família Rubiaceae cujas sementes (grãos de café) são usadas para fazer café. O termo "spp." indica que se refere a múltiplas espécies dentro do género. As espécies comercialmente cultivadas mais conhecidas são a Coffea arábica (arábica) e a Coffea canéfora (robusta).


segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O génio de Saramago na leitura de Diniz Borges

 


Foi com uma profunda admiração pela lucidez e pela coragem que li a crónica do meu amigo Diniz Borges no jornal Atlântico Expresso, "A Palavra como Responsabilidade: Saramago e Eu". Diniz Borges, ao partilhar a forma como a língua e a diáspora moldaram o seu olhar do mundo, lembra-nos a pertinência do pensamento de José Saramago no complexo tecido político e social que vivemos.

Tal como Diniz Borges, que descobriu Saramago na Califórnia, num Vale de São Joaquim "amplo e queimado de sol", também o meu encontro com o escritor foi marcante. Lembro-me bem, há 45 anos, de uma paragem numa livraria de Lisboa onde um outro meu amigo, o Manuel Begonha, me recomendou um livro de um autor que não conhecia: Levantado do Chão. Gostei de tal maneira que nunca mais me cansei de ler os seus livros e de os recomendar aos amigos. As personagens criadas por Saramago tornaram-se guias morais, desde a visionária Blimunda do Memorial do Convento até ao Cão das Lágrimas do Ensaio sobre a Cegueira.

A força intemporal de Saramago reside na sua capacidade de deslocar os alicerces das nossas certezas. Diniz Borges descreve a escrita de Saramago como "a lucidez de um velho profeta e a irreverência de um homem sem medo de ferir as certezas preguiçosas do mundo". Essa irreverência é, hoje, mais necessária do que nunca, pois as citações de Saramago estão constantemente no meu pensamento: “Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”, ou a observação devastadora de que "O tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto, Vivemos na mentira, todos os dias." O mérito de Diniz Borges nesta crónica é traçar as fracturas do mundo que Saramago desvendou e mostrá-las reflectidas nos desafios que enfrentam as democracias actuais.

A crítica de Saramago à cegueira moral ressoa profundamente nas crises políticas. Diniz Borges sublinha que a cegueira descrita no Ensaio sobre a Cegueira não é oftalmológica; é ética. Esta miopia moral leva ao colapso social e civilizacional. Diniz Borges, observando a vida política americana a tornar-se mais polarizada, cínica e indiferente ao sofrimento, volta a Saramago com a pergunta: "como é possível recusarmos tantas vezes ver o que está ali?".

O pânico das instituições face à verdadeira participação democrática, explorado no Ensaio sobre a Lucidez, é outro ponto de contacto capital. Neste romance, o pavor do governo perante um eleitorado que vota em branco leva a uma reacção de “pânico autoritário”. Diniz Borges considera este romance profético num país (como os EUA) onde a supressão de votos, a desinformação e a erosão da confiança cívica ameaçam o próprio fundamento da democracia. Saramago "viu como as democracias se fraturam" e como "as instituições preferem a ordem à justiça, a obediência à compaixão".

Diniz Borges lembra-nos que a obra de Saramago é uma “admoestação”. Ler Saramago hoje é ouvir um aviso sussurrado através do Atlântico: "Cuidado com a cegueira que tomas por conforto. Cuidado com o silêncio a que chamas paz. Cuidado com a indiferença que tomas por normalidade".

Saramago não atacava só o poder; ele “elevava o silêncio à categoria de voz”. Diniz Borges, que cresceu rodeado por trabalhadores agrícolas e operários no Vale Central da Califórnia (e foi trabalhador a tempo parcial e inteiro durante quatro anos), sentiu o "compasso moral de Saramago" como seu.

Com o Memorial do Convento, aprendeu que os humildes e os sonhadores são os verdadeiros arquitetos dos milagres, e que a história é transportada pelas "mãos calejadas dos esquecidos" e não pelos reis. Saramago dignificou o “nome anónimo” — os avós, os trabalhadores, as mães — ao tornar a sua invisibilidade o centro da narrativa, como em Todos os Nomes. A pessoa comum, o imigrante, o trabalhador, o anónimo, nunca é comum, e cada vida merece o espaço narrativo reservado aos reis.

A análise de Diniz Borges ganha uma força inigualável por ser feita a partir da sua experiência como emigrante açoriano nos Estados Unidos da América. Para quem emigra, as palavras tornam-se a "primeira pátria verdadeira". Diniz Borges encontrou em Saramago não apenas um romancista, mas o "Portugal da coragem intelectual", que o formou como adulto, o Portugal da pergunta, do ceticismo e da dignidade.

Diniz Borges sublinha que a diáspora portuguesa, que muitas vezes herda um Portugal de nostalgia, precisa de Saramago para herdar o "Portugal do pensamento, da rebeldia, da profundidade". O nosso património, lembra-nos Diniz Borges inteligentemente, é também intelectual, politicamente consciente e eticamente exigente — uma cultura que "questiona o poder, não que o aceita docilmente".

Diniz Borges conclui que a voz de Saramago regressa hoje "como sino de aviso". Ele não nos elogia; convoca-nos. Convocou Diniz Borges, enquanto membro da classe trabalhadora, e convoca-nos a todos, à memória, à responsabilidade e à solidariedade.

A homenagem mais justa que podemos prestar a Saramago, e que o meu amigo Diniz Borges tão bem realça, é reconhecer que a sua luz não se apagou e que a palavra é, como ele próprio disse, “dever e não ornamento”. A sua crónica é um apelo para voltarmos a ler Saramago, para que o nosso país, a nossa diáspora e a nossa democracia continuem a ver.