Comprei este livro há uma meia dúzia de anos porque prometia abordar a crise provocada pelas políticas neoliberais e a globalização nas cidades industriais do Ohio.
Na década de 1980, durante a recepção das turbinas para as fragatas da classe “Vasco da Gama”, tive oportunidade de conhecer a região e, em particular, a fábrica onde aqueles equipamentos foram fabricados, não muito distante de Middletown, a cidade onde a história do livro se desenrola. Mais tarde, a crise financeira de 2008 levou a indústria da região à beira do colapso e tornou mais evidentes a pobreza e a fragilidade moral de uma população trabalhadora branca culturalmente desenraizada, maioritariamente migrada das áreas rurais montanhosas, isoladas e pobres.
Mas para além do interesse em perceber a transformação económica e social do tecido industrial do Ohio, fui também espicaçado pela anunciada “profunda introspeção sobre Trump e o Brexit”. Recordo-me, no entanto, de que apesar de ser um relato realista e bem construído das difíceis condições de vida de uma população que se viu atingida pelo desemprego, em muitos aspectos semelhante ao ocorrido na grande depressão, com personagens marcantes como Mamaw, a avó materna do autor, o livro ficou aquém das minhas expectativas.
Primeiro, porque não foi à raiz do problema, ou seja, às causas profundas destas crises periódicas do sistema de produção capitalista norte-americano; segundo, porque nada continha sobre Trump e sobre o Brexit; finalmente, porque tratando-se da autobiografia de alguém que escapou à miséria económica e moral que ameaçava a família e a comunidade onde cresceu, foi fuzileiro e participou na guerra do Iraque, tirou o curso de Direito em Yale, uma das oito universidades privadas mais conhecidas e caras dos EUA, e se tornou um consultor de sucesso de grandes organizações, havia qualquer coisa na história que soava a falso ou mal contado.
Apesar do êxito do livro nos EUA, como não conhecia o autor J.D. Vance, não pensei mais nele até há poucos dias. É que o agora senador republicano pelo Ohio, JD Vance (sem pontos), foi escolhido por Trump para seu vice-presidente!
Voltei a ler o livro com mais atenção, desta vez o original com o título “Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis”. Estudei a evolução das posições políticas do autor, alegadamente próximo da nova direita populista norte-americana representada pela “American Compass” de Oren Cass.
Devo confessar que confirmei a ideia de que o projecto populista de Vance, aparentemente preocupado com a classe trabalhadora, é uma história mal contada. E que, afinal, o Independent tinha razão: tem tudo a ver com Trump.
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