quarta-feira, 14 de junho de 2017

O engenheiro que não gostava de Física e detestava Química


O meu neto está hesitante na escolha. Quer estudar engenharia mas como não gosta de Físico-Química e tem medo de baixar a nota, pondera outras áreas.

Compreendo-o porque também nunca gostei de Física e sempre detestei Química. O meu pai dizia-me que para se gostar de Físico-Química, ou de qualquer outra disciplina, digo eu, era importante ter tido um bom professor. No caso dele tinha sido fácil porque foi aluno do professor Rómulo de Carvalho no Camões. Eu não pedia tanto mas de facto nunca apanhei um professor que despertasse o interesse por aquelas disciplinas.

Apesar disso, julgo que a Físico-Química, embora sendo um empecilho, não condicionou as minhas opções académicas. Mas admito que tenham existido outras condicionantes.

Lembro-me que muito cedo pensei ir para o Técnico mas o meu pai, que era um homem que via sempre mais além do que nós, chegou à conclusão que ser oficial de Marinha seria um boa escolha profissional. Estruturou as suas razões e, paciente mas obstinadamente, procurou convencer-me que concorrer à Escola Naval seria a minha melhor opção.

Eu ouvia-o, reconhecia a força dos seus argumentos, e por isso, no momento decisivo, para além dos exames de admissão ao Técnico, fui fazer os exames e as provas de ingresso na Escola Naval. Os exames médicos e as provas físicas correram muito bem mas quando cheguei aos exames de Matemática e de Físico-Química, chumbei. Foi uma grande desilusão para o meu pai, tanto mais que na admissão ao Técnico tirei dezanove a Matemática, para compensar o treze a Físico-Química.

Eu bem tentei convencê-lo que os exames da Escola Naval eram mais difíceis que os do Técnico mas a minha mãe, que me conhece de ginjeira, tinha uma explicação muito mais simples: ─ Sempre fizeste e fazes o que queres, não adianta tentar convencer-te do contrário!

O meu pai depressa aceitou o desaire, lembrando-se certamente da desilusão da mãe quando, trinta anos antes, ele próprio tinha decidido ir para Agronomia e ser “engenheiro das nabiças,” na fala de uma mãe contrariada por o filho não ter ido para medicina ou engenharia civil.

E assim me matriculei em engenharia electrotécnica no IST e por lá andei dois anos, graças ao sacrifício dos meus pais. Se quanto à Física e à Química os ditados do Ilharco e as lagrangeanas do Sales Luís não ajudaram a melhorar a minha opinião, quanto ao resto a experiência universitária também não era particularmente interessante. Por isso, um dia, decidi anunciar aos meus pais, como se fosse a coisa mais natural deste mundo: ─ Amanhã vou à Escola Naval saber o que é preciso para concorrer outra vez. Apesar da surpresa, em especial do meu pai que já me imaginava engenheiro na Efacec, aceitaram a guinada e continuaram a apoiar-me. Não sei se o cenário idealizado inicialmente seria esse mas estou certo que, vinte e um anos depois, no seu dia de aniversário, o meu pai ficou muito feliz por estar comigo em Kiel, na cerimónia de “flutuação” de duas das fragatas da classe Vasco da Gama. Ele sabia que a construção daqueles navios era para mim o topo da carreira como oficial de Marinha engenheiro.

Voltando ao fio da história, o Dâmaso, o Oliveira ou o Lamas na Escola Naval, assim como os vários lentes estrangeiros na pós-graduação em Monterey, não modificaram o meu desamor pela Física e pela Química. Ganhei a cédula profissional de engenheiro mecânico, leccionei na licenciatura de naval do Técnico, convivi com a engenharia de software e do ambiente, mas a aversão original à Físico-Química manteve-se. Profissionalmente, fui e sou engenheiro mas nunca gostei de Física e sempre detestei Química!

Eu sei de fonte segura que os conselhos são para ser contrariados, mesmo que um dia concordemos com eles e se transformem em decisões próprias. Por isso, Tomás, aqui fica um para fazeres dele o que muito bem entenderes. Não deixes que o acessório, seja a Físico-Química ou outra coisa qualquer, condicione a tua vida. A vida é um caminho longo e as pedras e os buracos fazem parte dela. O importante é chegares ao destino que escolheres independentemente deles.

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