quarta-feira, 28 de junho de 2017

Desta vez será diferente?



Catástrofes como os incêndios de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra são, como as guerras, situações extremas que põem à prova a organização, a preparação, a maturidade e a capacidade de lutar e sofrer de um povo. São situações em que a competência e capacidade dos governantes, dos agentes do Estado e das organizações públicas e privadas, a forma como a sociedade está organizada e os padrões de comportamento social de cada cidadão, são testados numa dimensão que torna quase impossível mascarar a realidade. A força e a generosidade mas também as fragilidades, as carências e os erros ficam à vista de todos os que quiserem ver.

Ninguém no seu perfeito juízo deseja uma guerra ou uma catástrofe para avaliar a qualidade da uma sociedade. Mas quando elas acontecem com consequências trágicas para muitos, não retirar ilações e não melhorar o que deve ser melhorado em todos os sectores e níveis de responsabilidade dessa sociedade é também prova de pouco juízo. Tanto mais que em tempo de paz e ressalvando a área da saúde, a estrutura do Estado só muito raramente tem de demonstrar eficiência e eficácia. Desde que cumpram os mínimos que eles próprios definem e se protejam atrás das barreiras da burocracia, a esmagadora maioria dos agentes do Estado pode fazer uma carreira imaculada sem correr riscos e sem que o seu contributo para o progresso e bem-estar da sociedade seja avaliado.

Infelizmente, desde que há 14 anos passei a observar com mais atenção a questão dos incêndios florestais e da protecção civil por influência do Bouza Serrano e do Leal Martins, tenho dúvidas que a nossa sociedade tenha feito o necessário para se organizar e dar uma resposta eficaz aos sucessivos sinistros. Certamente há muita gente a fazer um trabalho sério mas a minha percepção é que também há muitos que aproveitam as circunstâncias para lucrar com o financiamento significativo, muito dele de fundos europeus, para a prevenção e combate dos incêndios florestais. É uma situação confusa que parece envolver múltiplos protagonistas (responsáveis da administração central e autárquica, técnicos de agricultura e de segurança, dirigentes de bombeiros, vendedores de equipamentos, agentes intermediários, etc.), que tiram partido em proveito próprio da ineficácia da burocracia estatal, da incompetência ou inacção dos técnicos responsáveis, da perversidade da legislação que regula as aquisições públicas e o ordenamento do espaço comum, da inoperância e falta de controlo dos serviços públicos e da impreparação, fragilidade económica ou comportamento menos cívico da população e dos proprietários dos espaços florestais.

Lembro-me de conversar com o meu pai aquando dos grandes incêndios que destruíram o pouco que restava da vegetação da serra de Montejunto. Falava-me ele da necessidade da presença dos técnicos junto dos agricultores, do apoio técnico e financeiro, da selecção correcta das espécies cultivadas, do emparcelamento, dos vários instrumentos de melhoria das condições técnicas e económicas da exploração dos terrenos. Falava-me também da importância da confiança dos agricultores e proprietários nos técnicos das autarquias e da administração central. Ele que sempre trabalhou para o sucesso dos agricultores, dizia que estes não eram ignorantes, que eram exigentes e tinham um espírito crítico muito bom, que não se lhes podia impingir qualquer solução. Se o técnico falhar uma vez, o agricultor nunca mais aceita uma proposta dele. Ora tanto quanto sei nem os serviços que poderiam ajudar os agricultores e proprietários são credíveis nem estes confiam neles.

Depois desta nova tragédia, assisto mais uma vez ao ruído mediático, à luta partidária, ao passa-culpas dos responsáveis, à formação de novas comissões de inquérito, à elaboração de novos relatórios e a outras manifestações que nos desviam do objectivo principal: aprender a lição e evitar novas ocorrências ou, pelo menos, responder melhor caso se tornem inevitáveis. Exactamente o mesmo a que assisti, ano após ano, durante 14 anos.

É por isso que duvido que desta vez vá ser diferente. E como eu gostava de estar enganado e que daqui a 14 anos os portugueses não estivessem a ouvir os discursos, os argumentos e as discussões que se repetem todos os anos, pelo menos desde 2003!

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