Em Setembro de 1939, quando as invasões da Polónia pelos
exércitos da Alemanha e da União Soviética marcavam o início da Segunda Guerra
Mundial, o filósofo norte-americano Mortimer Jerome Adler escrevia o prefácio
do que viria a ser um dos grandes sucessos editoriais do século XX: o livro
“How to Read a Book: The Art of Getting a Liberal Education”, editado pela
Simon and Schuster, de New York, em 1940.
Escreveu então: “O título indica que me preocupo
principalmente com a leitura de livros, mas a arte da leitura que descrevo
aplica-se a qualquer tipo de comunicação. No ambiente de irrazoabilidade que
paira sobre nós, pode fazer uso dela para ver através da propaganda dos Livros
Brancos dos antagonistas e para lá das proclamações de neutralidade, e até
mesmo para ler nas entrelinhas dos breves comunicados de guerra.”
E explicou o subtítulo: “Numa democracia, devemos cumprir as
responsabilidades de homens livres. A educação liberal é aqui um meio
indispensável para este fim. Ela não só nos faz homens desenvolvendo as nossas
mentes, como também as liberta, disciplinando-as. Sem mentes livres, não
podemos agir como homens livres. Tentarei mostrar que a arte de ler bem está
intimamente relacionada com a arte de pensar com clareza, crítica e
livremente.”
Após o sucesso da 1ª edição, Adler reviu o texto e publicou
uma nova edição, em 1967, com o subtítulo “A Guide to Reading the Great Books”.
Finalmente, em 1972, procedeu a uma grande revisão e actualização que desta vez
publicou em parceria com o editor Charles Van Doren, com o subtítulo “TheClassic Guide to Intelligent Reading”. Foi essa edição do “How to Read
a Book” que fez parte da minha formação como cidadão na década de 1970.
Na introdução da nova edição, Adler fez uma reflexão sobre os meios de comunicação social modernos, questionando se o seu advento
melhorou a nossa compreensão do mundo em que vivemos. Escreveu então: “Talvez
(hoje) saibamos mais sobre o mundo do que costumávamos saber (em 1940), e na
medida em que o conhecimento é um pré-requisito para a compreensão, isso é bom.
Mas não tanto como como comumente se supõe. Não precisamos de «saber» tudo
sobre algo para o «entender»; factos a mais são frequentemente um obstáculo
para a compreensão, tanto como o são factos a menos. Fica a sensação que nós,
modernos, somos inundados de factos em detrimento da compreensão.
Uma das razões para essa situação é que os media modernos
são concebidos de modo a fazer com que o pensamento pareça desnecessário
(embora isso seja apenas uma aparência). O empacotamento de posições e pontos
de vista é uma das mais brilhantes realizações de algumas das melhores mentes
dos nossos dias. Ao espectador de televisão, ao ouvinte de rádio, ao leitor de
jornais, é apresentado um conjunto complexo de elementos - desde uma retórica
engenhosa até dados e estatísticas cuidadosamente seleccionados - para tornar
mais fácil para ele «formar a sua própria opinião» com o mínimo de dificuldade
e esforço.
Mas o empacotamento é muitas vezes feito de forma tão eficaz
que o espectador, ouvinte ou leitor não toma nenhuma decisão. Em vez disso, ele
introduz uma opinião empacotada na sua mente, mais ou menos como introduz uma
cassete num leitor. Depois só carrega no botão e «reproduz» a opinião sempre
que lhe parece apropriado fazê-lo. E assim tem um desempenho socialmente
aceitável sem precisar de pensar.”
No ambiente de irrazoabilidade que de novo paira sobre nós,
a reflexão de Adler mantém-se tão oportuna como há cinco décadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário