segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Um Afeganistão Europeu?



Talvez no final de 1977, por uma qualquer razão que já não me lembro, tive uma aula de física numa sala do departamento de National Security Affairs da Naval Postgraduate School em Monterey.
 
O National Security Affairs era o departamento onde os agentes e funcionários da CIA e de outras agências governamentais dos EUA estudavam tudo o que fosse relevante do ponto de vista dos interesses geopolíticos e geoestratégicos norte-americanos. Mais tarde encontrei alguns dos que por lá andavam na Embaixada dos EUA em Lisboa.

Pois nessa aula estranhei ver na parede, por cima do quadro, um mapa semelhante a este do Afeganistão, um país cuja existência mal conhecia. Explicaram-me depois que se tratava de um dos países dos Balcãs da Eurásia a que os EUA davam grande importância. Percebi porquê quando dois anos depois a URSS invadiu o Afeganistão e percebi ainda melhor depois de assistir a todas a guerras que lá ocorreram desde então.

Admito que para muitos portugueses a Ucrânia também fosse um país mal conhecido, tal como o Afeganistão o era para mim há mais de quarenta anos, apesar de ser o segundo país com maior dimensão territorial na Europa e a comunidade imigrante ucraniana ser uma das mais numerosas em Portugal.
 
Mas para quem se interessa pela geopolítica mundial e se sente capacitado para se pronunciar sobre ela na comunicação social, a Ucrânia, a sua história e tudo o que a sua condição de pivô geopolítico representa devia ser bem conhecido. Há milhares de publicações sobre o tema e, mesmo em Portugal, muitos têm dedicado a sua atenção e estudo à Ucrânia. De entre o muito que foi publicado por cá cito apenas, como exemplo, a “Análise Geopolítica e Geoestratégica da Ucrânia” divulgada em 2015 no n.º 7 dos Cadernos do Instituto de Estudos Superiores Militares.
 
Com tanta informação disponível, fico impressionado com as asneiras que tenho ouvido dos comentadores e “especialistas” que inundam a comunicação social e se pronunciam sobre o conflito político e militar na Ucrânia, comportando-se como gente que descobriu uma nova realidade e desconhece um processo geopolítico complexo que se desenvolve desde, pelo menos, o início do século. E se uns apenas se limitam a reproduzir calmamente as ideias básicas que a propaganda, em especial dos EUA, divulga, outros fazem-no com um nível de arrogância e agressividade surpreendente.

Antes que algum deles me venha bater, declaro desde já que condeno a invasão militar da Rússia e anseio pela retirada rápida das tropas russas da Ucrânia, da mesma forma que desejei a retirada das tropas soviéticas e norte-americanas do Afeganistão e de outros territórios que decidiram invadir ao longo das últimas décadas.

Mas voltando às memórias de 1977 e às lições que aprendi com as intervenções da URSS e dos EUA no Afeganistão, pergunto se quando a Rússia abandonar a Ucrânia, não ficará também por lá um poder radical e antidemocrático. É que ainda tenho na minha memória as loas que a propaganda norte-americana teceu então ao heroísmo e à capacidade de resistência ao invasor das milícias mujahidin do Afeganistão, a quem os EUA forneceram treino e armamento.

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