sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A Cerca Furada


Consegui viver seis décadas sem perceber o mundo da finança nem entender “financês”, fosse ele nacional ou internacional. Confesso que até tinha algum desdém por quem se preocupava com as questões do capital. Gosto de pensar que é uma característica genética mas sou capaz de admitir algum preconceito ideológico.

A crise financeira e a torrente de termos anglo-saxónicos debitados pelos analistas e comentadores que brotam na comunicação social veio perturbar, e de que maneira, o meu sossego. Os swaps e os futures, os hedge e os private equity funds, a leverage e a debt, passaram a martelar-me a cabeça e obrigaram-me a fazer o que julgava ser impossível. Primeiro procurar o significado dos palavrões (abençoados sites da Investopedia, do Financial Times Lexicon, e outros similares!), depois ler artigos da especialidade cada vez mais técnicos (pasmo-me!) e, por fim, estudar livros de economia! Estou empanturrado de matéria indigesta mas conformado porque conclui que não sou o único ignorante; estou acompanhado pela maioria dos políticos, dos analistas e dos comentadores responsáveis pelo meu desassossego.

Recentemente, o colapso do BES colocou na ribalta pública o conceito do ring fence. Teria sido uma das várias orientações do banco central que entrou a 100 e saiu a 200 das cabeças dos administradores do grupo. Não certamente porque estivessem no mesmo estado de ignorância que eu. Acredito até que o conceito lhes era bem familiar, em especial quando transferiam e protegiam a sua riqueza do lobo mau dos impostos, de preferência em offshores ou no santuário luxemburguês.

Mas eu, talvez por influência das bandas desenhadas juvenis, sempre que ouvia falar em ring fence pensava nas pradarias americanas e nas artes de conduzir e cercar o gado. Vinham-me logo à memória histórias fantásticas, de um mundo distante, cheio de bons e maus, ladrões e justiceiros. É certo que nelas apareciam sempre uns pistoleiros feios e malandros mas o herói, forte e invencível, punha-os na ordem e acabava escolhido pela miúda mais gira.

Depois do estoiro do império dos primos e associados, fiquei a saber que ring fence é afinal um faz-de-conta numa história sem graça nenhuma. Uma história onde só há bandoleiros, onde não há herói nem miúda gira. 
Que desilusão!

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