Quando os autoproclamados “patriotas” promovem e praticam o ódio racial na comunicação social, nas redes sociais e nas ruas dos EUA, do Reino Unido ou de Portugal, apetece-me lembrar o menino de um dos mais belos contos que li: “As Mãos dos Pretos” de Luís Bernardo Honwana, pseudónimo literário do moçambicano Luís Augusto Bernardo Manuel, nascido em 1942.
“As Mãos dos Pretos” é um dos sete contos do primeiro livro de Luís Bernardo Honwana, “Nós Matámos o Cão Tinhoso”, editado pela Sociedade de Imprensa de Moçambique, em 1964. O livro foi logo apreendido pela PIDE.
Durante a minha infância em Moçambique, muitas vezes perguntei porque é que as palmas das mãos dos pretos eram mais claras do que o resto do corpo. E tal como o menino do conto, obtive as mais diversas respostas. Não me lembro das minhas, mas o menino do conto registou as do Senhor Professor, do Senhor Padre, da Dona Dores, do Antunes da Coca-Cola, do Senhor Antunes, do Senhor Frias, do livro que falava dos que apanhavam o algodão branco da Virgínia, da Dona Estefânia, mas nenhuma o satisfez.
Só a mãe do menino deu uma resposta que satisfez e que foi mais ou menos isto:
«Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver…. Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para casa deles para os pôr a servir de escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos, porque os que já se tinham habituados a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem é apenas obra dos homens…Que o que os homens fazem é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos».
E o menino completa o seu registo dizendo-nos:
«Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fui para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.»
Que belo texto!
ResponderEliminarComovente - até na sua simplicidade!
Luís Costa Correia