quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Os Pides de Peniche


Há 59 anos, faltavam nove para o 25 de Abril de 1974, foi inaugurado o Posto da PIDE em Peniche.

Não sei qual foi a razão para a PIDE instalar uma brigada em Peniche, mas admito como provável que a famosa fuga, nos primeiros dias de 1960, de dez presos políticos da Prisão da Fortaleza – oficialmente “Cadeia do Forte de Peniche”, uma das prisões especiais controladas pela PIDE – tenha pesado na decisão.

Sei, contudo, que no dia 18 de Janeiro de 1965, o Director Silva Pais, acompanhado por Barbieri, Sachetti e Pereira de Carvalho, foi a Peniche entregar ao Chefe da Brigada Cleto o espaço onde iria funcionar o Posto da PIDE. Tratava-se de um antigo armazém num rés-do-chão da então Avenida Engenheiro Frederico Ulrich, hoje Avenida do Mar, convenientemente adaptado. A cerimónia a que assistiram, entre outras entidades civis e militares, o Governador Civil do Distrito Duarte Alves, o Presidente da Câmara Almeida Baltazar, o Capitão do Porto Tenente Andrade e Silva e o Director da Cadeia Capitão Falcão, terminou com um animado convívio no restaurante Nau dos Corvos.

A PIDE, tal como a sua antecessora PVDE, sempre vigiou e controlou tudo o que se passava no interior e no exterior da Cadeia. Quer por intervenção directa dos agentes, quer por informadores recrutados no corpo de guardas prisionais e na população de Peniche, a PIDE já vigiava quem visitava os presos, os locais onde comia e pernoitava, as pessoas com quem conversava e que o ajudavam, realizando buscas e interrogatórios aos penichenses que considerava não simpatizarem com o regime.

Mas com a instalação do novo Posto, que mais tarde foi transferido para o 1º andar de um prédio da Rua 13 de Infantaria, a vigilância dos pides aumentou. Registavam os nomes de todos os familiares e outras visitas dos presos, anotavam as matrículas dos carros e estavam omnipresentes na vida dos penichenses e em todos os espaços que frequentavam, por muito cuidado que as pessoas tivessem.

Foi assim que, no final da década de 1960, o avô da João, o José do Rosário Leitão ou “Zé Baterremos” que os penichenses bem conheciam, um homem bem-disposto, amigo do seu amigo, sempre com uma piada ou anedota na ponta da língua, mas já fisicamente debilitado pela idade e a doença e sem actividade política de qualquer natureza, foi detido no café Gaivota e levado para o Posto da PIDE na rua 13 de Infantaria, onde passou a noite e foi tratado como um perigoso delinquente. Tudo por dizer, numa roda de amigos, que o Salazar, que sofria de tremuras, ia pôr canela nos pastéis de Belém!

Talvez como desafio, num dos primeiros carnavais da década de 1970 que passei em Peniche, decidi mascarar-me com uma velha farda da Legião Portuguesa. Com aquela farda pequena para o meu tamanho, muito justa e a faltar pano nas pernas e nos braços, e uma máscara que me tapava completamente a cara, sentia-me suficientemente grotesco para brincar o Carnaval. E lá fui para a rua e para o Clube, onde os amigos e as amigas ficaram surpreendidos quando descobriram quem era a estranha figura.

Ainda hoje me interrogo se durante aquela noite de Carnaval não me terei cruzado com algum dos extremosos defensores da ordem e dos valores daquela época. Talvez porque a Legião já não tivesse a importância de outrora ou os pides de Peniche já não acreditassem no seu papel, o que é certo é que não fui incomodado, ao contrário do que tinha acontecido poucos anos antes com o avô Zé.

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