Apesar do fascínio de miúdo pela Marinha por causa da espada do meu Avô, no fim do liceu optei por ir para o Técnico, se bem que o meu Pai, que via sempre mais além do que nós, entendesse que a Marinha era a melhor escolha profissional.
O meu Pai nunca teve qualquer relação com a Marinha e da tropa só conheceu o serviço militar obrigatório que cumpriu no Exército em dois ciclos de instrução em Vendas Novas e Cascais, durante as férias do curso de Agronomia, e a trabalhar no Gurué, a mais de 1800 km do quartel em Lourenço Marques para o qual foi convocado por seis meses para a promoção a alferes. Mas estudou o “mercado” do trabalho, falou com gente de Marinha, julgo que com oficiais que lhe foram apresentados por amigos e colegas e, no fim, tendo em conta o meu feitio e as minhas capacidades, concluiu que o melhor para mim seria concorrer à Escola Naval. Estruturou as suas razões e, paciente, mas pertinaz, procurou convencer-me do mérito das suas conclusões.
Eu ouvia-o, compreendia os argumentos e a sua vontade, e por isso, no momento decisivo, para além dos exames de admissão ao Técnico, fiz os exames e as provas de ingresso na Escola Naval. Os exames médicos e as provas físicas foram ultrapassados com facilidade mas quando cheguei aos exames de Matemática e de Físico-Química, chumbei. Foi uma grande desilusão para o meu Pai, tanto mais que na admissão ao Técnico tirei dezanove a Matemática para compensar o treze a Físico-Química, disciplina que nunca foi do meu agrado. Eu bem argumentei que os exames da Escola Naval eram mais difíceis que os do Técnico mas a minha Mãe apresentou uma explicação mais simples e mais próxima da verdade: ─ Sais ao teu Pai, sempre fez o que queria na profissão e não adianta tentar convencê-lo de outra coisa!
De facto, o meu Pai aceitou relativamente bem o insucesso da tentativa, lembrando-se certamente da Mãe quando, trinta anos antes, ele próprio tinha decidido ir para Agronomia e ser “engenheiro das nabiças,” na fala de uma mãe contrariada por o filho não ter ido para Medicina ou Engenharia Civil como sonhava. E assim me matriculei em Engenharia Electrotécnica no IST e por lá andei dois anos, graças ao sacrifício dos meus pais.
Se os ditados do Ilharco e as lagrangeanas do Sales Luís só por si desanimavam qualquer um, o resto da experiência académica no Técnico também não era particularmente interessante. Por isso, um dia, decidi anunciar aos meus pais, como se fosse a coisa mais natural deste mundo: ─ Amanhã vou à Escola Naval saber o que é preciso para concorrer outra vez. Apesar da surpresa, em especial do meu Pai que tinha interiorizado a minha opção e já me imaginava engenheiro na Efacec, aceitaram a guinada e continuaram a apoiar-me.
Estou certo de que, vinte e um anos mais tarde, o meu Pai ficou muito feliz por estar comigo em Kiel, na cerimónia de “flutuação” de duas das fragatas da classe "Vasco da Gama", por coincidência no seu dia de aniversário. Ele sabia que a construção daqueles navios era para mim o topo da carreira como oficial de Marinha engenheiro. Tinha acompanhado o início da minha carreira naval e a minha pós-graduação nos EUA e conhecia o meu interesse pela concepção e o projecto dos sistemas de navios.
Depois de deixar a Marinha, continuei a trabalhar como engenheiro mecânico, leccionei na licenciatura de naval do Técnico, convivi com a engenharia de sistemas e do ambiente, mas o que aprendi na Marinha foi o sólido alicerce da minha actividade profissional. O que sou como homem e profissional devo muito à Marinha.
O meu Pai tinha razão quanto à opção pela Marinha. Faz hoje cinco anos que nos deixou, mas estou certo que se cá estivesse, estaria a celebrar comigo os cinquenta anos da entrada na Escola Naval. E eu, quando daqui a um mês, com os meus camaradas, descerrar na Escola Naval a placa comemorativa do cinquentenário do nosso Curso, lembrar-me-ei com muita saudade dos seus argumentos para concorrer dois anos antes. Como sempre aconteceu, também neste assunto o meu Pai conseguiu ver primeiro e mais além do que eu.
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