Hoje o meu pai faria noventa e dois anos. É o primeiro aniversário depois da sua morte física.
José Luís Peixoto escreveu um dos mais belos textos sobre a dor de um jovem que perdeu o pai. Um livro magnífico que se lê num fôlego, em menos de uma hora, com um título que conjuga na perfeição o que representa a quebra do elo entre um pai e um filho: morreste-me.
Quando o leio, reconheço-me em muitas passagens. “No quarto, numa cama qualquer que não a tua, o teu corpo, pai. Talvez distante, preso num olhar entreaberto e amarelado, respiravas ofegante. O ar com que lutavas, lutavas sempre, gritava o seu caminho rouco. Pelo nariz, entrava o tubo que te sustinha.” Eu também ”pousei-te as mãos nos ombros fracos. Toda a força te esmorecera nos braços, na pele ainda pele viva. (…) E tu, sincero, a dizeres apenas um olhar suplicante, um olhar para eu nunca mais esquecer. Pai.”
É impressionante como tudo pode ser igual e ao mesmo tempo diferente. Igual quando “anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo.” Mas diferente, mesmo muito diferente, porque eu vi-te “velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores.”
Vi eu, viram as minhas filhas, viram os meus netos. Essa foi a nossa grande sorte.
Também diferente porque quem estivesse com o meu pai, fosse quem fosse, acabava sempre um pouco mais feliz. Ele tinha o dom de perguntar, ouvir e dizer as palavras certas que faziam o outro sentir-se melhor com a profissão, com a família, com a sociedade, em suma, com a vida.
É por isso que se eu tivesse o talento para escrever um livro sobre a perda do meu pai, ele teria outro título. Seria 'Viveste-me'.
Parabéns, meu Pai!
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