sábado, 16 de março de 2024

A lição dos pinheiros

Foto de Joana Bettencourt

Era um espaço feio, sem vegetação, com o solo empobrecido pelo entulho das obras. Por isso, o Avô entendeu que era o espaço adequado para os cinco netos compreenderem os benefícios de se plantarem árvores, neste caso, pinheiros-bravos.

Orientados pelo Avô, os netos escolheram os locais onde cada um ia plantar o seu pinheiro. Limparam o terreno à volta e abriram cinco covas, com terra solta no fundo, para colocarem as pequenas plantas de pouco mais de um palmo. Taparam as raízes com terra que calcaram com as mãos e os pés, antes de deitarem a água que traziam da garagem em baldes. Espetaram uma estaca junto de cada pinheiro para servir de tutor e moldaram as caldeiras de retenção de água, reforçadas por um pequeno muro de terra na parte mais baixa do terreno em declive. Finalmente, taparam as caldeiras até ao nível do solo com material vegetal para manter as raízes húmidas e fornecer nutrientes aos pinheiros.

Durante meses o Avô e os netos cuidaram dos pinheiros. Regaram, mantiveram o material vegetal de proteção dentro das caldeiras e eliminaram as plantas invasoras em redor. Com estes cuidados, os pinheiros cresceram e ficaram mais altos do que os netos, excepto um que, na véspera do Natal, foi cortado e levado, certamente para enfeitar a sala do ladrão durante as festividades natalícias antes de ser despejado no lixo.

E como se isso não bastasse, pouco tempo depois, o Avô e os netos constataram que a haste de outro tinha sido partida, muito provavelmente por um apanhador de caracóis. Mas desta vez, o pequeno pinheiro deu uma lição de resistência à adversidade e de superação das dificuldades.

A haste partida foi substituída por um dos ramos horizontais e, apesar da deformação do tronco, o pinheiro continuou a crescer e hoje, quatro décadas depois, nada o inferioriza relativamente os outros três!

domingo, 3 de março de 2024

Mulher Coragem

 

O Jorge Miguel nasceu no final do domingo, dia 3 de Março de 1974. Faria hoje 50 anos.

A jovem mãe, muito combalida por um parto demorado e difícil, sentia a felicidade que todos as mães sentem quando finalmente podem ver o primeiro filho. As marcas dos "ferros" eram bem visíveis na cabeça do bebé, mas estava certa de que iriam desaparecer. Notou a imobilidade das pernas do menino, mas a inexperiência, a delicadeza da médica que decidiu conceder-lhe uma noite de felicidade e a satisfação de olhar o primeiro filho ofuscaram os sinais de que algo estava errado.

No dia seguinte, o mundo desabou quando um médico neurocirurgião entrou no quarto acompanhado de uma enfermeira e lhe explicou que o menino sofria de uma malformação congénita, espinha bífida aberta. A extensão dos danos neurológicos não podia ser avaliada com rigor, mas eram significativos e irreversíveis. O tecido nervoso perdido não podia ser reparado e as funções dos nervos danificados não podiam ser restauradas. E era urgente decidir fazer, ou não, a cirurgia para fechar o defeito e eventualmente impedir a infecção dos tecidos expostos e a morte do bebé.

Foi o primeiro dos dias mais duros da vida da jovem mãe. Com o pai, consultou especialistas, mas depressa percebeu que pouco ajudavam. A decisão teria de ser deles e rápida. E decidiram não operar. O menino foi internado no hospital de Santa Maria por ser o local com melhores condições técnicas para a sua situação. Faleceu com dez dias de vida.

Dez dias em que a mãe do menino, depauperada fisicamente e sujeita a um vendaval de emoções, encontrou a força necessária para o acompanhar, cuidar e mimar com muito amor, até aos últimos minutos de vida. Num ambiente hospitalar desolador, onde faltava tudo menos o esforço e empenho das enfermeiras, a jovem mãe revelou a coragem e a determinação que mais tarde constituíram a trave-mestra de uma maternidade plenamente realizada.

Depois foi preciso voltar a levantar o mundo. Pouco mais de um mês depois foi o 25 de Abril. A seguir a segunda gravidez e a ansiedade da espera, com o pai ausente a navegar nas águas do Atlântico Sul e depois do Mediterrâneo. O nascimento da Joana, quase um ano depois, foi anunciado ao pai por mensagem no centro de comunicações de um navio da Marinha dos EUA. Depois veio a Catarina. E mais tarde um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito netos!

E o oitavo neto é o Miguel Jorge, um sinal de que as contas da vida da mulher coragem estão saldadas e de que muito do que é a nossa família foi construído com o que sentimos e aprendemos nos dez dias de vida do nosso filho Jorge Miguel.