Quando em Agosto de 1977 viajei para a Califórnia com a João e a Joana, mais precisamente para Monterey, sabia que seria uma mudança significativa na nossa vida. Profissionalmente, ia fazer uma pós-graduação de mais de dois anos e teria oportunidade de conhecer o que de mais avançado se investigava e realizava em engenharia. Familiarmente, era o desafio de vivermos um longo período num país muito diferente do nosso, numa sociedade que mal conhecíamos e afastados de tudo a que estávamos habituados. É certo que teríamos o conselho dos quatro camaradas que já lá estavam há um ano e o apoio do sistema social da Marinha dos EUA. Mas o desconhecido e os condicionalismos financeiros que a desvalorização do escudo tinham criado, faziam com que a mudança fosse uma aventura.
Fomos morar numa pequena moradia com relvado à volta no bairro de La Mesa, na periferia de Monterey, onde éramos conhecidos como os pais da Joana. Como não era possível viver na Califórnia sem carro, optámos por um velho e muito rodado VW 1600 Fastback adquirido com um empréstimo do banco local, em vez dos enormes consumidores de gasolina “made in USA”, símbolos de uma indústria que então já estava ferida de morte pelos choques petrolíferos. Passámos também a auferir dos múltiplos serviços de apoio à família militar – “Exchanges”, saúde, etc. – que caracterizam o sistema militar norte-americano e foi assim que, pouco mais de um ano depois, a Catarina nasceu no Silas B. Hays Army Hospital, em Fort Ord, “Home of the 7th Infantary Division”, a pouco mais de 9 milhas (15 km) da nossa casa.
Academicamente, passei a preocupar-me em aprender tudo o que fosse possível sobre a optimização das instalações motoras baseadas nos ciclos de Brayton, as para mim novidade turbinas a gás, e de Diesel, os já bem conhecidos motores de combustão interna que equipavam a esmagadora maioria dos navios militares portugueses. Tratava-se de preparar um futuro que se previa dominado por aquelas tecnologias, assim como pela electrónica dos sistemas de automação. Todo o meu quadro mental foi condicionado para exercer a profissão num mundo de motores de combustão interna de combustíveis fósseis, em que o principal objectivo era maximizar o rendimento, a segurança e a fiabilidade das instalações, com emissões ambientais mínimas.
Quando ainda antes dos graves acidentes de Three Mile Island e Chernobil já se contestava o nuclear (lembram-se de Ferrel?), os estudantes de engenharia eram preparados para um futuro dominado pelos combustíveis fósseis como fonte principal de energia. A central de produção de energia eléctrica de Moss Landing, a menos de 20 milhas de Monterey, com duas instalações de vapor de ciclo supercrítico, era apresentada nos livros de termodinâmica como um exemplo de inovação. E mesmo quando uns anos mais tarde foi modernizada, a opção foi instalar duas novas unidades de ciclo misto de turbinas a gás e melhorar o controlo de emissões, sem abandonar os hidrocarbonetos como fonte de energia.
Foi este o mundo para que me preparei. E foi nele que exerci a profissão de engenheiro mecânico durante mais de duas décadas e em que o cume terá sido o projecto e a construção das fragatas da Classe “Vasco da Gama”, com motores Diesel e turbinas a gás exemplarmente eficientes e fiáveis. Mesmo na vida privada e apesar das artimanhas electrónicas da VW para viciar os valores das emissões dos motores automóveis, habituei-me a confiar na fiabilidade e na resistência dos motores Diesel. Fiabilidade e resistência que os motores eléctricos, apesar de terem apenas 1% do número de peças móveis dos motores de combustão interna, ainda não atingiram.
Passado quase meio século, o mundo alterou-se profundamente. Os donos do mundo condenaram os motores de combustão interna, em especial os Diesel, a desaparecer nos automóveis e com eles toda a estrutura de abastecimento e reparação, com a inevitável eliminação de milhões de postos de trabalho. E determinaram que o futuro pertence aos veículos com motores eléctricos e, imaginem, ao nuclear, para fazer face à procura de energia eléctrica.
Estou certo de que em Monterey também muito se terá alterado relativamente ao que encontrámos em Agosto de 1977. Há alguns anos confirmei no local que a nossa casa já não existe. Sei também que o hospital de Fort Ord onde a Catarina nasceu, assim como a base do Exército norte-americano, foram encerrados. E sei que a central de Moss Landing é hoje uma enorme instalação de baterias de lítio da Tesla, ligada à rede eléctrica da Califórnia.
Escrita talentosa e tema muito interessante !
ResponderEliminarHistória muito interessante!
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