O programa “Sociedade Civil”, com o título “Operação
Crocodilo/Falcão”, transmitido pela RTP2 (Parte 1 e Parte 2), fez-me
regressar à Marinha que vivi intensamente até passar à Reserva, a meu pedido,
no início de 2000. O programa recordou a intervenção da força da Marinha na
Guiné-Bissau, com o objectivo primário de resgatar cidadãos portugueses
ameaçados pela guerra civil. Os protagonistas operacionais sabem melhor do que
eu descrever o episódio, mas confesso que mesmo passados 25 anos, mantenho
vivas algumas memórias daqueles dias de Junho.
Como o Almirante Melo Gomes lembrou, a operação foi possível
graças à prontidão dos militares e dos navios da Marinha. Mas a prontidão dos
navios naquele mês de Junho de 1998, num tempo que já era de indefinição das
políticas governamentais na área da Defesa, deu muito trabalho, disso tenho uma memória muito viva. A memória de quando chefiei o departamento
responsável pela manutenção de toda a esquadra de superfície.
Em 1998 vivíamos um tempo de “vacas esqueléticas”, com vários navios envelhecidos e um orçamento insuficiente para cumprir as missões da
Marinha, mesmo poupando no indispensável. Mas foi o ano em que tivemos de
aprontar a força naval que resgatou os cidadãos portugueses ameaçados pela
guerra civil na Guiné-Bissau; que tivemos de repor a capacidade de vigilância
do estuário do Tejo durante a Expo 98; que tivemos de trazer dos Açores e
recuperar a corveta Afonso Cerqueira, depois de um grave incêndio no Faial,
para citar apenas alguns dos desafios que enfrentámos.
Trabalhava dez, doze e mais horas por dia, com frequência
nos fins-de-semana e feriados, e comigo trabalhava a equipa que liderava. Sem
nenhuma remuneração adicional, fosse por horas extraordinárias ou qualquer
outro motivo. A única compensação que tínhamos era a satisfação de cumprirmos o
que a Marinha nos pedia.
Foi um período duro que permitiu conhecer a qualidade dos
homens e das então poucas mulheres da Marinha. Em especial dos que tinham
responsabilidades na resolução dos problemas nas áreas operacional e técnica.
Contactava com muita frequência, quase diariamente, com toda a hierarquia
superior da Marinha, desde o CEMA até aos que exerciam funções de comando e
direcção em terra e no mar, e sei bem como se fazia muito com muito pouco. Com
humildade e discrição, sem protagonismos e arraiais mediáticos.
Hoje, na reforma e muito afastado do dia a dia da Marinha,
posso ter uma visão errada da realidade actual. Mas que me parece muito
diferente da que vivi em 1998, disso não tenho qualquer dúvida.
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