Há quem diga que o meu pai tinha uma relação muito especial com o dinheiro, mas eu tenho a certeza de que ele não tinha qualquer relação com o dinheiro. Nos cinquenta anos de actividade profissional, nunca soube quanto ganhava. Quando o vencimento era pago em numerário, recebia e entregava o envelope à minha mãe, e não pensava mais no assunto. Quando passou a receber no banco, libertou-se totalmente da preocupação de levantar o ordenado.
Viveu noventa e um anos, sempre com muito pouco dinheiro na carteira, só o estritamente necessário para os seus gastos pessoais, que eram diminutos. O orçamento familiar era administrado pela minha mãe, que se encarregava de adquirir todos os bens necessários, dos alimentos aos medicamentos, dos livros à roupa, dos computadores aos carros.
Quando o meu pai, por qualquer razão, decidia premiar monetariamente os filhos, ou mais tarde os netos e os bisnetos, chamava a minha mãe ou, na sua ausência, escrevia num pedaço de papel: “VALE cinco escudos”, ou outro valor qualquer. Depois lá íamos nós ter com a minha mãe para resgatar o vale e ouvir o discurso do costume: — O teu pai é muito esperto, não tem dinheiro, mas inventa!
Lembrei-me disto a propósito da sempre ameaçadora crise bancária e de como ela tem servido para nos pôr a pagar a vida faustosa dos bancos e dos banqueiros. Claro que os banqueiros sabem que a apregoada crise não será como a pintam, mas dá muito jeito manter a ameaça.
A Irlanda provou, em 1970, que era possível passar sem os banqueiros que fizeram uma greve e fecharam os bancos para vergar os trabalhadores bancários. Ao fim de seis meses os banqueiros recuaram porque nada de grave se tinha passado. A população criou um sistema de trocas, com instrumentos semelhantes aos vales do meu pai, e mostrou que os bancos eram menos necessários que a maioria dos serviços camarários.
É certo que os irlandeses precisaram de uma espécie de sistema financeiro, mas provaram que passavam bem sem os edifícios majestosos, os bónus e as remunerações obscenas, a especulação de risco e os resgates pagos pelos bolsos dos contribuintes. E que também passavam bem sem os reguladores e as guerras, reais ou inventadas, com os governos.
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