Aparentemente, os responsáveis pelo regime derrubado em 25 de Abril de 1974 estavam convencidos que seriam apenas a liderança e as teses do general Spínola expressas no livro “Portugal e o Futuro”, teses aliás comungadas por sectores do regime próximos das cúpulas militares, que inspiravam o Movimento.
O desconhecimento ou desvalorização da existência de um programa político coerente, o “Programa do Movimento das Forças Armadas”, terão levado o regime a olhar para as movimentações dos jovens militares com menor cuidado.
O próprio general Spínola, a quem o programa foi apresentado com antecedência e nele fez cortes e introduziu alterações até merecer o seu acordo, terá provavelmente pensado que não passava de mais um papel e que depois do golpe prevaleceriam as suas teses, o seu projecto de poder pessoal e a sua rede de apoiantes.
Para ilustrar o processo de elaboração do programa do MFA, trago hoje uma referência ao bloco de apontamentos do então Major Melo Antunes, seu co-autor e principal redactor, guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Neste bloco, Melo Antunes escreveu à mão, em Março de 1974, uma exortação aos camaradas do Movimento e o que então designou por “Programa de Acção Política do Movimento de Oficiais das F.A.”
Este programa foi depois discutido e melhorado com os contributos de outros oficiais do Movimento até se transformar no Programa do MFA que enquadrou politicamente as operações militares do dia 25 de Abril e foi publicado pelo jornal República no dia 26. Contudo esta versão, entregue pelo Martins Guerreiro na manhã de 25 como testemunho das intenções do Movimento no caso do golpe militar falhar, não foi ainda a versão final do Programa do MFA assinada pelo Presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola.
Na noite de 25 de Abril, terminado o essencial da operação "Viragem Histórica", os militares do Movimento que estavam no Posto de Comando da Pontinha foram surpreendidos com a proibição do general Spínola da distribuição de exemplares do Programa do MFA aos jornalistas, com o argumento de discordar do seu conteúdo. A discussão entre os generais da JSN e os oficiais do Movimento, prolongou-se pela madrugada do dia 26 de Abril e o documento, aprovado pelas duas partes, foi lido aos jornalistas, por volta das 8h30 da manhã.
Os pontos que causaram mais discussão foram os relacionados com a extinção da polícia política, a libertação dos presos políticos e a política ultramarina que deveria ser seguida pelo Governo Provisório. As relativas à libertação dos presos políticos e à neutralização da PIDE/DGS serviram para a atrasar até 27 de Abril; a eliminação da alínea onde constava o “Claro reconhecimento dos Povos à autodeterminação e adopção acelerada de medidas tendentes à autonomia administrativa e política dos territórios ultramarinos, com efectiva e larga participação das populações autóctones”, causou dificuldades muito graves na resolução do problema colonial.
Note-se que o que foi cortado e alterado por Spínola na noite de 25 para 26 de Abril já constava do “Programa de Acção Política do Movimento de Oficiais das F.A.” manuscrito por Melo Antunes.
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