terça-feira, 19 de abril de 2022

A arte da leitura

 

Em Setembro de 1939, quando as invasões da Polónia pelos exércitos da Alemanha e da União Soviética marcavam o início da Segunda Guerra Mundial, o filósofo norte-americano Mortimer Jerome Adler escrevia o prefácio do que viria a ser um dos grandes sucessos editoriais do século XX: o livro “How to Read a Book: The Art of Getting a Liberal Education”, editado pela Simon and Schuster, de New York, em 1940.

Escreveu então: “O título indica que me preocupo principalmente com a leitura de livros, mas a arte da leitura que descrevo aplica-se a qualquer tipo de comunicação. No ambiente de irrazoabilidade que paira sobre nós, pode fazer uso dela para ver através da propaganda dos Livros Brancos dos antagonistas e para lá das proclamações de neutralidade, e até mesmo para ler nas entrelinhas dos breves comunicados de guerra.

E explicou o subtítulo: “Numa democracia, devemos cumprir as responsabilidades de homens livres. A educação liberal é aqui um meio indispensável para este fim. Ela não só nos faz homens desenvolvendo as nossas mentes, como também as liberta, disciplinando-as. Sem mentes livres, não podemos agir como homens livres. Tentarei mostrar que a arte de ler bem está intimamente relacionada com a arte de pensar com clareza, crítica e livremente.

Após o sucesso da 1ª edição, Adler reviu o texto e publicou uma nova edição, em 1967, com o subtítulo “A Guide to Reading the Great Books”. Finalmente, em 1972, procedeu a uma grande revisão e actualização que desta vez publicou em parceria com o editor Charles Van Doren, com o subtítulo “TheClassic Guide to Intelligent Reading”. Foi essa edição do “How to Read a Book” que fez parte da minha formação como cidadão na década de 1970.

Na introdução da nova edição, Adler fez uma reflexão sobre os meios de comunicação social modernos, questionando se o seu advento melhorou a nossa compreensão do mundo em que vivemos. Escreveu então: “Talvez (hoje) saibamos mais sobre o mundo do que costumávamos saber (em 1940), e na medida em que o conhecimento é um pré-requisito para a compreensão, isso é bom. Mas não tanto como como comumente se supõe. Não precisamos de «saber» tudo sobre algo para o «entender»; factos a mais são frequentemente um obstáculo para a compreensão, tanto como o são factos a menos. Fica a sensação que nós, modernos, somos inundados de factos em detrimento da compreensão.

Uma das razões para essa situação é que os media modernos são concebidos de modo a fazer com que o pensamento pareça desnecessário (embora isso seja apenas uma aparência). O empacotamento de posições e pontos de vista é uma das mais brilhantes realizações de algumas das melhores mentes dos nossos dias. Ao espectador de televisão, ao ouvinte de rádio, ao leitor de jornais, é apresentado um conjunto complexo de elementos - desde uma retórica engenhosa até dados e estatísticas cuidadosamente seleccionados - para tornar mais fácil para ele «formar a sua própria opinião» com o mínimo de dificuldade e esforço.

Mas o empacotamento é muitas vezes feito de forma tão eficaz que o espectador, ouvinte ou leitor não toma nenhuma decisão. Em vez disso, ele introduz uma opinião empacotada na sua mente, mais ou menos como introduz uma cassete num leitor. Depois só carrega no botão e «reproduz» a opinião sempre que lhe parece apropriado fazê-lo. E assim tem um desempenho socialmente aceitável sem precisar de pensar.

No ambiente de irrazoabilidade que de novo paira sobre nós, a reflexão de Adler mantém-se tão oportuna como há cinco décadas.


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