sexta-feira, 25 de março de 2022

A ilha trágica



Quem anda no mar colecciona memórias das terras que avista e onde, muitas vezes, acaba por desembarcar.
 
No meu caso, a memória de ter, há quase 50 anos e tal como como Raul Brandão, navegado perto da muralha da ilha de São Jorge, cortada a pique sobre o mar, é uma das mais marcantes. E nunca esquecerei o primeiro desembarque nas Velas, onde fomos levar bens essenciais porque o estado do mar não permitia as carreiras regulares.

Quando então visitei a ilha de São Jorge não encontrei o pastor com cara de estanho que contou a Raul Brandão as “coisas mais duras” de uma vida numa “terra de grandes proprietários, que alugam as pastagens por certo número de canadas de leite” e que “quanto mais caro for o leite, pior para o pastor, que tem fixo no arrendamento o número de canadas.”
 
Encontrei sim razões para me apaixonar pela ilha, onde até vi os cafeeiros que sempre estiveram presentes na minha infância e adolescência. Mas apesar da hospitalidade dos jorgenses e da beleza da ilha das fajãs, senti a “impressão severa” do lugar e o duro isolamento de quem teimava em viver na que João de Melo descreveu como “a ilha mais profundamente ilha dos Açores”.

Muito mudou na ilha de São Jorge, felizmente para melhor, desde que desembarquei pela primeira vez nas Velas. Mas a ameaça sísmica e vulcânica que tantos problemas já causou no passado continua sempre presente e os jorgenses, capazes de lutar e vencer outras grandes dificuldades, nada podem fazer contra ela.

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