Desde miúdo que me lembro de ouvir falar do primeiro emprego da minha mãe na sede da Companhia de Diamantes de Angola na Rua dos Fanqueiros, na conhecida Diamang, e do seu patrão, o comandante Vilhena, o causador de alguns arrufos no namoro com o meu pai. É que o Capitão-de-fragata Ernesto Vilhena, um oficial de Marinha monárquico que foi ministro da República, administrador colonial e de muitas importantes empresas e bancos e próximo de Salazar, era um ditador que obrigava todos os trabalhadores a perguntar-lhe se determinava alguma coisa antes de saírem no fim do dia de trabalho, às 18 horas. O ritual trazido da Marinha fazia com que se formasse uma longa fila à porta do gabinete do patrão e a minha mãe, por mais que fizesse para ser das primeiras a despedir-se, acabava por fazer o meu pai esperar na porta do prédio quando a ia buscar ao emprego. Como o meu pai nunca gostou de esperar, o atraso involuntário acabava por provocar um amuo que só passava algum tempo depois.
Vem esta memória a propósito da primeira apresentação pública de parte do arquivo fotográfico da Companhia de Diamantes de Angola, a Exposição “O Silêncio da Terra: visualidades (pós)coloniais intercetadas pelo Arquivo Diamang”, na Galeria do Paço e no Museu Nogueira da Silva (Universidade do Minho) e patente ao público entre 30 de Junho e 10 de Setembro de 2021.
Trata-se de um acervo fotográfico impressionante que nos conta por imagens o que era na prática um Estado dentro do Estado colonial português. No território concessionado à Diamang na Lunda, os funcionários europeus gozavam de um regime privilegiado (a minha mãe trabalhou na secção de compras no final da década de 1940 e conta que nada lhes faltava, até túlipas eram importadas da Holanda para serem enviadas para a Lunda) enquanto o trabalho forçado dos africanos foi uma constante até finais da década de 1960. E não se verificava só na mineração, ocorria também nos campos agrícolas, onde mulheres e crianças trabalhavam para alimentar milhares de pessoas.
Das muitas fotografias da exposição, escolhi duas pelo seu significado particular. Na primeira fotografia é registada a visita de diplomatas belgas e do governador do distrito de Benguela a um dos sectores da mina.
A segunda fotografia é da Estação Central de Escolha de Andrada e merece uma explicação mais detalhada.
Nas estações centrais de escolha, onde se separavam os diamantes dos outros resíduos de rocha, o trabalho era muito duro e os homens eram obrigados a lá permanecer sem contacto com o exterior durante três ou mais meses. Para impedir o roubo e o tráfico de diamantes, a vigilância era apertadíssima e os homens só deixavam a central ao fim de meses, nus e sujeitos a uma inspecção corporal rigorosa.
Pois a segunda fotografia é da visita à Estação Central de Escolha de Andrada, em 1951, do sociólogo Gilberto Freyre, o criador do luso-tropicalismo e do mito da benignidade da colonização lusa que a propaganda do Estado Novo adoptou a partir da década de 1950. Nela vemos o visitante a assistir, com outros convidados e funcionários da empresa, a um momento de lazer em que trabalhadores africanos dançam uns com os outros. Separa-os uma rede que parece transformar o pátio onde decorre o “baile” numa jaula.
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