Escrevi "As pátrias de Abril" a pensar em todos os que como o meu Pai
foram e continuam a ser tratados pelos poderes nacionais e regionais como
portugueses de segunda classe, quer pelos burocratas, eleitos ou não, quer
pelos seus representantes nas embaixadas e consulados espalhados pelo mundo.
Escrevi "As pátrias de Abril" a pensar em todos os que apesar de tudo se sentem
profundamente portugueses, mesmo que cidadãos de outros países.
Escrevi "As pátrias de Abril" a pensar em todos os que como o meu Pai
viveram o dia 25 de Abril de 1974 como um dos mais belos dias da sua vida.
Escrevi "As pátrias de Abril" a pensar em todos os que, mesmo que o não tendo vivido,
continuam como o meu Pai fazia, a celebrar o 25 de Abril com alegria e orgulho,
sem precisarem de desfilar na avenida.
E como para muitos em quem pensei o português não é a língua materna, o
Diniz Borges decidiu traduzir "As pátrias de Abril" para inglês. É o original e a sua
tradução, ilustrado pelo meu neto mais novo, que aqui deixamos como celebração
da universalidade do 25 de Abril.
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AS PÁTRIAS DE ABRIL
“Nós precisamos de uma pátria e a minha pátria é o meu
bairro. E quando não a temos, inventamos.” Ouvi isto a Bruno Vieira Amaral, o
escritor criado no bairro problemático do Vale da Amoreira, no Barreiro, que a
família materna alentejana e paterna angolana decidiu, em 1975, trocar pelo
bairro de lata de Lisboa, num dos movimentos de ocupação de prédios em
construção que se seguiram ao 25 de Abril.
Referia-se à sua pátria, o seu lugar de pertença, mas que
não o podia ser para a avó cuja pátria era Montalvão, no Alentejo. No Barreiro
a avó sentia-se deslocada, desenraizada. Tão deslocada e desenraizada como a
esmagadora maioria dos portugueses, migrantes empurrados pela necessidade, se
sentiram ao longo de séculos em muitos lugares do mundo. Tão deslocada e
desenraizada como o meu avô transmontado quando veio trabalhar como marçano em
Lisboa, como os meus avós madeirenses quando foram para Moçambique, como a
minha mãe lisboeta quando viveu em Inhambane e Quelimane ou como o meu pai
moçambicano quando foi obrigado a vir para Portugal. Tão deslocada e
desenraizada como quase todos os que se consideram portugueses e que encontrei
pelo mundo fora, fosse qual fosse a sua nacionalidade.
Na realidade, milhões cujas pátrias, cujos lugares de
pertença são construídos, independentemente do lugar onde nasceram ou
cresceram, com uma cultura que apenas conhecem pelo que lhes foi transmitido
pelos pais e avós, com uma religião professada tanto pelos que rezam na igreja
de São Pedro em Malaca como na igreja das Cinco Chagas em São José na
Califórnia, com uma língua que muitos mal conhecem mas que é a dos seus
antepassados. Pátrias de que gostam embora sejam apenas, como Miguel Torga
escreveu, “uma nesga de terra debruada de mar”, muitas vezes desfocada ou
imaginada, numa serra transmontana, numa planície alentejana, numa caldeira
açoriana ou numa fajã madeirense. O espaço telúrico e moral, cultural e
afectivo onde cada natural se cumpre humana e civicamente”, como o mesmo Torga
definiu.
Foram estas múltiplas e diversas pátrias verdes e vermelhas,
que o 25 de Abril de 1974 libertou.
Foram estas múltiplas e diversas pátrias da cor da Liberdade
que derrubaram e substituíram a pátria única da ditadura, a pátria da minha
infância a papaguear os rios e as linhas de caminho-de-ferro de uma Metrópole
desconhecida numa escola de Quelimane, a pátria da infância dos meninos das
ilhas e das colónias que viram cartazes a proclamar “Aqui também é Portugal!”
durante visitas de presidentes vindos de longe e recebidos com pompa e
circunstância, a pátria dos meninos homens que se alistaram para fugir à
pobreza e foram combater uma guerra distante, a pátria que roubou a saúde e a
vida dos milhares e milhares de jovens que combateram nas matas africanas. A
pátria que não foi ditosa e foi madrasta para gerações de portugueses,
empurrados para outros lugares em busca de melhores condições de vida.
Foram as pátrias que Abril libertou, que como Jorge de Sena
coleccionam “nacionalidades como camisas se despem, se usam e se deitam fora,
com todo o respeito necessário à roupa que se veste e que prestou serviço”, que
são as pátrias do Andrew, da Natasha, da Sabrina, do David, do Miguel, da
Clara, do Tomás e do Afonso. Todos da geração dos “filhos da madrugada”, que em
Filadélfia, em Washington, em Rhode Island, no Silicon Valley ou em Oeiras,
sentem como seu o 25 de Abril de 1974 e lutam para que as nossas pátrias verdes
e vermelhas, da cor da Liberdade, sejam mais humanas, livres e justas.
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APRIL'S
HOMELANDS
“We need a
homeland, and my homeland is my neighborhood. And when we do not have it, we
invent it.” I heard this from Bruno Vieira Amaral, the writer raised in the
troubled neighborhood of Vale da Amoreira, in Barreiro, that the family, from
Angola and the Alentejo Region of Portugal decided, in 1975, to exchange for
the slum district in Lisbon - one of the various movements that resulted from
the settlement into the newly constructed empty buildings that followed the
April 25th revolution.
He was
referring to his homeland, his place of belonging, a place that was not his
grandmother’s homeland, hers’ was still Montalvão, in the Alentejo. In
Barreiro, the grandmother felt out of place, uprooted. As out of place and
uprooted as many Portuguese emigrants driven by necessity, have felt for
centuries in many parts of the world. As out of place and uprooted as my
grandfather, when he came to work as a marquis in Lisbon, as my grandparents
from Madeira when they went to Mozambique, as my mother, born and raised in
Lisbon when she lived in Inhambane and Quelimane or as my Mozambican father
when he was forced to come to Portugal.
As out of
place and uprooted as almost all who consider themselves Portuguese, whom I met
throughout the world, whatever their nationality might be. Millions whose homelands, whose places of
belonging are built, regardless of the place where they were born or grew up,
with a culture they know from what was passed on to them by their parents and
grandparents, with a religion professed so much by those who pray in the church
of São Pedro in Malacca as in the Five Wounds church San Jose, California. With
language that many barely now know but was the language of their
ancestors. Homelands that they love,
although they might be, as the Portuguese writer Miguel Torga wrote, “a strip
of land bordered by the sea”, often blurred or imagined, in a mountain range in
Trás-os-Montes, in an Alentejo plain, in an Azorean crater or in a Madeira
basin. “The tellurian and moral, cultural and affective space where each native
is fulfilled humanly and civically” as Torga defined it.
Yes, these
multiple, diverse green and red homelands were liberated by the April 25th
revolution.
Yes, these
multiple and diverse homelands, with the Color of Freedom, overthrew and
replaced the unique homeland of the dictatorship, the homeland of my childhood,
as I parroted the rivers and the railroad lines of an unknown Mainland in a
school in Quelimane; the childhood homeland of the children of the islands and
the colonies who saw posters proclaiming, "This is also Portugal”; during visits by presidents from afar, who
were welcomed with pomp and circumstance; the homeland of young men who
enlisted to escape poverty and went to fight a distant war; the homeland that stole
the health and life of the thousands and thousands of young people who fought
in the African jungles. The homeland that was not a good mother, but a wicked
stepmother for generations of Portuguese, driven to other lands.
These are
the homelands that Abril liberated, who like the Portuguese poet, writer, and
scholar Jorge de Sena, collect “nationalities such as shirts are stripped, used
and thrown away, with all due respect to the clothes that dress and serve our
needs”, that are the homelands of Andrew, Natasha, Sabrina, David, Miguel,
Clara, Tomás and Afonso. All of them, “children of the dawn”, the younger
generation, who, be it in Philadelphia, Washington DC, Rhode Island, Silicon
Valley or Oeiras, feel the Carnation Revolution as theirs and, collectively, do
continue in the continuous transformation of our green and red homelands, with
the Color of Freedom, so they can become more humane, free, and just.
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